segunda-feira, março 03, 2025

'Ainda Estou Aqui' ganha Oscar de Melhor Filme Internacional: a trajetória da produção que leva primeiro prêmio para o Brasil

Walter Salles e Fernanda Torres compareceram à cerimônia do Oscar

O filme Ainda Estou Aqui, do diretor Walter Salles, venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional de 2025, segundo decidiu a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas neste domingo (2/3), que deu a estatueta à produção brasileira (leia aqui todos os vencedores).

"Esse filme vai para uma mulher que, após uma perda enorme por um regime autoritário, decidiu não se render: Eunice Paiva", discursou Salles, que dedicou o prêmio às duas atrizes que encarnam a viúva na produção: Fernanda Torres e a mãe dela, Fernanda Montenegro.

É a primeira vez que uma obra do Brasil ganha o prêmio, dado nesta categoria aos longa-metragens produzidos fora dos Estados Unidos e com diálogos predominantemente em uma língua diferente do inglês.

Em 1960, o filme Orfeu Negro venceu na categoria de Melhor Filme Internacional (então "filme estrangeiro"). Mas, apesar de ter sido filmado no Brasil, falado em português e com atores brasileiros, a produção garantiu um Oscar à França, país do diretor Marcel Camus.

O país também tinha chegado perto da estatueta nessa categoria com O Pagador de Promessas (1963), O quatrilho (1996), O que é isso companheiro? (1998) e Central do Brasil (1999), todos indicados.

Cidade de Deus (2004) também concorreu ao prêmio e a outras quatro categorias: Melhor Direção, Melhor Edição, Melhor Fotografia e Melhor Roteiro Adaptado, mas não levou nenhum.

Portanto, a conquista de Ainda Estou Aqui é histórica.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comemorou o prêmio em suas redes sociais: "Hoje é o dia de sentir ainda mais orgulho de ser brasileiro. Orgulho do nosso cinema, dos nossos artistas e, principalmente, orgulho da nossa democracia."

"(...) É o reconhecimento do trabalho de Walter Salles e toda equipe, de Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, Selton Mello, do Marcelo Rubens Paiva e família e todos os envolvidos nessa extraordinária obra que mostrou ao Brasil e ao mundo a importância da luta contra o autoritarismo", continuou.

O longa brasileiro foi a primeira produção do país a ser indicada ao Oscar de Melhor Filme, que inclui as produções americanas. Mas o grande vencedor da noite foi o filme Anora.

Além disso, Fernanda Torres concorreu como melhor atriz por seu papel em Ainda Estou Aqui, mas perdeu a estatueta para Mikey Madison, que levou por Anora.

O Oscar de Melhor Filme Internacional coroa uma trajetória internacional bem sucedida do longa de Walter Salles, que recebeu elogios na crítica especializada internacional e, só nos EUA, chegou a ser exibido em mais de 700 salas.

Antes do Oscar, o longa também recebeu uma série de prêmios: Globo de Ouro, Goya, Festival de Veneza e Festival Internacional de Roterdã.

Para o diretor Walter Salles, a produção mobilizou tanta gente por ser uma história sobre resistência — em um contexto de fragilidade da democracia em todo o mundo.

Ainda Estou Aqui é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva e traz como protagonista Eunice Paiva (Fernanda Torres), mulher que precisou lidar com o sequestro e o assassinato de seu marido — o ex-deputado Rubens Paiva — na ditadura militar (1964-1985).

O casal tinha cinco filhos — um deles, Marcelo.

O filme traz a incansável busca de Eunice por justiça por seu marido e sua família, o que a transformou em um símbolo de resistência contra a ditadura militar. Ao mesmo tempo, mostra como ela manteve firme a sua família.

"Eunice Paiva não se deixou vitimizar, enfrentou um regime autoritário acreditando nas instituições, arquitetou formas de resistência únicas. Sorriu quando lhe pediram para chorar. Escolheu a vida", disse Walter Salles em entrevista à BBC News Brasil, antes do Oscar acontecer.

