domingo, maio 24, 2020

Anna Gonzaga e a Fazenda Inhoaíba


Instituto Metodista Ana Gonzaga - provavelmente anos 70 - Foto de Susana Huguenin - IMAG.  

O bairro de Inhoaíba, localizado entre Campo Grande e Cosmos, na zona oeste do Rio de Janeiro tem sua história ligada a uma pessoa: Anna Gonzaga. Filha mais nova do casal Luis Antônio Gonzaga Suzano e Anna Joaquina de Soledade Gonzaga, donos da Fazenda Inhoaíba. Ela nasceu em 22 de novembro de 1861, mas em outra fazenda da família, a do Lameirão Pequeno, em Campo Grande (hoje nome de uma estrada). Criada nessa fazenda, entre muitos passeios a cavalo com o pai, Anna Gonzaga só sairia daquele paraíso de muito verde quando o pai a matriculou em um colégio interno no bairro de São Francisco Xavier, na zona norte da cidade, para que ela tivesse uma educação exemplar.

Anna Gonzaga, no entanto, teve uma vida de muitas perdas familiares. Aos 18 meses, perdeu a mãe e, logo depois, o irmão José. Em 1901, seu pai também faleceu e, pouco tempo depois, seu outro irmão, Luiz, e a filha pequena dele, Luiza. Sozinha, já que nem casou nem teria filhos, Anna Gonzaga manteve as fazendas de Inhoaíba e do Lameirão Pequeno do jeito que os pais queriam. Até mesmo quando o irmão e a sobrinha morreram, ela doou para a viúva, mesmo sem ter feito ainda o inventário do pai, uma boa parte da Fazenda Inhoaíba, mas depois a comprou, apenas para manter a fazenda com sua área integral. Mudou-se para uma casa simples numa vila do bairro da Tijuca e passou a se interessar pela Religião Metodista, frequentando a Igreja Metodista de Vila Isabel.

Em 1927, o reverendo Osório de Castro Caire apresentou a Anna Gonzaga à missionária norte-americana Layona Glen, que já estava no Brasil havia um bom tempo com a intenção de criar um orfanato, mas não conseguia apoio. O reverendo a aconselhou que não pedisse nada, apenas mostrasse o projeto a Anna Gonzaga. E foi o que ela fez, não sem antes se impressionar com a simplicidade em que vivia a rica fazendeira, numa casa modesta, mas organizada com muito bom gosto. Layona foi mostrando à Anna Gonzaga fotos e registros dos orfanatos mantidos pela Igreja Metodista nos Estados Unidos, despertando interesse na fazendeira, que fazia muitas perguntas.

Passado um tempo, quando a missionária acreditou que conseguiria algum apoio, travou-se o seguinte diálogo, segundo está escrito no livro que Layona escreveu em homenagem à fazendeira:

“A senhora conhece minha fazenda em Inhoaíba?” A visitante respondeu que conhecia apenas de vista.– “Pois bem” – continuou ela – “não acha que seria um bom lugar para um orfanato?”

– “Sem dúvida, Dona Anna, seria muito apropriada mas não podemos nem sonhar com uma fazenda tão vasta e de preço tão elevado”.

– “Não estou falando de preço” – insistiu Dona Anna – estou me referindo à localização”.

– “Na verdade, Dona Anna, o lugar seria ideal mas nós nem de leve podemos considerar tal coisa, por estar muito além de nossas possibilidades”.

– “Pois está muito bem” – continuou Anna com naturalidade – “Está muito bem! Vou doar a fazenda de Inhoaíba para o Orfanato”.

(Dona Anna da Conceição Gonzaga – um tributo de homenagem de sua amiga, de Layona Glenn)

A escritura de doação foi assinada em 13 de dezembro de 1930. A própria Anna Gonzaga cuidou da imensa burocracia e pagou todos os impostos. Além do orfanato, foi construída também uma Casa de Oração, que mais tarde seria transformada em igreja.

O orfanato foi inaugurado em 1.º de maio de 1932, mas a responsável para que todo aquele trabalho fosse realizado não pôde presenciar sua inauguração. Na noite de 14 de março, Anna Gonzaga estava sozinha em casa, como sempre, e levou um tombo, quebrando uma das pernas. Não conseguindo se levantar, começou a gritar e a bater com o sapato no chão, até que uma vizinha ouviu e foi ajudá-la. Não havia telefone por perto e só com muito esforço conseguiram avisar o Posto de Assistência, que só chegou às 3 horas da madrugada. Não havia médico de plantão e Anna Gonzaga ficou aguardando atendimento por muitas horas. Só de manhã, quando alguém foi a Inhoaíba e deram a notícia, providências foram tomadas para que ela fosse internada no Hospital Evangélico, onde faleceu depois de 15 dias, no dia 1º de abril, principalmente pelo longo tempo que ficou sem atendimento. Anna Gonzaga foi sepultada no Cemitério de São Francisco Xavier, no Caju, no jazigo de seu pai.

