Trechos do livro Dez Anos no Brasil do aventureiro alemão Carl Friedrich Gustav Seidler que, chegando ao Brasil em 1826 com o intuíto de fazer fortuna rápida, viu seus sonhos desfeitos e, de volta à terra natal dez anos depois, escreveu um livro com uma visão nada lisonjeira de nosso país.
A primeira impressão que colhemos da vida humana no Rio de Janeiro foi altamente desagradável e revoltante; destruiu todos os sonhos idílicos que como chuva de maná se derramaram sobre nosso coração ainda enjoado do mar. Passou por nós grande embarcação que levava dezoito negros, quais escravos de galés, dura e estreitamente acorrentados uns aos outros; a pouca distância seguia-se-lhe outra e logo após terceira. É essa a tão gabada emancipação dos escravos, a liberdade brasileira, pensei eu comigo, e desviei meus olhos do espetáculo. Verdade é que depois eu soube que aqueles negros assim comprimidos eram criminosos e condenados, que por aquela forma deviam prelibar na terra o gosto do inferno; não obstante não perdi a primeira impressão. [...]
A província do Rio de Janeiro é das menores das dezenove que ainda constituem o fulgurante firmamento do Império do Brasil, depois que com a paz de outubro de 1828 a Cisplatina foi cedida a Buenos Aires [Erro do autor. Em 27 de agosto, a Província Cisplatina tornou-se independente, constituindo o Uruguai].
Contudo, é seguramente a mais rica e mais povoada, pois de acordo com os últimos dados meio oficiais só a capital, Rio de Janeiro, conta 230.000 habitantes. Esta província é a mais linda pedra preciosa da coroa imperial do Novo Mundo, realmente nova, mas sumamente antiquada. Em quase toda parte onde se arrastou a floresta virgem está plantada de café e geralmente o café tem o predomínio entre todos os artigos de exportação do Brasil. Infelizmente as bagas de café tornaram-se na Europa verdadeiros diamantes. Além dele, a exportação consiste em algum algodão, em açúcar, ipecacuanha e algum pau de tinturaria. Mas o câmbio de dinheiro e o tráfico branco de negros são as principais fontes financiais do estado. [...]
Não em vão a cidade imperial da terra colombiana tomou Paris por modelo; tem ela algo de grandioso, voluptuoso e agradável, que lembra o velho dito: “Quem estiver de pé, cuide-se, não vá cair!”
A situação do Rio de Janeiro já foi, se não descrita, pelo menos pintada. Para esgotar minhas comparações ainda acrescentarei – e esta ideia é de época muito ulterior de minha vida – que o Rio de Janeiro, com seus socalcos em forma de terraços é uma gigantesca Gênova [...]
As ruas do Rio são na maior parte compridas, tortas e estreitas, as casas quase todas baixas, sujas e edificadas em estilo vulgar, sem levar em conta questões de gosto e de comodidade da vida social, à feição da vontade no momento e da urgência. Dessas muitas ruas que se arrastam e se cruzam, sobe morro, desce morro, há duas, quando muito, que se podem denominar com algum epitheton ornans: a Rua Direita [atual Primeiro de Março] e a Rua dos Ciganos [atual Rua da Constituição]. Em ambas se deparam vários edifícios mais magnificentes que belos.
Poder-se-ia juntar-lhe a Rua do Ouvidor, pois esta recebe encanto singularmente mágico para o forasteiro sem amigos e sem alegria pelas inúmeras casas de modas quando à noite brilhantemente iluminada. Lá dentro, atrás das ramalhantes cortinas das janelas e dos perfumados reposteiros de folhas e de flores de uma natureza transatlântica, estão assentadas as diligentes costureirinhas, e seus olhos muitas vezes brilham mais que a claridade das lâmpadas e dos falsos diamantes e pérolas, que com uma garridice tão ingenuamente artística sabem entremear em seus cabelos.
As casas do Rio são, como disse, em geral baixas, pequenas, sujas, sem gosto e incômodas; só nas mais ricas se veem tapetes e muitas vezes o rés-do-chão não é assoalhado. Em toda parte reina arranjo barroco do material, da distribuição e dos ornamentos arquitetônicos – quando tais existem. Na verdade, às vezes se nota uma espécie de luxo, mesmo ostentação, mas nunca elegância, simetria ou conforto no interior. O quarto das crianças fica junto ao salão de visitas, o dormitório ao pé da cozinha, o boudoir junto do quarto dos criados, a estrebaria com seu estrume ao lado do belo portal, o escritório ao pé da latrina, tudo à francesa. [...]
[...] não é nada extraordinário que os negros encarregados de transportar das casas para a praia toda sorte de lixo, por sua vez se revelem demasiado comodistas para levarem o vaso transbordante em longa caminhada até o mar, e na primeira esquina despejam toda a porcaria e se vão embora.
A este flagelo da cidade junta-se a velha praga faraônica da terra, os imortais ratos. Esses bichos medram excelentemente no Brasil e se multiplicam todos os anos medonhamente. Tornaram-se uma espécie de alta caça sagrada, apenas perseguida algumas vezes pelos monges nos seus jardins murados. Miríades de mosquitos e de bichos de pé, estes metendo-se debaixo das unhas dos pés pondo seus e aí pondo seus ovos, centenas de centopeias e escorpiões, aumentam com suas picadas venenosas a impressão total capaz de levar ao desespero, quiçá à loucura, o estrangeiro no Rio de Janeiro [...]
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Texto de Ivo Korytowski
https://literaturaeriodejaneiro.blogspot.com/?m=1
Texto e imagens postados aqui pelo Saiba História.