segunda-feira, outubro 29, 2018

Antiga sede do Matadouro Imperial de Santa Cruz: O Palacete Princesa Isabel


Fachada atual

O palacete, de aspecto neoclássico, foi inaugurado em dezembro de 1881, com a presença do Imperador Pedro II, para funcionar como sede administrativa do matadouro público, na área da antiga Fazenda Imperial de Santa Cruz.

Em 1886, algumas salas abrigaram a  Escola Santa Isabel para os filhos dos trabalhadores do matadouro. No início da República, o matadouro tornou-se tecnologicamente defasado e aos poucos, a escola foi ocupando todo o palacete.

Em 1921, com o nome de Escola Estados Unidos, ali eram ministrados cursos práticos e teóricos de agricultura, apicultura e trabalhos manuais, consolidando assim o uso educacional e cultural. Durante cerca de quarenta anos a instituição dedicou-se ao ensino técnico, recebendo, em 1946, o nome de Escola Princesa Isabel.

Escavações arqueológicas

Na década de 70, o prédio encontrava-se em condições bastante precárias e a escola foi transferida para outra edificação, especialmente construída nos fundos do terreno.

A antiga sede administrativa do Matadouro Público de Santa Cruz, considerada patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro por suas características arquitetônicas e importância histórica, foi tombada em maio de 1984, pelo Decreto Municipal nº4.538.

Desde 1993 a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro promove obras de restauração, adequação de uso, pesquisa arqueológica e educação patrimonial.

O Projeto e as Obras de Restauração e Adequação de Uso foram executados sob a orientação da Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural, atual Subsecretaria de Patrimônio Cultural, Intervenção Urbana, Arquitetura e Design (SUBPC) da Secretaria Municipal de Cultura, com fiscalização da Riourbe.

A proposta visa a preservação do monumento para as gerações futuras e a sua reinserção no cotidiano da comunidade através da implantação do Centro Cultural Princesa Isabel, que abrigará  a sede do Ecomuseu, um auditório multi-uso, a Biblioteca Popular de Santa Cruz – Joaquim Nabuco, salas de exposição, cursos, oficinas, música  e dança.

As obras executadas foram:

Área Externa:

Tratamento paisagístico;
Execução de iluminação monumental externa, inclusive do logradouro;
Recuperação dos muros e gradil;
Construção de cisterna e instalação de caixa d´água com Reserva técnica de incêndio (RTI);
Recomposição das canaletas de drenagem;
Execução de novo calçamento com rampas visando acessibilidade plena.

Área Interna:

Execução de lajes pré-moldadas no 2º pavimento;
Execução das instalações prediais: elétricas, hidro-sanitárias, Sistema de Proteção contra Incêndio (SPCI), infra-estrutura de ar-condicionado;
Execução de pintura e recuperação dos revestimentos;
Recuperação dos pisos e tetos;
Execução de mezanino para a implantação de camarins e vestiários de funcionários;
Instalação de elevador;
Complementação das escadas em perfil metálico.

Fachadas e Prismas:

Recuperação das fachadas;
Recomposição beirais e elementos decorativos em argamassa;
Recuperação das esquadrias de madeira, inclusive ferragens;
Recuperação das grades de janelas.

Cobertura:

Revisão da cobertura, inclusive madeiramento;
Execução  de acesso à cobertura para manutenção.

Ação Educativa: A ação educativa no Palacete Princesa Isabel consistiu no seminário “ Nas Terras de Santa Cruz: História, Arqueologia e Restauração” organizado pela SEDREPAHC, atual SUBPC, e 10ª Coordenadoria Regional de Educação, contando com a presença de mais de 120 pessoas. Dentre as palestras proferidas destacamos a de Odalice Miranda Priosti, museóloga que reproduzimos a seguir.

"ECOMUSEU: "DAS TERRAS DE PIRACEMA AO ECOMUSEU COMUNITÁRIO DE SANTA CRUZ: a dimensão político-cultural de um processo museológico comunitário"

Síntese da história de Santa Cruz, bairro da Cidade do Rio de Janeiro, localizado na Zona Oeste, oriundo da Fazenda Jesuítica, Real e Imperial em suas fases diferenciadas. A trajetória da Fazenda foi política e economicamente marcada pela presença do Rei D. João VI, à qual conferiu status de sede do poder em suas temporadas de veraneio, religando-a ao Paço de São Cristóvão, por meio da revitalização da Estrada Real de Santa Cruz.

Após o período joanino, a intermitência do poder imperial em Santa Cruz assinala a presença da Corte em significativos momentos, desde as festas pela Independência, os saraus promovidos por D. Pedro I, a inauguração do Matadouro por D.Pedro II e as visitas de cientistas e artistas estrangeiros, acompanhando o monarca e legando belas iconografias e outros registros da Fazenda.

O esvaziamento e ocaso político da Fazenda, consequente à proclamação da República, compensado mais tarde pelo desenvolvimento trazido pelo Matadouro, precede um novo surto revitalizador com a criação do Distrito Industrial, na década de 60, que viria para suprir a economia do recém-criado Estado da Guanabara, após a mudança da capital do Brasil para Brasília. Assolada por violentas transformações no seu perfil psicosociológico, a comunidade local passa a se mobilizar em defesa de seus bens patrimoniais (naturais e culturais) e da história e cultura locais, a partir da fundação do NOPH – Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica em 1983, movimento que hoje é assumido e reconhecido como  Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro.  Por meio da experiência de ecomuseu urbano, Santa Cruz conhece um novo momento de integração e reconhecimento no processo político-cultural da cidade e se torna uma referência na museologia contemporânea, fazendo evoluir conceitos e desenvolver museologia e museografia adequadas a sua realidade. (autoria de Odalice Priosti)

Referência Bibliográfica

LAMEGO, Adinalzir Pereira.
Santa Cruz, a Fazenda e o Bairro: Fontes para o Estudo de sua História. Ano 2014.

Acervo Biblioteca do NOPH

Clique neste link e saiba mais detalhes sobre a obra de restauração do Palacete

https://santacruz450-resumosefontes.blogspot.com/ Acesso em 29/10/18

http://www0.rio.rj.gov.br/patrimonio/proj_palacete_princ_isabel.shtm Acesso em 29/10/18

https://pt.wikipedia.org/wiki/Palacete_Princesa_Isabel Acesso em 29/10/18

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sábado, outubro 27, 2018

Os Paus-Ferro de Pedra De Guaratiba



Talvez de forma despercebida, ou sem conhecer a espécie, você já passou por esta árvore, admirou ou usufruiu de sua sombra. Principalmente ao longo da Barros de Alarcão, na calçada do Seminário Teológico do Abrigo Evangélico, no antigo caminho do bonde ou na Estrada da Pedra ao longo da elevação que nos leva à Ponta Grossa.

