quinta-feira, abril 19, 2007

O papel dos trens na Cidade do Rio de Janeiro


Ao contrário dos bondes, que penetraram em áreas que já vinham sendo urbanizadas ou retalhados em chácaras desde a primeira metade do século, os trens foram responsáveis pela rápida transformação de freguesias que, ate então, se mantinham exclusivamente rurais. Em 1858 foi inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Dom Pedro II, ligando a freguesia de Santana a Queimados (distrito do atual município de Nova Iguaçu). Nesse mesmo ano foram inauguradas as estações de Cascadura e Engenho Novo (no Rio de Janeiro) e de Maxambomba (atual distrito sede de Nova Iguaçu). Em 1859, foram inauguradas, por sua vez, as estações de São Cristóvão e Sapopemba (atual Deodoro), enquanto a de São Francisco Xavier foi aberta em 1861.


Sapobemba e Maxambomba eram, nessa época, pequenos núcleos isolados que serviam a uma população rural esparsa. Cascadura e Engenho Novo, por outro lado, eram áreas rurais que já mantinham relações constantes com as freguesias centrais, relações essas que foram bastante incrementadas a partir de 1861, quando foi inaugurado o serviço regular de trens até Cascadura. "Custando as passagens de primeira classe 900 reis ate Engenho Novo e 1$500 ate Cascadura. Havia passagens de 2a e 3a classes que custavam, respectivamente, 600 reis e 1$500, para o Engenho Novo e Cascadura, nos carros de 28 classe, e 300 e 500 reis, nos de 39". 

A existência de uma linha de subúrbios até Cascadura incentivou, de imediato, a ocupação do espaço intermediário entre esta estação e o centro. Antigas olarias, curtumes, ou mesmo núcleos rurais, passaram então a se transformar em pequenos vilarejos, e a atrair pessoas em busca de uma moradia barata, resultando daí uma elevação considerável da demanda por transporte e a conseguinte necessidade de aumentar o numero de composições e de estações. Na década de 60 foram inauguradas então as estações de Riachuelo e Todos os Santos. Em 1870, por sua vez, a linha de Cascadura passou a ser servida por mais dois trens diários, inaugurando-se de fato o sistema suburbano de transporte, já que os horários dos trens passaram então a ser mais adequados as horas de entrada e saída dos locais de emprego do centro da cidade. Como conseqüência imediata, o processo de ocupação da faixa suburbana ate Cascadura adquiriu impetuosidade ainda maior na década seguinte, levando a inauguração das estações de Engenho de Dentro, Piedade, Rocha, Derby Club, Sampaio, Quintino, Méier, Mangueira e Encantado e, já em 1890, da estação de Madureira. O processo de ocupação dos subúrbios tomou, a princípio, uma forma tipicamente linear, localizando-se as casas ao longo da ferrovia e, com maior concentração, no entorno das estações.

Aos poucos, entretanto, ruas secundárias, perpendiculares a via férrea, foram sendo abertas pelos proprietários de terras ou por pequenas companhias loteadoras, dando inicio assim a um processo de crescimento radial, que se intensificaria cada vez mais com o passar dos anos. Falando sobre a freguesia de Inhaúma, assim se expressava Noronha Santos na virada do século: “De 1889 para cá, Inhaúma começou a progredir dia a dia, edificando-se em vários pontos da vasta e populosa freguesia confortáveis prédios, que podem competir com os melhores das freguesias urbanas. Foram retalhados os terrenos das antigas fazendas que ainda existiam; bem poucos vestígios ficaram daqueles tempos em que o braço escravo era o cooperador valioso da fortuna pública e particular”.


De importância fundamental para o crescimento dos subúrbios foi também a inauguração, na década de 1880, de duas novas ferrovias. Em 1883 foi aberta ao tráfego, em caráter provisório, a Estrada de Ferro Rio D'Ouro, ligando a Quinta Imperial do Caju a represa do Rio D'Ouro, na Baixada Fluminense. Atravessando as freguesias de São Cristóvão, Engenho Novo, Inhaúma e Irajá. Essa ferrovia foi construída com a finalidade de transportar material para as obras de construção da nova rede de abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro captada nos mananciais da Serra do Mar, em Tinguá e Xerém. Por acompanhar os encanamentos que traziam a água do Rio D'Ouro até São Cristóvão, a ferrovia foi, inicialmente, utilizada apenas para os trabalhos de conservação do sistema (adutor e distribuidor). Posteriormente, passou a ter um serviço regular de passageiros, embora jamais tenha tido o mesmo papel indutor da D. Pedro II, já que seu ponto terminal era distante do centro, na Ponta do Caju.