Sob o argumento de que ela não gostaria que adiassem a inauguração do orfanato, a data foi mantida e, mesmo com muita tristeza, ele foi inaugurado no dia 1º de maio. Em homenagem a ela, o orfanato recebeu o seu nome.

Anna Gonzaga já havia doado uma faixa de terra para a construção da estação de trem local, com a condição de que tivesse o mesmo nome de sua fazenda, e também doaria a Fazenda do Lameirão Pequeno para a Igreja Metodista, que está lá até hoje. Em Inhoaíba, tanto o orfanato quanto a igreja fizeram de seu nome a referência local até hoje, incluindo várias atividades ligadas à cultura e à ecologia no bairro. Seu nome também está no Centro Municipal de Saúde de Inhoaíba.

Anna Gonzaga não gostava de tirar fotos, dizia que o orfanato seria o seu retrato. E, sem dúvida, seu desejo foi mais do que atendido.

Instituto Metodista Ana Gonzaga - provavelmente anos 70 - Foto de Susana Huguenin - IMAG.  

Por André Luis Mansur
Escritor e Jornalista.

Originariamente postado no noseducacao.net.br/blog

18 comentários:

Walter Escobar disse...

Parabéns pela postagem excelente!

Adinalzir disse...

Volte sempre, Walter Escobar!

Unknown disse...

Nos da saudade e tristesa conheci o orfanato desde criança. Hoje ñ exite mais. Como o Bennett. Bons tempos aquele. 01 de maio. Todas as igrejas iam pra lá. Futebol. Brincadeiras. A devocional no término. Saudades.

Unknown disse...

Eu quero adotar um bebê,onde vou?

Unknown disse...

Saudades,IMAG!!!!!

Anderson Lisboa disse...

Muita saudade dos tempos que meu pai me levava todo dia 1° de maio. Muitas brincadeiras e principalmente o futebol de salão. Que pena que o instituto acabou.

Unknown disse...

Boa tarde! O instituto aceita estagiários em serviço social.
Desde de já agradeço.
Att, Elizabete Clemente

Marcio Medeiros disse...

Nossa, que estória linda a dela.

Reginaldo de Souza disse...

Tive o prazer de conhecer a Patrulha Aérea Cívil que a 32 anos tem sua sede neste lugar. Fazem um trabalho de excelência em prol as vidas humanas. Fazendo jus ao legado deixado por Anna Gonzaga.

Anônimo disse...

Bom dia.
Me chamo Maria Cristina.
Gostaria de fazer uma visita ao orfanato, e saber se haveria a possibilidade de fazer uma doação de cestas básicas?

Anônimo disse...

Sim, sou o PTR Coronel HAMILTON, Cmt. Operacional Nacional. Estamos desenvolvendo um trabalho padrão, onde a sociedade não ficará desinformada, pois nossas ações são reconhecidas pelo trabalho de Ações Humanitárias.

Anônimo disse...

Parabéns Coronel. Com certeza não vamos esmerar esforços através da Patrulha Aérea Civil para dar continuidade a este grande legado que nos deixou essa pessoa de coração bondoso, que já faz parte da história de Inhoaiba, saudosa Anna Gonzaga.

Unknown disse...

Parabéns Coronel. Com certeza não vamos esmerar esforços através da Patrulha Aérea Civil para dar continuidade a este grande legado que nos deixou essa pessoa de coração bondoso, que já faz parte da história de Inhoaíba, saudosa Anna Gonzaga. PTR Major Osiel da Matta.

Anônimo disse...

Oi sou adriano fiquei internado nesse orfanato com 5 anos de idade até os 15 anos entre 1980 até 1990 minha vida foi nesse lugar ao perder meus pais num acidente... foi minha casa, muitas crianças... obrigado por saber a verdadeira história desse lugar. Gratidão

Anônimo disse...

Que bom que a área vai s er reativada

Anônimo disse...

Que linda à história!! Não conhecia 👏👏

Marcio Medeiros disse...

Que absurdo com a memória histórica do instituto. Venderam o terreno e vão fazer um parque temático. Podiam pelo menos dar ao lugar o nome da Dona Ana Gonzaga, como homenagem. Espero que pelo menos façam bastante atividades recreativas para as crianças, pois esse era o maior legado deixado por ela.

Marcio Medeiros disse...
Este comentário foi removido pelo autor.