O Pau-Ferro (Caesalpinia ferrea) da Família Febaceae é uma árvore de grande porte, podendo chegar aos 30 metros de altura, seu tronco malhado permite ser identificada de longe, devido ao fato de ser malhado, também é chamada de árvore Leopardo, e pelos indígenas era chamado de “Jucá”, suas flores são amarelas e aparecem de outubro a maio (dependendo da pluviosidade do local), é uma árvore melífera, por esse fato atrai grande número de abelhas que produzem mel de excelente qualidade usufruindo desta espécie. Seus frutos são em forma de vagem marrom-escura, propagam-se por sementes que eclodem no verão, porém para florescer precisam de um solo úmido e com significativa quantidade de nutrientes. Trata-se de uma típica espécie nativa de nossa Mata Atlântica, com ocorrência ao longo do Litoral, sendo encontrada desde São Paulo até o Piauí. Sua presença é comum em Pedra de Guaratiba e região pelo fato do bairro apresentar remanescentes originais de Mata Atlântica.


O Pau Ferro é na verdade uma espécie muito próxima do famoso Pau-Brasil (Caesalpinia echinata), árvore que sofreu a primeira grande degradação ambiental de nosso país chegando quase a extinção, desde a maciça exploração feita pelos portugueses, onde a madeira servia para lastro das embarcações e suas sementes para colorir tecidos, e sua variação de cor avermelhada como brasa, deu origem ao termo “brésil” mais tarde Brasil. No ano de 1961 o presidente Jânio Quadros aprovou um projeto declarando o Pau-Brasil como árvore símbolo nacional e o Ypê como flor símbolo nacional.


Quanto ao Pau-Ferro, a árvore foi amplamente explorada no passado para dar origem a postes de iluminação pública e vigas para a construção, da segunda metade do século XX em diante deixou de ser utilizada sendo substituída por estruturas metálicas e postes de concreto. As comunidades caiçaras geralmente não utilizavam esta árvore por ter o tronco muito rígido (daí seu nome “pau-ferro”), sendo preferido para a construção de canoas o Ingá, o Cedro e o Mogno. Atualmente a espécie retratada no artigo está sendo utilizada para recompor áreas degradadas e parques públicos, além da utilização no paisagismo composto por espécies da Mata Atlântica e na fabricação de instrumentos musicais como violão e violinos.

Por Paulo Jorge Neves.

Originalmente postado na página Pedra de Guaratiba E Seus Encantos

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sexta-feira, outubro 26, 2018

Rios Antigos


Rio Piraquê. Foto - olhoverdemoscatelli

Um dos principais sintomas da degradação ambiental de uma cidade ocorre quando seus rios passam a ser chamados de valões. Aqui no Rio de Janeiro, isso ocorre em todos os bairros e o mais irônico é que a cidade carrega um rio no nome, consequência do equívoco dos primeiros navegantes, que, ao chegarem aqui em 1º de janeiro de 1502, confundiram a Baía de Guanabara com a foz de um grande rio. Como estávamos em janeiro, Rio de Janeiro.

Já o rio que deu nome aos nascidos na cidade, o Carioca, é hoje quase totalmente canalizado. Tem apenas um pequeno trecho visível no Largo do Boticário, no Cosme Velho, e desemboca de forma muito malcheirosa na Praia do Flamengo. Era às margens dele que o fidalgo português Martim Afonso de Souza morava, em 1531, numa casa de pedra, origem do termo cari-oca, dado pelos indígenas e que significa “casa de branco”.

Nascente do Rio da Carioca

Apesar da lastimável situação atual, os rios antigos já foram o principal meio de transporte desta cidade, já que as poucas trilhas que existiam eram perigosas e cheias de obstáculos. Assim, rios como o Maracanã, o Comprido, o Carioca, o Andaraí, o Piraquê, o Meriti, o Piraquara, o Guandu, o Rio Sarapui, que nasce no maciço da Pedra Branca (pelo lado de Senador Câmara) e corta vários bairros e cidades da baixada até desaguar na baía de Guanabara (Duque de Caxias) e tantos outros que foram responsáveis pela maior parte da movimentação de cargas e passageiros da cidade por muito tempo, sempre atrelados a ancoradouros e portos que já não existem, como os de Irajá e Maria Angu, fundamentais para o escoamento de boa parte da produção agrícola do subúrbio carioca.

Destes tempos de grande importância para o desenvolvimento da cidade, só ficaram mesmo os nomes dos rios - boa parte, subterrâneos - e os que não passaram por este processo ficam expostos a todo tipo de degradação, não apenas do esgoto jogado in natura nas suas águas, que nascem limpas e cristalinas nas serras, mas também à falta de educação dos moradores próximos, que jogam todo tipo de porcaria em suas águas, de sacos plásticos a cadeiras, sofás e até geladeiras velhas.

Rio Maracanã. Foto- O Globo

Mas fica aqui uma sugestão: por que não chamar o rio pelo nome? Nos mapas da prefeitura, é fácil identificá-los e alguns têm até plaquinhas. Não que isso vá lá mudar muita coisa, mas só de não chamá-los de valão, nome que simboliza sujeira e podridão, quem sabe eles não passem a ser mais respeitados? Afinal, não dizem que o sujeito só passa a existir quando é batizado?

Eu não sei não, mas depois que passamos a chamar alguns rios pelos seus verdadeiros nomes, como o Cabuçu-mirim, afluente do Cabuçu, que desemboca no Piraquê e deságua na Baía de Sepetiba, já percebi que duas garças aparecem por lá todas as manhãs e ficam se refestelando num banco de areia que surgiu milagrosamente no meio do rio.

Texto de André Luis Mansur, jornalista e escritor.

Vídeo Institucional das 7 Maravilhas do Bairro de Santa Cruz

Vídeo Institucional das 7 Maravilhas do Bairro de Santa Cruz. Lei Municipal 5262 de 04/05/2011. Parte integrante do Projeto Corredor Cultural de Santa Cruz, Zona Oeste Rio de Janeiro / Fotos Rei 25 anos. Homenagem aos 451 anos do Bairro de Santa Cruz (1567 - 2018) Por Reinaldo Azevedo.


Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego.

quarta-feira, outubro 24, 2018

A morte da livraria



A megafilial carioca da Livraria Cultura fechou as portas. Ficava na Cinelândia e ocupava o prédio do antigo Cinema Vitória, uma das maravilhas do art déco no Rio, inaugurado em 1942 com “O Grande Ditador”, de Chaplin. Assisti a grandes filmes no Vitória. Nos anos 80, com a decadência dos cinemas de rua, o proprietário dedicou-se a degradá-lo, reduzindo-o a filmes pornô, até finalmente fechá-lo. Sua transformação na Cultura em 2012, mantidos muitos traços originais do prédio, era a esperança de sua conservação.

As livrarias sempre foram pontos de encontro entre os escritores e seus leitores, para benefício de ambos. No Rio, a primeira foi a do editor e tipógrafo Paula Brito, na hoje praça Tiradentes, pouso em 1860 de Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antonio de Almeida e Machado de Assis. Sucedeu-a, rumo a 1900, o longo reinado da Garnier, na rua do Ouvidor, também com Machado, mas já na companhia da turma de Coelho Netto e Olavo Bilac.


Veio então a Leite Ribeiro, no largo da Carioca, com suas vitrines iluminadas e onde Théo-Filho e Gilka Machado davam as ordens em 1922. Nos anos 30 e 40, a José Olympio, também na Ouvidor, era o território de Zé Lins do Rego e Graciliano Ramos. Em seguida, a querida São José, na rua idem, onde Drummond batia o ponto todos os dias. E a Leonardo da Vinci, reduto em 1968 dos cientistas sociais, dos estruturalistas e dos leitores do Cahiers du Cinéma.

De 1990 para cá, diversas livrarias foram palco de encontros: a Timbre, até hoje no Shopping da Gávea; sua pranteada vizinha, a Bookmakers; a Dantes, no Leblon, também morta; e as várias Travessas, cada vez mais acolhedoras e, graças, firmes.

A crise e outros problemas não deram tempo à Cultura para criar aquele ambiente mágico em que autores e leitores se espelham - estes, sonhando escrever, e, aqueles, ansiando pelo dia em que poderão se dedicar simplesmente a ler.

Por Ruy Castro, jornalista e escritor - Folha de S.Paulo.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2018/10/a-morte-da-livraria.shtml

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segunda-feira, outubro 22, 2018

O Rio de Janeiro sob os olhares de Jean Baptiste Debret


Lavadeiras do Rio das Laranjeiras, 1826.
Obra: Aquarela, Jean-Baptiste Debret - Acervo Museu do Açude. Rio de Janeiro - RJ.

Com a vinda da corte portuguesa, em 1808, o Brasil passou a ser um aspirante à modernidade. O Rio de Janeiro deixa de ser, então, a capital da colônia e se torna sede do reino de Portugal, passando por uma série de transformações. Esse processo contou com uma testemunha privilegiada, o artista francês Jean-Baptiste Debret, que chegou ao Brasil em 1816, integrando a Missão Artística Francesa.


A Missão, como se sabe, teve um papel fundamental na fundação da Academia Imperial de Belas Artes, que tinha como objetivo difundir o ensino das artes e ofícios no Brasil. Dentre os participantes da Missão, Debret se destaca pela herança que deixou: uma vasta coleção de aquarelas, gravuras e desenhos que retratam o cotidiano do Rio de Janeiro, revelando hábitos, costumes e as relações sociais que caracterizavam a cidade naquela fase de transição da colônia ao império independente. Parte desse legado integrou a exposição "O Rio de Janeiro de Debret", no Centro Cultural dos Correios, na capital carioca, até 3 de maio. 

A mostra, reuniu 120 obras originais de Debret, é uma oportunidade de apreciar e refletir sobre a visão de um dos grandes pintores viajantes franceses sobre o Rio de Janeiro. As obras expostas pertencem à coleção Castro Maya, que contém mais de 500 aquarelas e desenhos originais, raramente vistos em grandes conjuntos. "Como esteve no país entre 1816 e 1831, Debret acompanhou mudanças significativas na cidade, tanto em seus aspectos materiais como sociais, políticos e culturais, e tudo isso está, de certa forma, impresso nas imagens", explica a historiadora Valéria Alves Esteves Lima, professora da Universidade Metodista de Piracicaba, especialista na obra de Debret. Nesse sentido, Debret tem uma importância fundamental para os brasileiros, no que tange à construção de uma imagem da cidade e, também, do Brasil, já que o Rio era a capital e principal núcleo urbano do país na época. "Sobretudo, se considerarmos a presença de suas imagens em livros didáticos e na imprensa de divulgação, a partir do século XX", justifica a historiadora.

Texto de Marta Avancini

Referência Bibliográfica:


Aquarela, Jean-Baptiste Debret - Acervo Museu do Açude. Rio de Janeiro - RJ.

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sexta-feira, outubro 19, 2018

O tesouro da gruta paciente



Quando a importante fazenda de Dona Mariana Eugênia foi entregue à própria sorte (ou azar), em 1840, ano em que a nobre proprietária faleceu, duzentas pessoas que lá viviam escravizadas no engenho de cana-de-açúcar choraram como se tivessem perdido um membro querido da família. A escravidão “gentil” era uma prática comum em algumas poucas fazendas do Brasil imperial: não havia senzala, as famílias viviam em casas comuns, ao redor da casa-grande, e a relação era fulcrada no respeito mútuo. Dona Mariana batizou como madrinha dezenas de crianças nascidas na Mata da Paciência.

COM a sua morte, as terras foram parcialmente abandonadas, já que suas duas filhas preferiram viver na corte, no centro da cidade, casadas com nobres filhos do Império. Negras e negros tiveram de aceitar o destino que os maridos das duas meninas quiseram lhes impor. Umas foram trabalhar como doceiras, arrumadeiras, passadeiras, faxineiras, em casas brancas no centro da cidade. Uns foram lavrar outras terras, em outras fazendas do Estado do Rio.

MAS um mistério persiste até hoje, pelas bandas da Serra do Cantagalo, a menos de três quilômetros do local em que se situava a sede da Mata da Paciência. Contam que um tesouro, enterrado numa gruta, ao pé da Serra, estaria esperando a luz do dia lhe nascer. Quando Dona Mariana Eugênia morreu, dezenas de escravos fugiram da fazenda, temendo serem vendidos ou negociados para terras distantes. O medo maior era terem de ir para fazendas “não gentis”, em que o tratamento dado à escravaria era o do açoite e o da senzala fria e mórbida.