Isto não impediu, entretanto, que pequenos núcleos se desenvolvessem ao longo de suas linhas (dentre os quais se destacam Inhaúma, Vicente de Carvalho, Irajá, Colégio, Areal (atual Coelho Neto) e Pavuna), já que se podia alcançar o centro da cidade através de baldeação para os trens da Dom Pedro II na altura de São Francisco Xavier. Embora atravessando terras mais baixas, sujeitas a inundações periódicas, próximas que estavam da orla da baia de Guanabara, a Rio de Janeiro Northern Railway Company, também chamada Estrada do Norte (futura Leopoldina Railway), teve papel muito mais importante que a Rio D'Ouro. Sua primeira linha, inaugurada em 23/04/1886, entre São Francisco Xavier e Mirity (atual Duque de Caxias), interligou uma série de núcleos semi-urbanos preexistentes, (como Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Brás de Pina, Cordovil, Lucas e Vigário Geral) que, devido a grande acessibilidade ao centro proporcionada agora pela ferrovia, passaram então a se desenvolver em ritmo bastante acelerado. A esse respeito, dizia Noronha Santos: "Quatro trens de subúrbios trafegavam diariamente, antes de 1897, na única linha que existia até Mirity, com desvios em Bonsucesso, Penha e na Parada de Lucas.

O primeiro núcleo de habitantes dessa zona que mais acentuadamente prosperou foi Bonsucesso. Esta localidade e as de Ramos, Olaria e Penha, em pouco tempo (entre os anos de 1898 e 1902) tiveram os seus terrenos divididos em lotes, organizando-se simultaneamente empresas para construção de prédios. Ramos transformou-se em empório comercial e num dos centros de maior atividade na zona da Leopoldina Railway ".

Finalmente, em 01/11/1893, foi inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Melhoramentos do Brasil, construída pela Companhia do mesmo nome e presidida por André Gustavo Paulo de Frontin, e que, em 1903, seria incorporada a Central do Brasil, com o nome de Linha Auxiliar. Esse trecho ligava Mangueira a Sapopemba (atual Deodoro), que já integrava a rede da Central. Em 1898 foram inauguradas, por sua vez, as estações de Vieira Fazenda, Del Castilho, Magno e Barros Filho.

Já na última década do século passado estavam pois, em pleno crescimento, os principais subúrbios do Rio de Janeiro atual. Naquela época, entretanto, eles não passavam de simples núcleos dormitórios, conforme descrevia Aureliano Portugal no inicio do século XX: "A continuidade da cidade propriamente dita e tal que, em grande parte, se torna impossível estabelecer limites entre as paróquias urbanas e as chamadas suburbanas. Todo o percurso da Estrada de Ferro Central do Brasil, até além da Estação de Cascadura, é marginado de habitações, formando, sem quebra de continuidade, inúmeras ruas, que a freqüência e a rapidez de transporte incorporam naturalmente à cidade. O mesmo se dá com relação à vasta planície servida pelas linhas suburbanas do Norte, da Melhoramentos do Brasil e da Rio D’Ouro. Esses subúrbios não têm existência própria, independente do Centro da cidade; pelo contrario, a sua vida e comum e as relações íntimas e freqüentes; e a mesma população que moureja, no centro comercial da cidade, com a que reside neste, sendo naturalmente impossível separá-las".

A ocupação dos subúrbios é exemplificada, ainda, pela movimentação de passageiros nas estações da Central do Brasil, que atingiu, no período 1886-1896 um total de quase 30 milhões de pessoas (Tabela 3.3). Este número, se é insignificante quando comparado ao total de passageiros transportados pelos bondes (estes transportaram, em um único ano - 1896 - quase 73.000.000 pessoas), já representava, entretanto, uma demanda acima da capacidade de oferta, como exemplifica Noronha Santos ao falar da crise de transportes da década de 1890.

“A crise de transporte não ficou circunscrita ao bonde. Nos trens de subúrbios constituía, já naquela época, verdadeiro martírio, viajar pela manhã ou à tarde. O povo acotovelava-se nas estações principais, debatendo-se em horas de maior afluência de passageiros, como se fosse um bando de lutadores ofegantes, para alcançar um lugar no trem, onde se apinhava gente de toda castas”.

Ao analisar o crescimento dos subúrbios nessa época, é preciso, pois, relativizá-lo frente ao que estava ocorrendo nas áreas servidas pelos bondes. Com efeito, apesar das freguesias de Engenho Novo, Inhaúma e Irajá terem apresentado um aumento demográfico considerável no período 1872-1890, já comentada, as freguesias centrais e aquelas periféricas ao centro (onde se concentrava a população mais pobre da cidade) também apresentaram incrementos demográficos importantes. E o mesmo aconteceu com as demais freguesias urbanas, que estavam em franco processo de ocupação. Note-se, ademais, que toda a cidade começava, nessa época, a sofrer o impacto de uma industrialização incipiente, que a princípio procurou localizações próximas ao centro urbano, só se transferindo para os subúrbios no século atual.

