quinta-feira, outubro 29, 2020

Thomas Ender, um pintor austríaco em Itaguaí e seus arredores



 1. Thomas Ender, retrato feito pelo pintor austríaco Johann Darnhauser, em 1834;

Em princípios do século XIX, Itaguaí fazia parte do Caminho entre o Rio de Janeiro e São Paulo, segundo reconstituição esboçada pelo historiador e cartógrafo Eduardo Canabrava Barreiros, para demonstrar o percurso feito pelo então Príncipe Regente Dom Pedro, antes e depois da proclamação da Independência do Brasil.

Naquela época os viajantes que saiam do Rio de Janeiro, passavam pela Fazenda Real de Santa Cruz, seguindo para Itaguaí, São João Marcos, Rio Claro, Bananal, Areias, Itagaçaba, Cachoeira, Lorena, Guaratingueta, Aparecida, Pindamonhagaba, Taubaté, São José dos Campos, Jacareí, Escada, Mogi das Cruzes, São Miguel, Penha, até alcançar São Paulo, de onde havia uma vertente por terra que fazia ligação com a cidade de Santos.

2. Cientistas da missão austríaca e a tropa atravessando a floresta da serra do Mar, aquarela de autoria de Thomas Ender, provavelmente feita logo após a passagem por Itaguaí, em dezembro de 1817;

Foi exatamente o percurso feito pelo pintor austríaco Thomas Ender, em dezembro de 1817.


3. Detalhe da aquarela descrita acima;


4. Detalhe do rancho de Itaguaí, onde os cientistas ficaram hospedados, mostrando uma canastra, poncho e chapéu de paulista;

Assim, pouco mais de seis meses antes de Itaguaí ter sido elevada à categoria de Vila, pelo recém aclamado Rei Dom João VI, a cidade recebia como hóspedes alguns dos integrantes da missão científica austríaca que acompanhava a princesa Leopoldina em sua viagem ao Brasil.


5. Bom Retiro, próximo a S. João Marcos;

Da comitiva, por interferência do rei da Baviera Maximiliano José I, também fizeram parte dois naturalistas bávaros’, Carl Friedrich Phillip Martius e Johann Baptist Spix, ambos médicos por formação, mas que tinham abraçado a história natural, com especialidade nos campos da zoologia e da botânica, respectivamente.

6. Fazenda de Hilário Nogueira, que era uma das maiores da Província (Estado do Rio) posteriormente foi submersa pela represa de Lajes;

Dá para imaginar o fascínio que a região de Itaguaí, São João Marcos, Rio Claro e arredores, com toda a sua biodiversidade, de fauna e flora, serras altaneiras, rios e riachos então límpidos e caudalosos, cascatas, cachoeiras e demais quedas d’água em sua mais esplendorosa magnificência, não deve ter causado aos viajantes europeus. Não apenas eles, também aqueles que passaram por Itaguaí antes e depois, como o francês Auguste de Saint’Hilaire, a inglesa Maria Graham, o belga Benjamin Mary e tantos outros.

7. Passagem do rio Piraí, em região próxima à chegada à Nossa Senhora da Piedade do Rio Claro;

Tudo isso, e mais a diversidade étnica, os costumes dos povos encontrados, as habitações bastante diferentes das residências europeias, a indumentária, os utensílios e equipamentos, a alimentação dos tropeiros e tudo mais que aguçava a curiosidade dos artistas e cientistas, que chegavam sofregamente ansiosos para coletar, registrar em suas pinturas e fazer anotações que seriam enviadas para os museus, universidades e academias do chamado Velho Mundo.

8. O rio Piraí com a ponte interrompida por uma enchente obrigando os naturalistas e cargas a passarem por vau;

Felizmente muito desse acervo foi preservado, e hoje podemos conhecer um pouco mais sobre Itaguaí do século XIX, graças ao legado deixado por tais viajantes.

Thomas Ender tinha apenas 25 anos quando conheceu Itaguaí, mas já era muito respeitado como pintor, aquarelista, desenhista e gravador, tanto que, já em 1824 é nomeado membro da Academia de Belas Artes de Viena.

9. Itaguaí vista do grande engenho de açúcar a 20 milhas do Rio, alcançado no dia 12 de dezembro de 1817. “Taguaí uma grande fábrica de açúcar, cujos arredores ostentam grande variedade de vegetação. Uma pequena igreja na colina domina o vale”, assim descreveram Spix e Martius (v. 1. P.117);

Em Itaguaí, o que chama preliminarmente a atenção do pintor austríaco é o grande engenho de açúcar, tanto que vai produzir um desenho com lápis aquarelado, destacando também na parte superior do desenho, a igreja de São Francisco Xavier de Itaguaí, construída no século XVIII sob orientação dos padres jesuítas.

10. Aquarela com panorama feito próximo a Itaguaí a 15 milhas do Rio de Janeiro, olhando para o oeste;

Cinco anos depois da passagem de Thomas Ender por Itaguaí, em agosto de 1823, também a professora e pintora inglesa Maria Graham, vai fazer um desenho do Engenho do Facão, ou Engenho de Nossa Senhora da Conceição, que era o nome oficial do mesmo, segundo escreveu o historiador Benedito Freitas.

Panoramas e paisagens, fazem parte da temática desenvolvida por Thomas Ender, fazendo justiça à sua formação pela Academia de Belas Artes de Viena, onde recebeu vários prêmios, inclusive o Grande Prêmio de Pintura, no ano em que viajou para o Brasil, 1817, na categoria paisagem, cujo quadro premiado foi adquirido pelo príncipe Metternich.

11. Mapa com o esboço do itinerário percorrido por Thomas Ender, do Rio de Janeiro a São Paulo, passando obrigatoriamente por Itaguaí;

Também em Itaguaí e seus arredores, Thomas Ender vai pintar algumas paisagens, conforme consta do livro “O Brasil de Thomas Ender 1817”, organizado por Gilberto Ferraz, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Um dos trabalhos mais elogiados do pintor austríaco recebeu o título em alemão de “Die Österreichischen Kammer Hern auf der Reise nach St. Paul”. Uma aquarela medindo 401 X 525 cm, que foi traduzido como “Estupendo instantâneo dos cientistas da missão austríaca e a tropa atravessando a floresta da serra do Mar, a caminho de São Paulo.”

Certamente, o registro mostra alguns dos personagens que passaram por Itaguaí, como os citados cientistas bávaros Spix e Martius, além do próprio Thomas Ender.

12. Detalhe do mapa mostrando o trecho entre o Rio de Janeiro e Areias, com passagem pela então Vila de São Francisco Xavier de Itaguaí;

Antes de chegar em São João Marcos, Thomas Ender fez um desenho em lápis aquarelado mostrando em detalhe um rancho localizado em Itaguaí, destacando uma canastra, poncho e chapéu de paulista.

Aliás, como anotei no início do texto, a indumentária diferente de tudo o que o europeu conhecia, servia como modelo para a produção de diversas aquarelas e desenhos, provavelmente para demonstrar na academia, as características dos costumes dos brasileiros.

Em São João Marcos, Piraí e Bananal, o pintor austríaco vai persistir na mesma temática, produzindo uma série de aquarelas e desenhos com vistas panorâmicas, detalhes de ranchos e de aldeias e paisagens, de um modo geral.

13. Spix e Martius acompanhado de um tropeiro, no caminho em direção à Itaguaí.

Thomas Ender prossegue na sua viagem em companhia de Spix e Martius até São Paulo, convindo lembrar que mesmo não tendo, como o pintor francês Jean-Baptiste Debret, organizado nenhum álbum ou publicado qualquer livro, o austríaco deixou bem mais do que 700 desenhos e aquarelas, em sua permanência de apenas dez meses no Brasil, tendo passado também pela Fazenda da Mandioca e Serra da Estrela e, é claro, a Cidade do Rio de Janeiro, onde dá destaque à sociedade escravista da época, retratando também as igrejas, edifícios públicos e seus arrabaldes.

Ender morreu com 82 anos, em 1875, sendo sepultado em Viena, na Áustria, onde nascera e, para quem observa com detalhe as suas paisagens de Itaguaí e arredores, pode notar a cuidadosa preocupação dele com as perspectivas e planos e observação cuidadosa da vegetação, conforme consta da biografia e análise publicadas na Enciclopédia Cultural Itaú.

Por Sinvaldo do Nascimento Souza, professor

Imagens anexas (todas reproduzidas do livro “O Brasil de Thomas Ender 1817”, organizado pelo historiador e iconógrafo Gilberto Ferres, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, edição de 1976, da Fundação João Moreira Salles):

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

6 comentários:

Poubel de Figueiredo Soares disse...

Que maravilha de postagem! Tudo que eu queria saber sobre Thomas Ender. Parabéns!

Carlos Eduardo de Souza disse...

Belo resgate desse município que parece uma extensão da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Muita história! Parabéns.

Adinalzir disse...

Prezado Poubel de Figueiredo Soares
Fico feliz que tenha gostado da postagem.
Volte mais vezes a este blog!

Adinalzir disse...

Prezado Carlos Eduardo de Souza
Realmente a história de Itaguaí complementa a história da nossa cidade.
Você disse tudo! Muito grato pela visita!

Luis Carlos Reis disse...

Excelente resgate histórico. Parabéns.

Sônia Camacho disse...

Parabéns ! 2022 Bicentenário da Independência sendo comemorado com o percurso feito pela comitiva Imperial e regiatrado nas Aquarelas de Thomaz Ender