SE o tesouro foi roubado do cofre da fazenda, ou se foi um presente das mãos de Dona Mariana, nada se sabe. Colares, brincos, anéis, braceletes, pulseiras, rosários, repletos de ouro, diamantes e pedras preciosas, estariam enterrados dentro de uma pequeníssima canastra de prata, do tamanho de uma caixa de sapatos. Um bisneto de um dos escravos fugidos da Mata da Paciência viveu pelas ruas do bairro paciente, até 1997, quando morreu atropelado na Estrada Santa Eugênia, após uma noite de esbórnia e cachaça.

“PAPAI Noel”, como era chamado pela população local, por conta de uma enorme e espessa barba branca (que se destacava mais ainda pela negritude de sua pele), contava que o tesouro estaria enterrado dentro de uma gruta, na Serra do Cantagalo, com uma fonte de águas cristalinas correndo por perto. Como seu bisavô realmente viveu na fazenda da Mata da Paciência, ao pé da Serra da Paciência, de 1810 a 1869 (já depois do esfacelamento da opulenta fazenda paciente), a história se encaixava bem com a grandeza do velho engenho de açúcar.

ELE mesmo, o pobre Papai Noel, tentou cavar, diversas vezes, com picaretadas, toda a área, sem nunca conseguir encontrar nada, a não ser enormes calos nas mãos. Ah, se eu tivesse como explodir partes do solo, sem destruir a gruta inteira!... – costumava lamentar-se assim, em todos os bares do bairro, sempre que alguém tocava na lenda do tesouro da gruta paciente.

PAPAI Noel, regularmente, chegava a reunir meia dúzia de curiosos, alcoólatras como ele, pelos bares pacientes, e, resolutos, caminhavam até o sopé da Serra do Cantagalo, em manhãs ensolaradas de sábado ou domingo. As esposas, em casa, preparando o almoço do dia, suspiravam, olhos voltados aos céus, bem distantes das panelas de cabos surrados, pela ideia de que pudessem enricar, de uma hora proutra, do nada, com um décimo que fosse do enigmático tesouro...

OS anos foram se passado, Papai Noel envelhecendo, e nada do tesouro, ainda que, vez ou outra, o ritual da caça ao tesouro se repetisse a partir dos bares.

CERTA tarde, chegou a triste notícia: Papai Noel morrera atropelado, por volta do meio-dia, quando saía, solitariamente, da gruta misteriosa. Velório abarrotado de gente paciente, no cemitério de Santa Cruz. No dia seguinte, às dez da manhã, foi seu concorrido sepultamento. Não houve choro, nem lágrimas, mas a comoção era geral. Só se ouviam pássaros (pardais, cambaxirras, canários da terra e tizius), ao longe, cantando pelas árvores que circundam o campo santo santacruzense.

NO dia seguinte, Dona Carlota, a vizinha mais próxima, quando pegou a calça e o casaco surrado do bom velhinho, pesarosa, para entregar a alguma pessoa necessitada do bairro, percebeu pequenos objetos nos bolsos das vestes do pobre homem. Quase tombando para trás, ela retomou o seu prumo no beiral do velho tanque de roupas à sua frente. Colares dourados, prateados, ornados de pedras brilhantes. Aneis, pulseiras, gargantilhas e brincos, brilhantes, fulgurantes, quase lhe cegaram os olhos, de tanta beleza e esplendor. O BAIRRO inteiro soube da riqueza encontrada nos bolsos rotos de Papai Noel. Gente de todos os lados do bairro, e até de Cosmos, Santa Cruz, Guaratiba e Pedra, avançaram sobre a gruta paciente, ao pé da Serra do Cantagalo. Alguém trouxe dinamite, granadas, e, de longe, explosões simultâneas foram ouvidas, a quilômetros de distância... Nada se achou! A gruta foi dinamitada, destruída, e nada mais se vê hoje em dia do que um dia foi a fonte cristalina que nascia dentro dela. Só mato cobre hoje o local. Se Papai Noel encontrou o tesouro, onde teria guardado o restante das preciosidades? E onde andaria a tal canastra prateada? Enigma paciente, de décadas, que persiste até hoje nas manhãs do velho oeste carioca.

Isra Toledo Tov, escritor e memorialista.
Mata da Paciência, 31 de julho de 2015.

quarta-feira, outubro 17, 2018

A violência invade as escolas



Dia do professor, dia de todos nós. Nós, que, em sala de aula ou fora dela, queremos dar nossa contribuição para o vasto desafio que é valorizar a educação em nosso país.  Dia de homenagear colegas que, na Bahia ou no Rio de Janeiro, foram vítima desse mal maior, a violência em sala de aula. Anos atrás, tive um encontro com professores que davam aulas em áreas de risco. Balas perdidas, invasão de escolas por bandidos para esconder armas, presença policial que atemorizava os alunos, professores ameaçados por milicianos e traficantes, enfim, encontrei colegas banhando num caldo de violência, capaz de azedar qualquer vontade de ensinar ou de aprender.

Cabe perguntar se a violência na escola é um fenômeno novo. Quando ela era mais fechada, mais autoritária ou mais certa de seus próprios valores, a coisa era diferente? Não. Outrora reinava uma brutalidade sem limites. E isso, pois se acreditava que a infância era uma forma de selvageria em estado bruto, que era necessário corrigir. A visão pessimista da criança ensejava formas pedagógicas brutais. A palmatória era inseparável do professor que, não poucas vezes, convidava o bom aluno a castigar o mau, incentivando o sadismo entre os pequenos. Basta ler as memórias de Zélia Gattai, mulher de Jorge Amado ou de Pedro Nava, para constatar que não faltavam castigos físicos: da régua atirada com pontaria na testa do aluno à bolas de cera, presas com elástico, capazes de arrancar-lhes chumaços de cabelo, do castigo de pé, horas a olhar a parede ao de joelhos, sobre milho. Em resposta, os alunos não eram menos violentos. O bullying sempre existiu e a antiga piscina do colégio Pedro II, poderia contar as histórias de afogamentos de pequenos, por grandes, ou dos alunos mais gordinhos ou portadores de óculos, pelos atletas. O que aprendemos com essas histórias é que a punição jamais fez desaparecer a violência nas escolas.

