domingo, julho 08, 2018

Se um dia a Fábrica Bangu fechar, eu prefiro morrer antes



A frase acima foi dita pelo Dr Silveirinha.

Bangu viveu uma espécie de monarquia de 1923 até 1991. Tudo começou quando o Dr Manoel Guilherme da Silveira Filho assumiu a Companhia Progresso Industrial do Brasil, cujo nome fantasia era Fábrica Bangu em 1923.

Desde então Bangu nunca mais seria o mesmo. Com a brilhante administração do Sr Manoel, Bangu entrou na rota do crescimento e desenvolvimento.

A Fábrica foi fundada em 1889 e caiu nas mãos da família Silveira em 1923, quando o pai de Dr Silveirinha assumiu a gestão da companhia.

Embora uma excelente administração do pai de Dr Silveirinha, foi só nas mãos de Dr Silveirinha que a Fábrica começou a se engajar nas questões sociais e trabalhistas de forma significativa.

Somente em 1931, Guilherme da Silveira Filho (Dr Silveirinha.) começou a trabalhar na Fábrica, e em 1940, ele chegou ao cargo de diretor superintendente da companhia.

Na gestão de Dr Silveirinha a Fábrica chegou a ter mais de seis mil funcionários, foram construídos mais de mil casas, obras de infraestrutura no bairro, creches, escolas, escolas técnicas, ambulatório de medicina e cirurgia, a sede aquática do Bangu, além do estádio do Bangu e a quadra da Unidos de Bangu. Dr Silveirinha criou creche para os filhos dos funcionários antes mesmo de existir a lei, e foi penalizado pelo sindicato patronal, por colocar o salário dos funcionários acima do teto permitido por lei. Remédios eram distribuídos de forma gratuita para todos os funcionários.

Dr Silveirinha apoiava financeiramente, e de outras formas todas as instituições da região, como Casino Bangu, Mocidade Independente, Unidos de Padre Miguel, igrejas, o Clube do Trabalhador, etc, etc, etc. Ele ajudava com doações de material de construção, tecidos da Fábrica, transporte com ônibus gratuito. Isso só para citar algumas coisas.

Discursava defendendo os trabalhadores, como a aposentadoria integral. Era tido como uma referência neste sentido, na luta a favor do proletariado. Era destaque nos meios de comunicações por levantar essa bandeira, já na década de 40, os discursos iam contra ele mesmo, visto que ele era parte interessada, sendo o padrão de mais de seis mil operários.

Curioso que o discurso e as atitudes de Dr Silveirinha pareciam de político em período eleitoral, só que ele agia assim o ano todo, e não era político. Este negócio que político faz em período eleitoral, de parar em qualquer lugar e conversar, entrar na casa do pobre tomar café e bater um papo, andar a pé ou de bicicleta. Existem vários relatos de pessoas que paravam ele na rua, contavam sua dificuldade e ele tirava dinheiro do bolso na hora e dava.

Várias pessoas que são adultas hoje me relataram que às vezes quando ele via alguma criança na rua brincando ou andando, ele dava alguns trocados, isso era muito corriqueiro, de vez em quando se formava fila em frente a Fábrica, era Dr Silveirinha distribuindo trocados às crianças filhos dos funcionários, e até para adultos. Tudo isso era parte de sua rotina.

Não é à toa que achei jornais antigos, onde o Sr. Aristóteles Montenegro fundador da Unidos de Bangu, o chamava de São Silveirinha. Para onde você se virar até hoje existe algo construído por Dr Silveirinha em Bangu.

Fico pensando o que fazia ele a pensar assim, visto que já nasceu herdeiro da Fábrica e nunca conheceu a pobreza na pele, ele agia como se já tivesse sido pobre um dia, e conhecia as dificuldades do proletariado.

Nunca é demais lembrar, que ele foi o único presidente da Fábrica a morar em Bangu, eu acredito que isso tenha sido fundamental para ele pensar deste jeito. Imagine que ele poderia morar em uma mansão em qualquer ponto da cidade, mas morando em Bangu e conversando com os moradores, ele via com os próprios olhos as necessidades da região e do povo que nela habitavam.