Outra filha do casal, Eliana Paiva disse em entrevista à BBC News Brasil que é importante que as pessoas não percam a dimensão de que o filme também tem o objetivo de jogar luz sobre o período da ditadura militar, marcado por perseguição a militantes de esquerda, prática de tortura e desaparecimentos forçados como o do seu pai.

"A gente festeja um Oscar e está achando tudo muito bom em termos de denúncia, mas antes de qualquer coisa, é a denúncia de um assassinato brutal dentro de um quartel de Exército no Brasil. Do que a gente está tratando é de um assassinato", disse Eliane Paiva.

Filme brasileiro 'Ainda Estou Aqui'

Impulsionado pela crítica

Desde que filme brasileiro começou a ganhar tração internacionalmente com suas participações em festivais, críticos do mundo inteiro começaram a escrever sobre ele — na maior parte, de maneira elogiosa.

A produção atingiu 97% de aprovação dos críticos no Rotten Tomatoes, uma plataforma que agrega avaliações da imprensa especializada. O índice alto foi atingido com a média de 156 críticas em sites de cinema em todo o mundo.

O longa, por exemplo, entrou na lista dos melhores filmes de 2024 da BBC.

Para Caryn James, crítica de cinema da BBC, Ainda Estou Aqui era muito mais que "um azarão [na corrida do Oscar]".

"Por trás dessas [três] indicações [do filme ao Oscar] está uma mistura alquímica do pessoal, do político e do artístico. Poucos filmes retrataram os efeitos devastadores da política sobre os indivíduos de uma forma tão íntima, visceral ou oportuna, chegando em um momento em que a ascensão do autoritarismo se tornou uma preocupação global", diz James.

O jornal britânico The Times descreveu Ainda Estou Aqui como "um dos maiores filmes sobre maternidade", comparando-o a clássicos como Mildred Pierce e Room (Quarto, em português).

A crítica destaca a autenticidade do filme brasileiro e a transformação de Eunice, interpretada por Torres, cuja busca incansável por justiça e fechamento ao longo de quatro décadas impulsiona a narrativa.

Para Walter Salles, na entrevista à BBC News Brasil, "não é um filme que está sendo reconhecido, e sim toda a cinematografia brasileira."

"Esse filme, mais do que qualquer outro que dirigi, foi feito para oferecer um reflexo do Brasil em um momento complexo de sua história, para o público brasileiro. Esse é o propósito do filme. Depois vêm os prêmios que o filme pode vir a receber, ou não", disse o cineasta.

A crítica de cinema brasileira Isabela Boscov disse que Ainda Estou Aqui representa um novo fôlego para a indústria nacional de cinema.

Um papel semelhante ao que Central do Brasil — também dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Montenegro — desempenhou quando foi lançado, em 1998.

"Naquele momento, a retomada do cinema brasileiro era algo recente", disse Boscov.

"Walter Salles fez um filme sobre o terror político e social do período Collor, que foi Terra Estrangeira. Depois, Central do Brasil surgiu como uma possibilidade de um novo pacto social, de uma retomada da ética e da valorização do cinema", prossegue.

"Estamos passando por algo parecido agora, depois de um período em que a cultura foi muito massacrada no país."

Mas, claro, nem todos se encantaram tanto com o filme.

Peter Bradshaw, crítico britânico do The Guardian, escreveu que "o filme – na sua lealdade ao autocontrole da própria Eunice – ignora o horror e a raiva que certamente também devem estar presentes em algum lugar desta história.

"Os créditos finais, nos contando brevemente em que data Rubens foi assassinado, e também a data em que quatro agentes de segurança foram finalmente acusados, mas não condenados, são, retroativamente, desconcertantes. Há um mundo de drama e indignação nessas breves informações, mas isso nunca chega realmente ao filme", escreve Bradshaw.

Na opinião do jornalista e cinéfilo Saymon Nascimento, "críticas não existem para que você concorde com elas, mas para abrir horizontes".

Para ele, Ainda Estou Aqui restringe seu olhar sobre a ditadura militar à esfera familiar e ao luto de Eunice Paiva.

"O filme tem algum tipo de resistência a ser político de fato", argumenta.

Na Folha de S. Paulo, o crítico Inácio Araújo fez comentários semelhantes.