Os anos 60 e 70 do século XX trouxeram uma lenta mutação na representação sobre a infância. Era o começo do fim da brutalidade do educador. E a criança, antes selvagem, passou a ser considerado um ser inocente. Se antes tinha que obedecer, doravante tinha que ser amada e ensinada a trilhar o caminho do saber e da razão. A escola e a sala de aula se pacificavam. Mas, tudo mudou. Hoje, vivemos um clima de insegurança sem precedentes e nos tornamos o quinto país mais violento do mundo. A violência não se exerce mais com a palmatória, mas com armas de fogo, drogas, insultos e ataques nas redes sociais. A violência desorganizou brutalmente um sistema coletivo e social – a escola – se traduzindo por uma perda de integridade que pode ser física, material ou psicológica – a de alunos e professores. A violência da rua invadiu a escola. E não há dúvidas que, quanto mais violento o bairro, maior a desigualdade de riscos para alunos e professores. É preciso urgentemente corrigir a desigualdade, para dar espaço à educação
Mas não são sós as áreas mais sensíveis que contém problemas. Nas escolas ditas de elite, amparados por pais irresponsáveis, muitos alunos fazem guerra verbal ao professor. Agressões verbais, injúrias, piadas de mau gosto se multiplicam, pois o salário “quem paga é o papai”! Ou o que dizer da mamãe que faz escândalo, pois seu filhinho não é o melhor da classe? Tal discurso por parte dos familiares, só demonstra uma profunda ruptura ideológica, uma crise de valores.

Por tudo isso, a sala de aula se desmoraliza lentamente. As turmas parecem ingovernáveis. Conscientes das tensões, os alunos recusam a autoridade do professor, acusado injustamente de abuso de poder. A sua identidade profissional é colocada na berlinda. Sua imagem se degrada. A missão que lhe é confiada, de ensinar, parece irrealizável. As normas de civilidade vão sendo abandonadas. Em revanche, acusa-se, justamente, a família do aluno que não lhe dá limites e que o empurra para a escola adestrar. Na ótica de pais que não colaboram com a escola, o filho só têm direitos. Nenhum dever. Esquecem tais pais que a escola é lugar de aprender. Pois, educação se adquire em casa. Estamos voltando a noção de que a criança é um selvagem?

Para acabar com a divisão entre “eles” e “nós, ou seja, alunos e professores, vítimas e algozes, bons e maus, vale lembrar as palavras de Pierre Bourdieu: a sociedade precisa responsabilizar-se pela educação. Na raiz da palavra “responsabilidade” está a palavra espondere, em latim: esposar. A sociedade precisar casar com a ideia de que a educação é fundamental. Casar e se fundir a ela. 

Precisa, portanto, se unir à escola e ao professor numa parceria construtiva, constante e amiga. Como em todo casamento é preciso respeitar, confiar, a por que não amar? Amar a escola. Afinal, é muitas vezes aí que se aprender a sonhar com um mundo melhor. E só a educação nos levará a ele.

Referência Bibliográfica:

PRIORE, Mary del. “Histórias da Gente Brasileira: Império” (vol.2), editora LeYa, 2016.

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

domingo, outubro 14, 2018

Ser criança nos tempos imperiais: obedecer e trabalhar


Jantar em casa brasileira, de Debret

No século XIX, com a implementação da indústria no Brasil, o trabalho de jovens, transformados em “proletários”, era apresentado como “ajuda econômica” que vinha reforçar o orçamento doméstico. A fábrica era vista por patrões e pais de família como uma escola, um lugar que podia formar o cidadão do futuro. Embora, nesta mesma época, uma lei proibisse o trabalho de adolescentes entre 25 e 16 anos, a legislação só se consolidou com as Leis do Trabalho, em 1943. Enquanto isto, milhares de rapazes e também de moças, ficaram sem espaço para viver os rituais da adolescência, pois a passaram entre teares e máquinas.

Saber ler e escrever não eram habilidades estimuladas para moças pobres, obrigando-as a realizar o trabalho doméstico e a sonhar com o casamento e a maternidade como única via de passagem para o mundo adulto. A infância nestes tempos fabricava crianças tristes, verdadeiras miniaturas de adultos na forma de vestir e se comportar. Eram os candidatos ao fraque e à calvície precoce, como dizia Gilberto Freyre, pioneiro em descrever a falta de brinquedos, de imaginação, de travessuras de crianças e jovens brasileiros.

Obedecer e trabalhar era o pão cotidiano da maioria das crianças e adolescentes no século XIX. Entre as crianças escravas, o trabalho não cessou até a Abolição. Lembra a historiadora Heloísa Maria Teixeira que, no período de transição para a mão de obra livre, muitos senhores aproveitaram a Lei do Ventre Livre de 28 de setembro de 1871, para fazer os filhos de escravas trabalhar até os 21 anos. Frente à conjuntura adversa ao trabalho escravo, as crianças poderiam representar uma boa alternativa. E muitas vezes, cometeram-se ações ilegais para garantir a mão-de-obra infantil como a compra de crianças isoladas, mesmo existindo uma legislação proibitiva a partir de 1869; a valorização dos serviços dos ingênuos; e até mesmo furto de crianças. Não se cumpriam as leis de 1869 e a Lei do Ventre Livre de 1871, “que proibiam a separação das crianças escravizadas − menores de 15 anos na primeira data e menores de 12 anos na segunda − de suas mães.

Em muitas ocasiões, especialmente após a abolição, a tutela representou um meio de assegurar a “posse” das crianças pobres – principalmente, as descendentes da escravidão – com a finalidade de servirem como trabalhadores aos tutores. Os tutelados eram crianças desamparadas, precisando de uma pessoa idônea que lhes fornecesse o bastante para a sobrevivência: casa, alimentação, vestimenta e aprendizado de um ofício para o qual tivessem inclinação. A falta de recursos financeiros fazia com que famílias de ex-cativos não encontrassem alternativas senão a transferência da tutela de seus filhos a quem tivesse condições de sustentá-los.

Ao focar a cidade de Mariana, entre 1850 e 1900, Teixeira conseguiu a descrição dos serviços para 147 crianças. A principal atividade descrita era a de roceiro, muitas vezes eram classificadas como ajudantes de lavoura. Outras funções adequadas a pouca idade dos escravos apareceram: pajem, pastor, candieiro ou guia de carros de bois, servente, copeiro. Crianças com menos de sete anos não foram descritas com atividades.