Nas décadas de 40, 50 e 60, a Fábrica foi um marco na vida social carioca e banguense, com desfiles de moda no Copacabana Palace, Goldem Room e os concursos para escolha da Miss Elegante Bangu, título conquistado por jovens da alta sociedade, como Teresa de Souza Campos, Glorinha Sued e Lurdes Catão. O prestígio da grife Bangu era tão grande que atrizes famosas - como Ginger Rogers, Brigitte Bardot, e a Miss Brasil e segundo lugar no Miss Universo Martha Rocha, entre outras - chegaram a posar como modelos de seus lançamentos. Na época, a Fábrica também recebeu a visita de personalidades ilustres, como os presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, e alguns monarcas e autoridades, da Europa e outros continentes.

Eram comuns grandes políticos em Bangu, todo mundo queria pegar um pouco da popularidade e do prestígio de Dr Silveirinha.
Quando Dr Silveirinha se tornou patrono da Unidos de Bangu à escola logo ganhou a melhor quadra de escola de samba do Brasil, a única coberta até então.

Em 1960 nos jornais podemos constatar a visita do Governador do Estado da Guanabara Carlos Lacerda que almoçou na quadra da Unidos de Bangu com Dr Silveirinha, neste almoço Carlos Lacerda disse que renunciaria ao mandato de governador se Dr Silveirinha se candidatasse a governador da Guanabara, com tal popularidade, que ultrapassava a fronteira de Bangu, sua vitória era praticamente certa. Se tivesse entrado para a política Dr Silveirinha seria forte candidato a presidente da república, por sua popularidade.

Dr Silveirinha foi presidente do Bangu Atlético Clube de 1937 até 1949, ninguém queria que ele saísse, mas foi preciso sair para se dedicar a Fábrica de forma integral, os dirigentes do clube se reuniram e mudaram o estatuto do clube, e Dr Silveirinha virou patrono do clube, segundo ele mesmo, ele tinha mais poder que o presidente, pois podia alterar qualquer decisão do presidente e dissolver qualquer diretoria. O mesmo que acontece nas monarquias de verdade. Mas ele disse que nunca se meteu na administração do clube depois que saiu.

O respeito por Dr Silveirinha era tão grande, que Seu Zizinho (Pai do Castor de Andrade) antes de se candidatar a presidente do Bangu, pediu permissão a Dr Silveirinha, e isso nem era necessário. Em tempo, Seu Zizinho fez uma administração impecável no Bangu, eu o considero o segundo maior presidente da história do clube. Mas pouco se fala em sua administração que culminou em ser um dos quatro melhores times do Campeonato Carioca, em toda sua administração nos anos 60, sendo quatro finais seguidas, que culminou no título Carioca de 1966.

É importante destacar, que depois que Dr Silveirinha colocou a logomarca da Fábrica Bangu na camisa do Bangu, algo inédito no mundo até então, o Bangu começou a viajar pelo mundo todo, tanto que até o final dos anos 50 era talvez o clube com mais partidas internacionais do Brasil e talvez das Américas, foram tantas partidas, que o Bangu ganhou muitos títulos internacionais e até hoje desbanca vários times da série A, B, C e D do Brasileirão, hoje o clube deve figurar entre os 15 clubes com mais partidas internacionais do Brasil. Considerando que no Brasileirão série A e B tem 40 clubes atualmente, é algo bem significativo. Ainda em 1949 Dr Silveirinha contratou a peso de ouro o jogador Zizinho, o melhor jogador do mundo eleito pela FIFA na Copa do Mundo de 1950. Era uma estratégia inédita no mundo, Zizinho com a logomarca da Fábrica Bangu no peito jogando nos gramados dos cinco continentes, divulgando a Fábrica Bangu.