"Toda vez que o cinema de Walter Salles deriva para um tema ou personagem direta ou indiretamente político, sua delicadeza tende a levar esse tema para uma esfera curiosamente apolítica".

Eunice Paiva, personagem interpretada por Fernanda Torres, lutou para que a morte de seu marido fosse reconhecida pelo Estado brasileiro

Impacto sobre o debate da Lei da Anistia

Em meio às discussões sobre o filme e a época que ele retrata, o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a analisar ações que questionam a Lei de Anistia, que perdoou crimes cometidos na Ditadura Militar (1964-1985).

Após anos sem julgar o tema, a Corte decidiu em fevereiro dar repercussão geral a recursos que tentam destravar processos criminais contra acusados de matar opositores do regime, entre eles o deputado Rubens Paiva

Quando um caso recebe repercussão geral significa que a decisão do STF valerá para todos os processos semelhantes em andamento no país. A Corte, no entanto, ainda vai julgar o mérito desses recursos — ou seja, decidir se a Lei da Anistia deve ou não ser revista. E não há previsão de data para isso por enquanto.

Para juristas especialistas em Lei da Anistia ouvidos pela BBC News Brasil, a retomada do tema no STF foi impulsionada pelo filme.

"Com certeza. Estava tudo parado há anos", ressaltou à BBC News Brasil Sérgio Suiama, do Grupo de Trabalho Justiça de Transição do Ministério Público Federal (MPF).

Ele é um dos autores da denúncia criminal apresentada em 2014 contra cinco ex-integrantes do sistema de repressão da ditadura militar acusados de assassinato e ocultação do cadáver de Rubens Paiva. Depois disso, porém, três já morreram.

A denúncia foi aceita pela Justiça em primeira instância, e o Tribunal Regional da 2ª Região confirmou a abertura do processo. Entretanto, uma decisão do STF parou o andamento do caso ainda em 2014, por entender que violava a Lei da Anistia.

Depois disso, porém, o Brasil foi condenado duas vezes na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entendeu que a Lei da Anistia impede a investigação e a responsabilização de graves crimes contra a humanidade, sendo incompatível com a Convenção Americana sobre o tema.

As condenações internacionais deram fôlego a novos recursos no STF, mas a Corte passou a evitar a a questão. A demora é tal que três dos cinco militares acusados pelo crime de Rubens Paiva já morreram.

Já os defensores da Lei da Anistia, adotada em 1979, dizem que ela foi necessária para "pacificar" o país e abrir espaço para o fim do regime militar, que só acabou em 1985.

Eunice Paiva pede para os filhos sorrirem

Em paralelo, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, reabriu o caso em abril de 2024.

O objetivo é investigar e produzir mais evidências que comprovem o que aconteceu com Rubens Paiva.

Além do caso de Paiva, estão em análise tentativas de processar acusados pelas mortes de Mário Alves de Souza Vieira, dirigente do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), e de Helber José Gomes Goulart, militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN).

Rubens Paiva foi eleito deputado federal pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1962. Com a instalação do regime militar, em 10 de abril de 1964, seu mandato foi cassado, levando-o ao exílio na antiga Iugoslávia.

Após retornar ao Brasil em novembro do mesmo ano, Paiva estabeleceu-se com a família em São Paulo e, posteriormente, no Rio de Janeiro, em uma residência na Avenida Delfim Moreira, no bairro do Leblon, que é retratada no filme.

Paiva foi preso em 1971 e dado como desaparecido. Sua morte, confirmada só 40 anos mais tarde, segue até hoje sem que os culpados tenham sido responsabilizados.

Fonte de Consulta:

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1w009x22ndo

https://www.bbc.com/portuguese

domingo, fevereiro 23, 2025

Trilho pioneiro na Vila Militar pode reescrever a história da herança africana

Escavações na antiga Fazenda Sapopemba, na Vila Militar, zona oeste do Rio de Janeiro, revelam vestígios de um sistema de transporte pré-ferroviário e trazem à tona a rica influência da cultura africana na formação histórica do Rio de Janeiro.

