terça-feira, julho 10, 2018

A Estrada Real de Santa Cruz, o caminho da riqueza

Por André Luis Mansur (*)


Até a chegada da estrada de ferro na região que seria conhecida como zona oeste, no final do século 19, o único caminho para se chegar até lá era pela Estrada Real de Santa Cruz, chamada anteriormente de Caminho dos Jesuítas, já que foram os padres da Companhia de Jesus que abriram parte dela quando montaram sua importante fazenda, em Santa Cruz. A Estrada Real, segundo o escritor Lima Barreto, era mais importante para a economia nacional do que a elegantíssima e sofisticada Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), centro econômico e social do centro da cidade no século 20. A afirmação faz sentido se entendermos que aquela era a estrada dos tropeiros, comerciantes, mineradores e donos de engenhos e plantações de café, primeiro ponto para se chegar a São Paulo, Minas e às riquezas do interior do Brasil.

Foi por ela que D. Pedro I cavalgou para proclamar a independência, tendo descansado na Fazenda de Santa Cruz durante a ida, no dia 14 de agosto de 1822, conforme escreve Octávio Tarquínio de Sousa em “A vida de D.Pedro I – (vol. 2)”: “Partindo da Quinta da Boa Vista, foi D. Pedro pernoitar em Santa Cruz e aí se achava quando lhe anunciaram a presença de João Carlos Oeynhausen, vindo para a Corte, de sua ordem. O presidente da Junta de São Paulo, a quem faria mais tarde Marquês de Aracati e seu ministro, pediu-lhe em vão uma audiência: que se apresentasse sem demora à Princesa Real D. Leopoldina e ao ministro José Bonifácio, tal foi o recado transmitido pelo gentil-homem Canto e Melo”. D. Pedro seguiu viagem e ainda passaria pela Fazenda de São João Marcos, em Itaguaí. Na ida, levou 12 dias para chegar a Minas e na volta, depois de proclamar a independência em São Paulo, foi direto para a Corte, fazendo o trajeto em cinco dias.


Antes das melhorias feitas na estrada durante o período em que D. João VI, encantado com as paisagens mais afastadas do burburinho da Corte, passou a residir longas temporadas na sede da fazenda, transformada em Palácio Real, era penoso trafegar por ela. Para exemplificar, basta citar trechos dos diários de naturalistas europeus, que começaram a visitar o Brasil após a chegada da Corte portuguesa, em 1808. No livro “Viagem pelo Brasil”, os naturalistas austríacos Johann Baptist von Spix e Carl von Martius falam do início de uma viagem pela estrada, no dia 8 de dezembro de 1817: “Apenas havíamos enveredado pelo atalho que sai na estrada larga de Santa Cruz, quando uma parte dos nossos cargueiros se deitou no chão, outra parte se espalhou por entre casas e chácaras, e também algumas das mulas se destacaram das caixas que levavam, e procuraram ganhar o campo. Aumentou a confusão, quando o sr. Dürming, cônsul real da Prússia em Antuérpia, e que se achava então no Rio de Janeiro e agora nos acompanhava, foi lançado fora do animal assustado, e teve de ser carregado de volta à cidade, com o braço fortemente magoado. Este espetáculo de selvajaria (sic) desenfreada costuma dar-se na saída de todas as tropas, até que os animais se acostumem ao peso da carga e se habituem a marchar em fila. Somente o nosso compatriota, o sr. Von Eschwege, que aqui já tem feito muitas viagens por terra, se mostrou impassível; nós, novatos na experiência, ficamos atarantados de ansiedade e apreensão”.

Em 1917 começou a funcionar o sistema de diligências ligando Santa Cruz ao centro da cidade. Diligências estas que não eram atacadas por índios, como nos filmes americanos de faroeste, e tinham os seguintes horários, conforme conta Noronha Santos, em “Meios de transporte no Rio de Janeiro (vol.1)”: “Partiam do Centro às quatro horas da madrugada, para chegarem à fazenda real às nove e meia. Voltavam às cinco e meia da tarde e chegavam à cidade às dez e meia da noite”. Como se vê, a viagem a Santa Cruz era, de fato, longa e penosa, o que só mudou com a chegada do trem, primeiro em Campo Grande (1878) e depois em Santa Cruz (1882), que encurtou bastante o tempo do percurso e pôde integrar de forma muito mais eficiente a região ao centro da cidade.