A brincadeira de dizer que Bangu era uma monarquia é porque a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, praticamente não fazia obras no bairro, era tudo por conta da Fábrica, em alguns jornais antigos existiam reclamações de moradores de outros bairros dizendo que algumas coisas funcionavam em Bangu e em outros bairros não. O mais curioso é que a resposta da prefeitura no jornal era que em Bangu quem fazia a gestão do bairro era a Fábrica Bangu e não a prefeitura do Rio de Janeiro.

Depois de seu auge, a Fábrica começou a perder competitividade e entrou em declínio, principalmente nos anos 80, o mercado já não era mais o mesmo, e Dr Silveirinha já sentia o peso da idade com seus mais de 80 anos. E muitos o aconselhavam a vender a Fábrica. E ele dizia, “Se um dia a Fábrica Bangu fechar, eu prefiro morrer antes.”.

A profecia se cumpriu, Dr Silveirinha se manteve “dono” da Fábrica, e morador de Bangu até seu falecimento no ano de 1989. Curiosamente no ano do centenário da companhia.

Depois de sua morte, alguns familiares e acionistas queriam vender a Fábrica, nesta disputa, a esposa do Dr Silveirinha, Dona Maria Alice Castello Branco Coimbra, e sua filha Alice Maria da Silveira, foram completamente contra a venda da companhia. O que gerou um atrito familiar que só foi apaziguado alguns anos depois.

Desde 1923 nas mãos da família Silveira, a Fábrica foi vendida para o grupo Dona Isabel Tecidos, do empresário Ricardo Haddad, no dia 16 de janeiro de 1991. Atolada em dívidas com o Banco do Brasil e o BNDES, a Fábrica era um desafio para o novo presidente.

Por fim com a venda da companhia, Dona Maria Alice Castello Branco Coimbra, e Alice Maria da Silveira, decidiram sair de Bangu.

Imagine você que tem amor a suas coisas, sua casa, seu automóvel! Existia uma parte sentimental da família de Dr Silveirinha pela Fábrica.

E assim foi o fim da família Silveira na gestão da Fábrica Bangu, uma era que durou 68 anos de glórias. Curiosamente 10 anos a mais que o reinado de Dom Pedro ll no Brasil.

Pela parte áurea, e sua resistência até o fim. Por tudo isso, considero Dr Silveirinha um dos grandes homens da história do Brasil, e o maior banguense de todos os tempos. Seu legado continua em Bangu até hoje.

Em minha opinião, a principal avenida de Bangu, a “Avenida Cônego Vasconcelos” deveria se chamar “Avenida Dr Silveirinha”, escrito desta forma mesmo (Além de ser a avenida principal, era a rua que Dr Silveirinha morava). O maior banguense de todos os tempos, o homem que mudou Bangu. Mas é apenas minha humilde opinião.

É importante lembrar que a Avenida Cônego Vasconcelos, teve seu primeiro nome de Rua Estevão, e depois mudou para Rua Ferrer, e atualmente é Avenida Cônego Vasconcelos.

Na foto acima vemos Dr Silveirinha e sua esposa Maria Alice.

Texto e mais fotos postados originalmente na página do Acervo Bangu.
https://www.facebook.com/AcervoBanguRJ/posts/2087180618219159

Fotos gentilmente cedidas por Alice Maria da Silveira (Família Silveirinha)

Postado por Adinalzir Pereira Lamego

19 comentários:

José Benevides Filho disse...

Moro em Bangu e não conhecia quase nada disso.
Que legal.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Muito bom conhecer esses aspectos da história do bairro e o fato de ter vivido ali um empresário progressista.

Não sei se acertei, mas acredito que a foto seja dos anos 40 ou no máximo da década de 50.

Abraços.

Adinalzir disse...

Meu caro José Benevides Filho
Que bom que você gostou. Fico muito grato pela visita.
Abraço!

Adinalzir disse...

Prezado Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz
Fico sempre muito grato pela sua visita e comentário.
Sobre a foto, você acertou. É realmente dos anos de 1950.
Grande abraço!