Por sua vez, a historiadora Kátia Mattoso estudando a questão na Bahia das últimas décadas da escravidão declara que:

“o período na vida da criança que vai dos três aos sete para oito anos é um período de iniciação aos comportamentos sociais no seu relacionamento com a sociedade dos senhores, mas também no seu relacionamento com a comunidade escrava. É, sem dúvida, nesta tenra idade que o seu senhor vai formar ideia sobre as capacidades e o caráter da criança. É nessa idade também, que a criança começará a perceber o que são os castigos corporais, que adentram pela vida adulta (…). Por volta dos sete para os oito anos, a criança não terá mais o direito de acompanhar sua mãe brincando; ela deverá prestar serviços regulares para fazer jus às despesas que ocasiona a seu senhor, ou até mesmo, à própria mãe, se esta trabalha de ganho e reside fora da casa de seu dono. (…) A idade de sua vida que vai dos sete aos doze anos, não é mais uma idade de infância, porque já sua força de trabalho é explorada ao máximo (…). Mesmo se seu rendimento é menor, ele é escravo à part entière, e não mais criança”.

Ao estudar os viajantes estrangeiros, Maria Lúcia de Barros Mott também percebeu os sete anos como o momento quando as crianças escravas passavam a trabalhar no serviço mais regular. “Deixavam para trás as últimas ‘regalias’ infantis, aqueles que viviam na casa do senhor passavam a desempenhar funções específicas para sua idade ou já eram treinados para funções que desempenhariam vida afora”. Já Renato Pinto Venâncio, ao focar a região metalúrgica-mantiqueira, no século XIX, aponta o interesse pela mão-de-obra infantil devido ao fato desta região produzir larga gama de produtos de artesanato em domicílios, cabendo aos pais cativos ensinar às crianças a fabricação artesanal.

No Nordeste, meninas como a futura escritora Amélia Beviláqua, “batiam bilros” em almofadas, ouviam estórias contadas por “beatas” ou “narrativas de mistérios de outras vidas”, e aprendiam a ler sob a férula da palmatória do professor particular. Já meninos da família Cavalcanti empinavam papagaios de papel: “tapiocas” tristonhas que não subiam tão alto quanto os “baldes” ou os “gamelos” dos moleques da rua. Ou pescavam nos viveiros dos Afogados ou de Jiquiá, camorins, carapebas e curimãs. Liam o “Dicionário Popular”, de Pinheiro Chagas e os romancistas franceses Eugene Sue e Alexandre Dumas.

Já o relato de férias de Pedrinho, filho do rico cafeicultor na região de Bananal, Pedro Luiz Pereira de Souza, revela as férias de jovens de elite: passeios a cavalo pela fazenda, refeições abundantes, muitos “bolos e biscoitos”, caminhadas ao luar, pic-nics, mesinhas de jogo, excursões pela serra da Cambira, no alto da Bocaína, prosas animadas e anedotas. O ponto alto era o Carnaval, onde os jovens se molhavam uns aos outros!

Referência Bibliográfica:

PRIORE, Mary del. “Histórias da Gente Brasileira: Império” (vol.2), editora LeYa, 2016.

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

sábado, outubro 13, 2018

Ernesto Carneiro Ribeiro



Ernesto Carneiro Ribeiro nasceu na Ilha de Itaparica, na Baía de Todos os Santos, onde aprendeu os primeiros fundamentos educacionais. Mudou-se para a Capital, onde estudou humanidades, preparatórias para a Faculdade de Medicina da Bahia, onde se diplomou em 1864, recebendo o título de Barão de Vila Nova devido a pesquisas na área da biomedicina.

Já como estudante dedica-se ao magistério, sobretudo no Ginásio Baiano, de Abílio César Borges, educador já consagrado.

Em 1874 fundou o Colégio da Bahia com financiamento do Império Brasileiro, que durou até 1883. No ano seguinte fundou um colégio com seu próprio nome.

Participou, quando proclamada a República como mentor devido a enganos na tal de proclamação segundo o historiador Mario Henrique Simonsen em seu livro Legitimação da Monarquia no Brasil em publicações da Universidade de Brasília, de comissão formada pelo governador Manuel Vitorino para elaborar um plano de ação educacional devido a situação caótica da República.

Casou-se com Maria Francisca Ribeiro, com quem teve vários filhos, alguns dos quais seguiram-lhe a carreira como professores, com destaque para Helvécio Carneiro Ribeiro e Ernesto Carneiro Ribeiro Filho. Foi pai também de Heráclito Carneiro Ribeiro e Maria Judith Carneiro Cesar Pires, avó da cantora e compositora baiana Sylvia Patricia.

No ano de 1902 Carneiro Ribeiro foi incumbido, por J. J. Seabra, de realizar a revisão do Projeto de Código Civil, apresentado por Clóvis Beviláqua que pela primeira vez iria vigorar no Brasil, então regido por antigas e esparsas leis das Ordenações filipinas. Para tanto, foi-lhe dado o prazo de apenas quatro dias, que cumpriu rapidamente.

Por razões políticas Ruy Barbosa engendrou ali uma importante polêmica, que serviu para revelar o profundo conhecimento filológico de Carneiro Ribeiro, refutando as críticas do ex-aluno (vide "A Redacção do Projecto do Codigo Civil e a Réplica do Dr. Ruy Barbosa pelo Dr. Ernesto Carneiro Ribeiro - lente jubilado do governador da Bahia, Bahia, 1905, 899 páginas).

O estudioso expôs e defendeu a normatização de peculiaridades do idioma português falado no Brasil. Sendo considerado neste estudo o pioneiro no país.

Sua principal obra, "Serões Gramaticais", publicada inicialmente em 1890 e reeditada em 1915, constitui-se num "verdadeiro monumento da língua portuguesa", no dizer de Antônio Loureiro de Souza, em "Bahianos Ilustres", Salvador, 1949.

Dentre os alunos formados sob os auspícios do intelectual baiano destacam-se Ruy Barbosa, Euclides da Cunha, Rodrigues Lima que ocuparam posições de destaque na vida política e intelectual, no período que compreende o fim do Império ao início da República.

Referências Bibliográficas:

Ernesto Carneiro Ribeiro, pag. 1449 - Grande Enciclopédia Universal - edição de 1980 - ed. Amazonas.
Arnaldo Niskier (2011). História da Educação Brasileira "de José de Anchieta aos dias de hoje. Europa. 268 páginas.
Antônio Loureiro de Souza (1979). "Baianos ilustres": 1567-1925. Difusão, 144 páginas.
Nelson Werneck Sodré (1999). História da Imprensa no Brasil. MAUAD, 294 páginas. 
Marli Quadros Leite (2006). Metalinguagem e Discurso (2º ed.). Humanitas, 76 páginas.

