terça-feira, novembro 03, 2020

João Calvino e a França Antártica


A primeira tentativa de implantação do protestantismo no Brasil se deu quando o Almirante Villegagnon, em 1557, mandou cartas a João Calvino, em Genebra para que enviassem profissionais e religiosos para a nova colônia francesa no Rio de Janeiro. Calvino, por meio da Igreja Reformada de Genebra, respondeu afirmativamente, enviando um grupo de calvinistas franceses (conhecidos como huguenotes) sob a liderança dos pastores Pierre Richier e Guillaume Chartier. Villegaignon encaminha uma outra carta, então, agradecendo o pronto atendimento: "acredito que não seja possível exprimir com palavras quanto me alegram suas cartas e os irmãos que com elas vieram"

A expedição, com a presença dos huguenotes, chegou à Baía de Guanabara em 7 de março de 1557. Três dias depois, em 10 de março, foi realizado o primeiro culto protestante nas Américas, oficiado pelo Rev. Pierre Richier. No domingo, 21 de março, houve a primeira celebração da Ceia do Senhor sob o rito calvinista.

Villegagnon foi colega de João Calvino na Universidade de Paris e obteve o grau de Direito em 1530, sendo notório seu talento jurídico. O erro de Calvino foi sua total confiança em seu amigo que lhe auxiliaria na fundação de um novo bastião da sua Igreja no Novo Mundo; Apesar das boas relações existentes entre os franceses e os indígenas, na carta a Calvino, Villegagnon não mostra simpatia pelos selvagens e os descreve:

"como homens selvagens sem nenhuma cortesia e humanidade, diferentes em tudo dos europeus, sem religião, sem nenhuma noção de virtude ou honestidade, do bem e do mal e que ele se perguntava se não tinham caído entre bichos que tinham uma figura humana."

Com a chegada dos calvinistas era de se esperar que a colônia ganhasse um ambiente mais harmônico, mas não foi isto que ocorreu e logo a discórdia se espalhou pela colônia. Os calvinistas logo de início estranharam a vida em condições tão simples e o fato de terem de trabalhar duramente e tiveram vontade de voltar à França. Villegagnon ficou na defensiva em relação ao Sr. de Du Pont que parecia ter vindo com o propósito de relatar ao amigo Coligny a situação da França Antártica. Léry em seu livro descreve que as relações com Villegagnon desde a chegada não foram muito amistosas e que as condições de vida na colônia eram muito precárias.

Jean Cointa, que era uma pessoa inteligente e culta era também dúbio, inconstante e tudo indica que foi um elemento perturbador da harmonia da colônia. Envolveu-se nas fatais questões teológicas ali suscitadas, ora inclinando-se à ortodoxia, ora abalado em suas crenças pela argumentação dos emissários de Calvino: Richier e Chartier. Foi ele talvez o maior causador das graves perturbações que comprometeram a sorte da colônia.

Cointa incitou Villegagnon a abrir a perigosa polêmica da discussão religiosa, abjurou a religião católica fazendo-se protestante. Argumentador convincente, não tardou a discutir questões de doutrina com os calvinistas. Revelava-se católico entre os protestantes e protestante entre os católicos. Estabeleceu total desacordo entre o Vice-rei e os genebrinos e exerceu influência no espírito irrequieto de Villegagnon. Por fim abandonou o Forte, retirando-se para o continente para viver com os selvagens, não ficando claro se por sua própria vontade ou por ser expulso da Ilha.

Por ocasião da Páscoa ocorreu um primeiro enfrentamento entre os católicos e os calvinistas, devido à oração proferida por Villegagnon que segundo Léry deixou entender que ele havia aderido ao calvinismo. A partir de então, em diversas situações não ficaram claras as tendências de Villegagnon, até que na Ceia de Pentecostes, ainda segundo Léry, Villegagnon declarou ter mudado de opinião em relação a Calvino: "declarando-o um herege transviado da fé," e a partir daí as relações com os protestantes se deterioraram completamente, devido à inconstância religiosa de Villegagnon e a desumanidade com que tratava sua gente, até que os calvinistas resolveram deixar a Guanabara. Para os calvinistas a atitude de Villegagnon era decorrência do fato de ter recebido cartas do Cardeal de Lorena censurando-o por ter mudado de religião. O sonho de Calvino no Brasil acaba com a expulsão dos calvinistas do Forte Coligny em 1558, que retornaram à França , embarcados num velho navio normando. Hoje a ceia calvinista de 1557 é celebrada em um monumento erguido pela Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro. 

Fonte: FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil / Sementes do Calvinismo no Brasil Colonial: uma releitura da história do Cristianismo brasileiro. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

Texto e imagens originalmente postadas em A Terra de Santa Cruz

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

7 comentários:

Gilda dos Santos Aquino disse...

Excelente postagem! Parabéns!

Adinalzir disse...

Prezada Gilda dos Santos Aquino
Fico muito feliz que tenha gostado.
Volte sempre a este blog!

Gabriel Braz disse...

Excelente como sempre, Adinalzir!!

Adinalzir disse...

Muito obrigado Gabriel Braz
Que bom que você gostou!
Fico muito honrado pela visita.

Carlos Figueiredo (Cadu) disse...

Muito boa a abordagem sobre Calvino e Villegagnon. Não conhecia esse lado de trazer o protestantismo a partir de João Calvino no Brasil. Excelente!

Adinalzir disse...

Prezado Carlos Figueiredo (Cadu)
Muito bom saber que você gostou da postagem.
Minha gratidão pela visita!

Carlos Lima disse...

Interessante ver no mapa que está nessa postagem na região do Maranhão ter escrito "Maraouen", seria esse o derivado do nome do estado???