Unknown disse...

Minha avó foi funcionária da fábrica Bangu e o dr. Silveirinha sempre foi uma espécie de herói lá em casa. Viúva aos 21 anos com um filho de apenas 6 meses (meu pai) para criar, minha avó conseguiu o sustento de sua família e ter uma vida de dignidade graças ao seu emprego na fábrica. Ela falava muito bem da administração e, principalmente, do ser humano fantástico que era o doutor Silveirinha. Morei em Bangu por 30 anos. Meus pais ainda moram lá. Conheci de perto todas as obras deste homem e serei eternamente grata por tudo ele fez. Precisamos de mais empresários assim.

Adinalzir disse...

Prezada Carla Muniz
Muito bom saber de sua história. O Dr. Silveirinha realmente foi um homem fantástico.
Fico muito grato pela sua visita e volte sempre!

Robson Andrade disse...

Acho q foi 1977 quando fui convidado a entrar no yatch Miss Bangú atracado no Iate Clube de Cabo Frio/RJ. Foi um rápido tour de poucos minutos. Quase nem lembrava mais. Não fazia idéia do grande homem q ele foi. Merece ser personagem de seu próprio filme!

Henri Cantanhede disse...

Quando foi que ele nasceu?

Unknown disse...

Eu conheci a Sra Edda, que Trabalhava na fábrica Bangu e foi eleita miss, em um concurso da fábrica. Contado por ela. Qdo a conheci já era avó.

Pedro Arnaldo disse...

parabéns pelo texto! Simples, objetivo e esclarecedor.

Unknown disse...

Não sou de Bangú, acompanho a história desse bairro e gostei muito de saber , parabéns a vc que fez essa matéria!

Unknown disse...

Me lembro da minha mãe comprar tecidos na fábrica Bangu, gostei muito do texto e da história do Dr Silveirinha, precisamos de pessoas assim hoje em dia.

Unknown disse...

Participei como Supervisor Financeiro de 1987 a 1991,sendo que Dr. Joaquim já não mais participava, ficando como CEO, Dr. Gaensly,num período que constatava, pois num planejamento estratégico, a Empresa investiu milhões de dólares, para trocar seu maquinários obsoletos, num período de declínio da Indústria têxtil no País, culminando com a venda para o Empresário Ricardo Haddad, com visões limitadas, acarretando com o fechamento e venda ao Shopping

Unknown disse...

Eu conheci os tecidos bangú de ótima qualidade sempre que ía comprar tecidos exigia essa marca, mais não conhecia à história. Gostei

Unknown disse...

Trabalhei nos anos finais do dr silveirinha na direção da fábrica
Seu relato só merece elogios
É pena que aos poucos as pessoas esquecem mas de fato ele merecia ser lembrado e homenageado

Unknown disse...

Fui Assesor Financeiro de 1987 a 1991. Conheci DR.Silveirinha, porém a Adm. estava a cargo do Dr.Gaensly. Retração nas Vendas, Maquinaria obsoleto, Endividamento em Alta, culminando com a Venda para o Grupo Dona Isabel, que não conseguiu competir com as tecelagens modernas nk Brasil. Porém uma Fábrica com uma história linda,funcionários com mais de 40 anos, como DR.Garcez, Geraldo Bispo, Epaminondas entre outros que só aprendi no meu curto espaço de tempo

Unknown disse...

São essas pessoas que nosso país, deve ser grato.E devem servi de espelho pra esses políticos. Valeu conhecer essa historia

Edson TRE. disse...

Fico muito triste com a destruição das casas da avenida cônego de Vasconcelos e no entorno, perdemos nossa história, se tivessem conservado estaríamos recebendo hoje turistas para contemplar no centro histórico

Anônimo disse...

Histórias como essa , com tanta dedicação de uma pessoa durante sua vida inteira ao bem coletivo e que transformou um Bairro em uma família durante décadas , me faz refletir o lixo que são os políticos desse País.