In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ernesto_Carneiro_Ribeiro.

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quarta-feira, outubro 10, 2018

A filha de Brás Cubas

Por André Luis Mansur


Um dos conquistadores da cidade do Rio de Janeiro que receberam terras em Guaratiba foi Manuel Veloso Espinha, que também lutara em 1575 contra os tamoios e franceses que se refugiaram em Cabo Frio. Nomeado Oficial da Câmara em 1584, antes disso, em 1579, ele recebeu, junto com a esposa, Jerônima Cubas, uma sesmaria em Guaratiba. Esta Jerônima era filha ilegítima de Brás Cubas, capitão-mor de São Vicente e um famoso personagem da História do Brasil, que entraria para a ficção pelas mãos de um homônimo seu criado por Machado de Assis em “Memórias póstumas de Brás Cubas”.

A sesmaria compreendia 52 km2, entre os rios Guandu e Guaratiba, além de uma ilha e todas as “águas entradas e saídas”, conforme está na carta de doação. Seus dois filhos, Jerônimo e Manuel, herdaram as terras e Jerônimo, já casado com Beatriz Álvares Gago, repassou em 1629 parte delas aos carmelitas. Em troca, eles teriam de pagar algumas dívidas acumuladas por eles, protegerem três enjeitados, rezarem missas pelos doadores e lhes darem sepultura na capela de Nossa Senhora do Desterro, erguida à beira da praia por Jerônimo e sua esposa e que ainda existe, embora tenha sido reconstruída e bastante alterada.


Após a doação de Jerônimo, os carmelitas ainda receberiam, em 1669, outra porção de terras, desta vez do governador do Rio de Janeiro, Pedro Mascarenhas. Estas terras reunidas formaram a Fazenda da Pedra, estabelecida em 1770 e cujo convento, que ficava atrás da capela de Nossa Senhora do Desterro, foi demolido em 1953 para ser construído o loteamento Vila Mar. O convento mantinha total controle sobre a administração da fazenda e sua produção. A Fazenda da Pedra tinha engenho de açúcar, criação de bois e cavalos, além de plantação de mandioca, milho e legumes e era bastante extensa, atingindo os limites de propriedades na área de Campo Grande (Magarça, Cachamorra, Inhoaíba) e da Fazenda de Santa Cruz. Já antes do século 20, boa parte dela já estava vendida, dando origem mais tarde a localidades como a de Santa Clara.

André Luis Mansur é escritor e jornalista.

domingo, outubro 07, 2018

Antiga Estação de Tratamento de Águas Santos Malheiros



Fica situada na confluência das estradas do Curtume com estrada dos Palmares. Estando localizada  dentro de uma área particular com mata fechada. Numa área que foi bastante alterada na sua forma original devido as constantes inundações que a baixada santa-cruzense estava sujeita.


Nessa região da Fazenda de Santa Cruz, entre 1616 e 1759, os padres jesuítas promoveram muitas  retificações, dragagens, canalizações, construções de valões, saneamento e construções de pontes. Entre elas a famosa Ponte dos Jesuítas. Até serem expulsos do Brasil devido a política do Marquês de Pombal.


A partir daí, pouco ou quase nada foi realizado nesse sentido nas fases real e imperial. Até que na fase republicana, foram criadas diversas comissões federais e estaduais para desenvolver projetos e executar obras de saneamento básico na baixada de Sepetiba. Mas foi somente no governo Getúlio Vargas em 1933, que foi criada a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, chefiada inicialmente pelo engenheiro Alfredo Conrado Niemeyer e posteriormente pelo também engenheiro Hildebrando de Souza Goes.


Entre 1935 e 1941, o DNOS, órgão executor das ações desta comissão, realizou importantes obras em praticamente todos os trechos fluviais da baixada de Santa Cruz, incluindo as bacias dos rios Guandu, da Guarda e vários outros rios da Zona Oeste. Alcançando também algumas bacias de Mangaratiba até a Restinga de Marambaia. Durante esse período foram concluídas obras de 270 quilômetros de canais, 620 quilômetros de valetas e erguidos 50 quilômetros de diques. Em termos ambientais, estas obras eliminaram ou reduziram drasticamente às várzeas alagadas e, consequentemente, as matas paludosas e a vegetação herbácea aluvial.

Apesar de antigos moradores afirmarem que essa caixa d água foi construída no tempo dos jesuítas. Isso não é verdade. Ela foi erguida no período das grandes obras do DNOS, com o nome de Estação de Tratamento de Águas Santos Malheiros. Sendo abandonada da sua finalidade, logo após a construção da Estação de Tratamento do Guandu em 1955.

Bibliografia utilizada:

"Baixada de Sepetiba", Hildebrando de Araújo Góes, Departamento de Obras e Saneamento, Imprensa Nacional, 1942.

"Freguesias do Rio Antigo", Francisco Agenor de Noronha Santos. Edições O Cruzeiro, IV Centenário da Cidade do Rio de Janeiro.

"Santa Cruz, Fazenda Jesuítica, Real e Imperial", Benedicto de Freitas. Volume I, Era Jesuítica 1567-1759. Asa Artes Gráficas, Rio de Janeiro/ 1985.

Acervo NOPH e Fotos de Drone de Arley Durão

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sábado, outubro 06, 2018

Palacete Horácio Lemos, um casarão misterioso em ruínas



Fica na Praça Marquês de Herval, 63 em Santa Cruz (RJ). Bem próximo da Universidade Estácio de Sá e da Faculdade Machado de Assis.

Foi residência do coronel da guarda nacional Horácio Lemos e sua família. Um rico e poderoso marchante de carne nos tempos mais promissores do Matadouro. Toda essa história está no livro História do Matadouro de Santa Cruz, de autoria de Benedicto de Freitas, na Poliantéia de Santa Cruz e nas edições antigas do jornais do NOPH.

Com a morte de Horácio Lemos, o casarão foi doado a uma irmandade de freiras de caridade, ligadas à Igreja Católica que ali instalaram um Dispensário. Que era uma espécie de colégio interno que abrigava meninas órfãs e pobres. Tendo sido a doação do prédio e do terreno registrada em cartório e ata. De modo que com o fim das atividades do Dispensário, o patrimônio teria que ser doado para uma outra instituição de caridade. Mas o fato é que acabou ficando por muitos anos, esquecido e abandonado.
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Até que o Colégio Santa Cruz, de propriedade do professor Almir, que funcionava na Rua Dona Januária, foi transferido para lá funcionando ali durante alguns anos. 