Hoje, o trajeto da Estrada Real de Santa Cruz ainda se mantém em sua maior parte, com poucas alterações, em vias como a Avenida Santa Cruz (que percorre boa parte dos bairros da zona oeste), dom Helder Câmara (antiga Suburbana), Cesário de Melo (em Campo Grande), estrada Intendente Magalhães (em Campinho) e estrada Rio-São Paulo. Adolfo Morales de los Rios Filho fala sobre o termo “estrada real”, que muitos julgam ter este nome por ter sido frequentada por D. João VI e a nobreza. No livro “O Rio de Janeiro Imperial”, ele explica que “estrada real”, na verdade, é o “caminho mais seguido, mais franco e, portanto, o que apresenta menos riscos de dificuldades”.

André Luis Mansur é jornalista e escritor (*)

Pesquisa de imagens - Guaraci Rosa

Texto originariamente postado na página do Facebook Santa Paciência
https://www.facebook.com/GuaraciRosaHistoriador/posts/1962215480469782

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

8 comentários:

José Benevides Filho disse...

Texto maravilhoso!
Foi muito bom saber.

Gutemberg Castro disse...

Texto perfeito sobre nossa querida zona oeste. Parabéns pelo trabalho!!!!!

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Muito bom esse texto e que mostra como a região da Zona Oeste do RJ e adjacências começou a ser impactada pelo projeto pois, quando se abre uma via, tem-se ali o surgimento de novas povoações, comércios, hospedarias e serviços que vão surgindo para atendimento das necessidades dos viajantes. Ainda que não houvesse o ataque de índios como nos filmes de faroeste (até porque os tamoios já tinham sido subjugados pelos portugueses nos séculos XVI e XVII), suponho que existissem assaltos tipo roubos de cargas.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo!

Sem querer parecer pedante (e corrija-me se eu estiver errado), nesse trecho do artigo tenho a impressão de que possa ter havido um erro de digitação quanto ao ano que, a meu ver, pode ter sido 1817 e não 1917.

"Em 1917 começou a funcionar o sistema de diligências ligando Santa Cruz ao centro da cidade. Diligências estas que não eram atacadas por índios, como nos filmes americanos de faroeste, e tinham os seguintes horários, conforme conta Noronha Santos (...)"

Levanto essa questão não por conhecer profundamente a História pois sou mero amador. Porém é o próprio desenvolvimento lógico do parágrafo com a citação do Noronha que me leva a isso:

"(...) a viagem a Santa Cruz era, de fato, longa e penosa, o que só mudou com a chegada do trem, primeiro em Campo Grande (1878) e depois em Santa Cruz (1882), que encurtou bastante o tempo do percurso e pôde integrar de forma muito mais eficiente a região ao centro da cidade."

Ou seja, se nos anos da segunda metade do século XIX houve o encurtamento da viagem com a chegada do transporte ferroviário, então significa que a demora de 5 horas no completamento do percurso só poderia ter sido antes e não depois.

Não concordam?

Adinalzir disse...

Prezado José Benevides Filho
Agradeço pela visita e comentário.
Abraço!

Adinalzir disse...

Meu caro Gutemberg Castro
Muito bom saber que você gostou.
Revelar a história da Zona Oeste Carioca sempre é muito bom.
Abraço e volte sempre!

Adinalzir disse...

Prezado RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ

Foi erro de digitação, o certo é 1817. Conversei com o André Mansur e ele me confirmou. Agradeço pela colaboração. Abraço!

Denise disse...

Onde a Estrada Real de Santa Cruz começava? O número 299 ficaria em que parte da via?