Durante a execução de uma obra de infraestrutura para o 2º Regimento de Cavalaria do Exército, realizada na Vila Militar, zona oeste do Rio de Janeiro, engenheiros e técnicos encontraram vestígios arqueológicos surpreendentes que podem elucidar aspectos daquilo que sabemos dos transportes e da sociedade local, regional e a nível nacional.

Durante as obras, foram identificadas duas camadas estratigráficas contendo restos de trilhos: uma associada à antiga Fazenda Sapopemba, localizada onde hoje se situam os bairros Vila Militar, Deodoro e Marechal Hermes, e outra proveniente de um engenho anterior. Em arqueologia e geologia, essas camadas ajudam a entender a sequência cronológica dos eventos; ao estudá-las, os pesquisadores conseguem identificar diferentes períodos de ocupação, alterações ambientais e atividades humanas no local.

Por esse motivo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) foi acionado ao local, devido ao interesse arqueológico e histórico, para realizar investigações mais aprofundadas dos achados e avançar nas pesquisas.

Reescrevendo a História

Sobre a descoberta, o escritor e jornalista André Luis Mansur Baptista, autor de 18 livros e especialista em história do Rio de Janeiro, revelou que os achados na região podem ajudar a reescrever uma parte da história da implantação das ferrovias no Brasil. “Algumas grandes fazendas do Rio de Janeiro tinham ramais internos, que ligavam as propriedades a linha férrea, como em Bangu, Realengo e Santa Cruz, mas essa é a primeira vez que são encontrados vestígios arqueológicos que podem indicar uma construção pré ferroviária, o que seria um achado de grande importância e valor histórico, que muda a história das ferrovias no Rio de Janeiro e no Brasil”, diz.

Em seu livro O Velho Oeste Carioca - Volume III (Ed. Ibis Libris, 2016), Mansur aborda a Fazenda Sapopemba e os caminhos férreos que circundavam a região. Segundo o autor, não existiam até agora evidências arqueológicas de linhas férreas instaladas antes da inauguração da primeira ferrovia do Rio de Janeiro – e, por extensão, do Brasil – em 1858, quando foi inaugurada a estação de trem Sapopemba, integrante da Estrada de Ferro D. Pedro II.

No entanto, os achados arqueológicos encontrados na Vila Militar indicam a existência de um sistema de transporte rudimentar, datado entre os séculos XVIII e XIX e que podem, de fato, ser anteriores ao marco pioneiro da ferrovia brasileira, evidenciando uma trajetória histórica mais complexa dos sistemas de transporte na região. “Nem as grandes fazendas antigas têm registros de ramais internos como esses que foram encontrados. Ai cabe uma linha extensa de pesquisa e investigação para saber quem construiu esses trilhos e toda a história por trás dessa construção, que ainda não foi contada”, diz Mansur.

Deste modo, é possível também inferir que os materiais produzidos naquela região eram transportados em vagões sobre trilhos que utilizavam como força motriz o trabalho de pessoas escravizadas, oriundas da África, para escoar as mercadorias produzidas dentro e para fora da propriedade.

Um Marco Histórico e Cultural

A Fazenda Sapopemba é considerada uma das mais antigas do Brasil e da América Latina, fundada em 1612 por Gaspar da Costa. O engenho desempenhou papel fundamental na economia açucareira, produzindo não apenas açúcar, mas também rapadura e aguardente. Ao longo dos séculos, a fazenda passou por diversas mãos — de D. Ana Maria de Jesus, passando pelo Barão de Mauá, até chegar ao Conde Sebastião de Pinho —, marcando um importante legado na história da região.

Nessas terras, que mais tarde formariam a base para a Vila Militar, concentraram-se trabalhadores africanos cujos conhecimentos, cultura e costumes deixaram marcas profundas na formação cultural local. Durante as escavações, vestígios que atestam essa presença — desde artefatos do cotidiano até elementos simbólicos — podem emergir, contribuindo para a compreensão da rica e complexa de como era a interação dos povos que ali conviveram, europeus, africanos e até mesmo indígenas que podem ter interagido entre si naquela região em diversos contextos.