Separei aqui um interessante relato do Antigo Santa Cruz (Site que pesquisa a história do bairro) que fala sobre o palacete:

"Antes de tudo, vou ignorar de contar o que acontece hoje na casa, fiz algumas descobertas, é triste, mas vou colocar isso de lado. Foi muito difícil encontrar algo sobre o lugar.

Construido para ser a sede das CARMELITAS DESCALÇAS SERVAS DOS POBRES DO BRASIL, o Palácio Horácio Lemos acabou se tornando um abrigo de crianças.

A congregação das Irmãs Carmelitas Descalças Servas dos Pobres do Brasil, foi fundada em 16 de julho de 1946, por Madre Maria Teresa do Espírito Santo (* 1917 - + 1989) e pelo Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara, Arcebispo do RJ.

Irmã Teresa trabalhava e se dedicava ao Serviço Social no Abrigo Horácio Lemos, em Santa Cruz, bairro do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, que era administrado pela prefeitura e estava em estado de abandono devido a péssima situação financeira.

Em 1° de abril de 1946, a Irmã Teresa deixa sua casa e estabelece-se em Santa Cruz, morando no Instituto Horácio Lemos. Irmã Teresa rezava, trabalhava e, sobretudo confiava na providencia divina. Sacrifícios e provações era o que não lhe faltavam.

Durante muito tempo o prédio sempre foi bem tratado e zelado. Mas com o passar dos tempos, o orfanato fechou, sendo que o tempo as vezes, nós ajuda ou castiga, nesse caso o antigo casarão acabou sendo castigado. Abandonado, começou a sofrer com quedas das telhas, reboco e etc."


Segundo o historiador Benedicto de Freitas "... Era um dos sócios o coronel Horácio José de Lemos, figura conhecida em Santa Cruz, onde habitava o lindo solar da Praça Marquês de Herval, majestoso edifício hoje conhecido por "Palacete Horácio Lemos" e servindo de sede ao asilo que recebeu seu nome, em retribuição ao valioso legado feito em vida por sua virtuosa esposa."

Segundo o Sr. Rubens Cardoso, morador antigo de Santa Cruz "... Na frente do lado direito do casarão havia uma porta giratória que servia para entregar alimentos doados como também deixar crianças abandonadas."

Se existem dois lugares que as pessoas perguntam e pedem muito para saber é "Falar sobre o Quartel" e "Querer saber sobre o famoso casarão da Praça Marquês de Herval"

Bibliografia utilizada:

Freitas, Benedicto. "O Matadouro de Santa Cruz - Cem anos a serviço de uma comunidade". Rio de Janeiro, Folha Carioca Editora Ltda. 1977. Capítulo X, páginas 92 e 93. Disponível na sede do NOPH para consulta.

Relato do Antigo Santa Cruz originariamente postado em 15/08/2017

Pesquisa de fotos: Acervo NOPH

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terça-feira, outubro 02, 2018

De Marechal a Campo Grande

Por André Luis Mansur Baptista


Rio - Foi na década de 1980, mais precisamente em 1984, que vim a conhecer o bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Morava em Marechal Hermes, no subúrbio, e meus tios, que também eram de Marechal, tinham se mudado para Campo Grande no ano anterior com os quatro filhos. Meu tio João trabalhava na Ótica Popular, que ficava na rua Augusto Vasconcelos, ao lado do Cine Palácio, com quase 2 mil lugares, considerado o maior, ou um dos maiores, cinemas do Rio de Janeiro. Tanto a ótica quanto o cinema não mais existem, pois o prédio foi adquirido, no início dos anos 90, por uma igreja evangélica, que no entanto não pode fazer mudanças estruturais no imóvel, tombado pelo município.

Naquela primeira vinda ao bairro andei por ruas completamente diferentes do que são hoje, 34 anos depois, em que temos engarrafamentos constantes, tal o incremento populacional e da rede de comércio e serviços que Campo Grande adquiriu nessas três décadas e meia. Na localidade de Santa Rita, onde fica a casa dos meus tios, que tem esse nome devido à igreja de mesmo nome, todas as ruas, incluindo a deles, a Alto Parnaíba, eram, como se dizia, "de barro", sem a urbanização que só viria em 1991, na gestão do prefeito Marcelo Alencar.

De frente para a casa fica a cadeia de montanhas da Pedra Branca, com a serra do Rio da Prata em destaque. Campo Grande, naquela época, ainda respirava muitos traços da vida rural, com vários agricultores passando com enxada na mão, carroças por todos os lados, bois e cavalos, o que contrastava com Marechal Hermes, um bairro que já nasceu urbanizado, em 1913.

Outra diferença marcante é que nem todos os rádios pegavam e os canais de TV só eram sintonizados em UHF.

Campo Grande passou a ser, então, uma espécie de "casa de campo", onde, mal chegava, já era convocado para as peladas na rua, para as festas juninas que praticamente desapareceram, as festas na Igreja de Santa Rita e os shows de rock no Estádio Ítalo del Cima.

Pude constatar, também, as diferenças entre dois bairros que, embora distantes apenas de 30 a 40 minutos de trem, tinham, e ainda têm, características bem diversas. Um exemplo é a relação com o Centro do Rio, que em Marechal Hermes é bem mais próxima. Várias vezes vi gente falando "vou ali no Centro e volto no início da tarde", frase impossível de ser dita em Campo Grande, já que a ida ao Centro, para os moradores deste bairro, é uma autêntica viagem, com todos os cálculos logísticos possíveis. Aliás, tanto em Marechal como em Campo Grande, não se diz "vou ao Centro" e sim "vou à cidade". Até hoje é assim.

Quando me mudei para o bairro, em 1990, resolvi seguir o caminho dos pioneiros, que atravessavam a Estrada Real de Santa Cruz, ligando a Quinta da Boa Vista à sede da antiga Fazenda de Santa Cruz e cujo traçado ainda existe, com pequenas alterações. A diferença é que não peguei a diligência que o príncipe-regente D. João e seu séquito utilizavam para chegar a Santa Cruz, nem os carros de boi dos jesuítas, mas sim uma brava Monark Monareta sem marchas que chegou inteira ao meu novo bairro, apenas um pouco empoeirada.

André Luis Mansur Baptista é jornalista e escritor
Originalmente postado na página do Jornal O Dia

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego