Poucas pessoas sabem que no bairro de Campo Grande, Rio de Janeiro, existe uma comunidade remanescente de quilombola.
Localizada no Rio da Prata de Campo Grande, a Comunidade Remanescente de Quilombola Dona Bilina do Rio da Prata teve a sua existência reconhecida em 2017, pela Fundação Palmares.
D. Rita, Diretora Executiva da associação de agricultores Agroprata, e cuja família permanece na região há cerca de trezentos anos, nos conta que o início do processo de reconhecimento como comunidade remanescente quilombola se deu a partir das décadas de 60/70 quando foi instituído como Parque da Pedra Branca os morros da Bela Vista e caboclos. Como área de proteção ambiental esta região não mais poderia ser habitada a não ser por populações reconhecidas como “tradicionais”, ou seja, população descendente de negros escravizados e índios, que tradicionalmente habitavam e continuavam a habitar a região.
Iniciou-se então uma busca em resgate às origens histórico, genealógica e cultural na região.
Na época da colonização o vale, que começava no Rio da Prata, terminava no Cabuçu e era habitado pelos índios Picinguabas, foi doado pela Coroa a Barcelos Domingos, (por volta dos anos 1600). Ocupada por escravos e europeus, o que justifica a presença de uma população “embranquecida” e de olhos claros, ainda hoje cultiva-se roças e o transporte de mercadorias é feito em lombo de burro morro acima, reafirmando entre outros hábitos e características, os traços de miscigenação da população local.
Conta-se entre as famílias mais antigas que habitam a localidade uma história comum que perpassa gerações: a de um escravo negro que teria raptado uma índia e com ela formado família. Outro fato entre essa população é a dedicação à agricultura familiar perpetuada há várias gerações.
Existem algumas comunidades cujos moradores nunca foram ao centro do Rio de janeiro, não vão ao centro de campo grande sozinhos e residem em casas de pau a pique. O acesso a algumas dessas comunidades se dá através de trilhas em meio a floresta, (com até três horas de distância, partindo do largo do Rio da Prata) onde se relata ser possível avistar rastros de felinos de grande porte, cobras e aves pouco conhecidas e onde ainda se usam palavras de um dialeto ancestral próprio só encontrado na localidade.
Ainda é possível também visitar as ruínas da Escola de pedra do Senhor João das Furnas, onde somente homens estudavam e que anteriormente foi senzala, e a Pedra dos Índios que, segundo os antigos moradores, foi moradia de índios pois possui buracos redondos que parecem ter sido feitos por algum instrumento rudimentar; e o Jequitibá que sobreviveu aos ciclos do café, do carvão e da laranja, com seus quinze metros de circunferência que parecem denotar 1500 anos de existência. Muito da preservação da floresta local se deve a essa população que resiste às tentativas de especulação imobiliária ainda hoje.
Dona Bilina, a moradora cujo nome foi dado à comunidade, foi parteira e rezadeira na Serra do Rio da Prata e viveu até início da década de 70. Era chamada de ‘VÓ” por muitos e em sua homenagem a comunidade local solicitou a certificação como Quilombo Dona Bilina do Rio da Prata de Campo Grande – Maciço da Pedra Branca, Rio de Janeiro. A certificação foi feita através da portaria nº 88 de treze de fevereiro de dois mil e dezessete, publicada no D.O da União de quatorze de fevereiro de 2017, reconhecendo e ajudando a preservar viva a memória de um “povo da floresta e da roça” que há mais de trezentos anos luta por sua história e direitos.
Texto de Simone A. R Fonseca – Assistente Social/ CAP 5.2/SMS
Fonte: Entrevista com Sra. Rita de Cassia Carreiro M. Caseiro
Discurso lido na Câmara de Vereadores do Município do Rio de Janeiro em 15.02.2017.
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5 comentários:
Impressionante saber como que, numa metrópole como é o Rio ainda existem populações remanescentes de quilombos e preservando estilos de vida de seus antepassados.
A unidade de conservação da natureza foi boa, porém jamais poderia se sobrepor aos interesses de uma comunidade tradicional cuja existência é de inestimável valor histórico e cultural, sendo indiscutível a ligação de seus membros com o lugar.
Prezado Rodrigo Phanardzis
Fico sempre muito honrado com sua visita e comentários muito valiosos a este blog!
Gratidão sempre!
Quanto aprendizado! Há como visitar essa comunidade? Sou professora de Educação Infantil da prefeitura do RJ e estou organizando um projeto com o tema: Território- pertencimento, culturas e movimentos!
Fui nascida e criada nesse maravilhoso bairro Rio da prata Campo Grande e meus pais me contavam muito essas histórias! Conheci a pedra do índio a escola que era senzala o jequitiba...
Que interessante!Quantas histórias lindas com conteúdos riquíssimos .Estudei no Rio da Prata e nunca soube da existência de Quilombolas,agora vendo o programa da Rede Globo sobre Quilombos no RJ pude chegar até o Quilombo Dona Bilina.Fantastico.Precisa ser mais divulgado pois tudo isso faz parte da nossa história.Gostaria de conhecê lo ao vivo, Será possível?
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