Sapopemba recebeu seu nome dos indígenas tupis que habitavam a região e tiveram o primeiro contato com os colonizadores europeus no século XVII, conforme apontam estudos históricos, registros do IPHAN e arquivos municipais. Além disso, um antigo caminho indígena, conhecido como Ita-tagoa-hy (também denominado Itagoahy) – posteriormente transformado na Estrada Real de Santa Cruz – hoje corresponde às avenidas Marechal Fontenelle e Intendente Magalhães, que cortam bairros como Sulacap, Vila Valqueire e parte da Vila Militar. Essa via, assim como o nome Sapopemba e o percurso original, simboliza a integração dos vestígios culturais indígenas na formação e na identidade daquela região.

O Achado dos Trilhos Pré-Ferroviários

Durante as escavações, foram encontrados vestígios de trilhos em duas camadas distintas:

Camada mais recente: Associada à Fazenda Sapopemba, que, em 1858, teve sua estação de trem inaugurada — uma das primeiras da Estrada de Ferro D. Pedro II — e possuía um ramal particular de cerca de 1,5 km.

Camada mais antiga: Proveniente de um engenho que antecedeu o sistema ferroviário oficial, sugerindo que já se experimentava, de maneira rudimentar, o uso de trilhos para o transporte de produtos agrícolas e insumos.

Embora os detalhes técnicos — como a dimensão exata da viga "I" e a bitola dos trilhos — ainda necessitem de prospecções adicionais, a descoberta é significativa. Ela evidencia que, muito antes da consolidação das ferrovias no país, a região já experimentava formas alternativas de mobilidade, adaptadas às necessidades logísticas da época.



Legado Africano e Desafios da Preservação

A importância do achado não se resume apenas ao aspecto tecnológico do transporte, pois permite uma nova perspectiva sobre o legado cultural da presença africana na região. Vestígios dos trabalhadores e das tradições dos mesmos podem oferecer informações inéditas sobre os rituais, práticas e o cotidiano daqueles que, apesar das adversidades e do sofrimento a que foram submetidos, contribuíram em muito para a construção da economia e cultura locais.

Embora a presença africana tenha sido fundamental na formação cultural do Rio de Janeiro, é crucial reconhecer que a chegada desses povos não ocorreu de maneira espontânea ou voluntária. A cidade foi um dos maiores portos de entrada de africanos escravizados no mundo, especialmente ao longo do século XIX. Estudos indicam que, entre 1500 e 1856, aproximadamente dois milhões de crianças, mulheres e homens foram trazidos à força da África Central e Ocidental para o Rio de Janeiro. As principais etnias incluíam os bantos, originários das regiões que correspondem atualmente a Angola, Congo e Moçambique, e os sudaneses, que abrangiam grupos como os iorubás (nagôs) da Nigéria e os jejes do Benim.

Apesar da temática da escravidão trazer à tona sofrimento ancestral, sangue e lágrimas, pior ainda seria apagar a memória e as histórias daqueles que, mesmo em meio a tudo isso, resistiram e foram cruciais para a formação da sociedade, cultura e identidade brasileiras. Por isso, a legislação brasileira busca meios de preservar esse patrimônio, dar voz aos que foram oprimidos, contar suas histórias e conciliar o desenvolvimento urbano com a proteção da memória, que carrega significados múltiplos: da experimentação dos primeiros sistemas de transporte à herança cultural que permanece viva através da influência africana.

Créditos da Pesquisa:

https://cartaodevisita.r7.com/conteudo/54742/trilho-pioneiro-na-vila-militar-pode-reescrever-a-historia-da-heranca-africana

domingo, fevereiro 09, 2025

A Invasão Holandesa do Rio de Janeiro pelo Corsário Olivier van Noort em 1599

Ilustração da obra "Description du Penible Voyage Faict entour de l'Univers ou Globe Terrestre" , de Olivier Van Noort , publicada por Cornelis Claes em 1602.

O mapa de Van Noort, gravado pelo mestre gravador holandês Baptista Van Deutecum, é uma das primeiras representações do Rio de Janeiro. A imagem mostra os 3 navios de Van Noort invadindo o porto, com as fortificações portuguesas, cidade e tropas ao longo da costa e em barcos a remo.

O primeiro ataque dos holandeses contra o litoral do Brasil se deu no fim do século XVI. Em fevereiro de 1599. Registra-o o Barão do Rio Branco em suas "Efemérides Brasileiras": "O navio holandês "Eendnacht", da pequena esquadra comandada por Olivier van Noort, o primeiro neerlandês a circum-navegar a terra, aproxima-se da barra do Rio de Janeiro, para proteger um desembarque de 70 homens perto do Pão de Açúcar.

Chegados a terra, repelidos por uma emboscada e voltaram em desordem para as suas embarcações com a perda de alguns prisioneiros e feridos. O Forte de Nossa Senhora da Guia, depois Santa Cruz, único que havia na barra. abriu então um violento fogo sóbre as lanchas e o "Eendracht". obrigando-os a voltar para ,a linha da esquadra holandesa, fundeada desde o dia 5 de fevereiro diante da barra. No dia seguinte, Noort velejou para a Ilha de São Sebastião. Francisco de Mendonça de Vasconcelos era a esse tempo o Governador do Rio de janeiro".

Como, e para que veio ter essa esquadra holandesa às águas do sul do Brasil? Saberemos tudo a seu respeito consultando a narrativa traduzida em francés por de Bry. Era uma frota corsária, armada pelos principais mercadores dos Paises-Baixos auxiliado pelo Governo, destinada a prejudicar o comércio e as colônias espanholas, tendo como objetivo último alcançar através do Oceano Pacifico as especiarias das índias. Compunha-se de duas naus de guerra, ou galeões. e de dois iates, com uma tripulação total de 248 homens.

Deixando o pósto de Amsterdão a 2 de julho de 1597, rumo ao Estreito de 'Magalhães, a pequena armada holandesa iniciou uma viagem infeliz. Depois de tocar na Goreia, chegou à Ilha do Principe, onde tentou um desembarque com 120 homens. Os portuguêses desbarataram essa força, Por esse motivo tentaram o desembarque na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, junto ao Pão de Açúcar, onde sofreram a emboscada dos portugueses. Diz a narrativa que ali perderam 11 homens.

Olivier van Noort chega da Guiné ao Rio de Janeiro com sua nau capitânia Mauritius de 24 canhões e 250 toneladas, o Hendrik Fred-erick de 28 canhões e 300 toneladas comandado por Jacob Claeszoon van Ilpendam, além dos iates de 50 toneladas Hoop comandados por Jacob Janszoon Huyde-coper e Eendracht sob Pieter Esaiszoon de Lint.

Os holandeses desejam comprar novas provisões, mas os residentes portugueses, vassalos do rei espanhol , oferecem apenas assistência simbólica.

Van Noort, portanto, ordena um grupo invadir a praia vermelha, que é emboscado, sete homens sendo mortos e vários capturados. O objetivo desta expedição é contornar o Estreito de Magalhães, negociando ou lutando ao longo da costa sul-americana antes de continuar em direção aos postos comerciais holandeses no Extremo Oriente.

Após ter saqueado as Filipinas, visitou Java e Bornéu (Índias Orientais Holandesas) e, contornando o Cabo da Boa Esperança.

Sentindo que a temporada está muito avançada para tal tentativa, van Noort foge do Eendracht e parte para o inverno em Santa Helena ou na ilha de Ascensão. Não conseguindo descobrir nenhum dos dois, ele aportou em uma baía perto de Puerto Deseado e Cape Virgenes, no sul da Argentina, com sua tripulação sobrevivendo de pinguins e peixes.

Retornou a Roterdã, a 26 de agosto de 1601, com a sua última embarcação, tripulada por apenas 45 sobreviventes.

No mesmo ano, seu diário de viagem foi publicado: Descrição da viagem ao redor do mundo, concluído por Olivier van Noort.

De 1620 a 1626, ele foi comandante da guarnição em Schoonhoven. Ele morreu em 1627 e foi enterrado na Grote ou Bartholomeuskerk em Schoonhoven.

Fonte: Segredos e Revelações da História do Brasil. Gustavo Barroso.

Pesquisa de brasilis_regnum