Fonte de consulta:

ABREU, Maurício de A.. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar,1988.

8 comentários:

Tina Di Mauro disse...

Very interesting blog. Kisses kisses

AMIGOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL disse...

Bom trabalho de pesquisa, mestre!
Parabéns pelo seu excelente blog!
Sabe que até hoje não entendi como colocar nosso blog (AMIGOS DO PATRIMÔNIO CULTURAL)para concorrer no TOPBLOG? Confesso que ainda não aprendi!

Forte abraço,

CLARINDO

Adinalzir disse...

Prezado Clarindo
Para colocar o Amigos do Patrimônio Cultural no TopBlog, você precisa visitar o site deles e fazer um login. Aí, será listado no blog deles, depois é só aguardar o novo concurso (em 2011).
Valeu pela visita e um ótimo Natal!

Adinalzir disse...

Dear La Cuoca
Thanks for visiting. Thanks!

Anônimo disse...

Muito Muito Bom!!

Adinalzir disse...

Olá, Anônimo
Muito obrigado pela visita.
Abraços! :-)

Leoni disse...

Com relação aos trens regionais que poderiam servir ao Rio de Janeiro eis algumas propostas;
Um projeto que até agora não saiu do papel é o do sub-ramal que partiria da estação Bonsucesso, passaria pelo Complexo da Maré, UFRJ-Fundão, e chegaria até ao aeroporto do Galeão, Isto já foi anunciado em 2008.

Em qualquer grande metrópole organizada, existe um serviço de trens ou metrô que liga a cidade a sua rodoviária e ao seu aeroporto. Mas aqui, por enquanto, não foi notíciado de que eles fariam isso.

Por exemplo, o trem Barrinha, que como o próprio nome diz, passava por Barra do Piraí, depois de Japeri e Paracambi, era a única linha de trem regional que havia e que foi eliminada por uma colisão que houve entre uma dos trens e um trem de carga em 1996, com as seguintes conseqüências; deixaram a linha no descaso, não adquirindo trens novos, e aí acontece um acidente, e cancelam o transporte. Tentaram retornar, mas em 2009 o secretário de transportes descartou a hipótese.

A reativação da linha Santa Cruz-Itaguaí, com prolongamento até Manguaratiba, e planejando em um futuro próximo, até Angra dos Reis e Parati.

Temos que reivindicar para que todos estes projetos saiam ou voltem o mais rápido possível.
E por que não em Guaratiba, Sepetiba, entre outras localidades na região (podendo ser como os monotrilhos, elevados, para evitar um grande número de desapropriações).

A maior parte destas propostas costumam aparecer em épocas de campanhas eleitorais, e após findadas as eleições ficam na esperança e no esquecimento.

Leoni disse...

Trem de tecnologia pendular de passageiros de dois andares (double decker) em média velocidade (250km/h)

Pendolino (do italiano, diminutivo de pendolo, que significa pêndulo) é a marca de uma série de trens de média velocidade com tecnologia pendular, desenvolvidos e fabricados pela Fiat Ferroviária (hoje Alstom). São utilizados na Eslovênia, Finlândia, Itália, Portugal, República Checa, Reino Unido e Suíça, ou Acela, seu concorrente americano.

A ideia de um trem que inclinava (pendular) tornou-se popular nas décadas de 1960 e 70, quando vários operadores ferroviários, impressionados pelos trens de alta velocidade introduzidos em França (TGV) e Japão (Shinkansen), quiseram ter uma velocidade similar sem ter de construir uma linha paralela dedicada (como estes países estavam a fazer, e o Brasil pretende fazer). Trem pendular é um trem com um mecanismo de suspenção reclinável que permite que ele atinja velocidades avançadas em trilhos de linhas férreas tradicionais. Esse mecanismo, chamado sistema pendular, consiste em eixos com capacidade de se inclinar até 8 graus em relação aos trilhos, permitindo que as curvas possam ser feitas em velocidades de até 230 km/h, sem risco de acidente ou desconforto para os passageiros.

Na Itália foram estudadas várias possibilidades para as linhas em exploração (incluindo um modelo com carros fixos e bancos pendulares). Vários protótipos foram construídos e testados e em 1975 um protótipo do Pendolino, o ETR 401, que foi posto em serviço, construído pela Fiat e usado pela Rede Ferroviária Italiana. Em 1987 começou a ser usada uma nova frota de Pendolinos, os ETR 450, que incorporavam algumas tecnologias do infortunado projeto britânico APT. Em 1993 a nova geração, o ETR 460, entrou em serviço.

Fonte básica; Wikipédia com adaptações.

A grande vantagem da *Tecnologia Pendular para trens de passageiros é justamente pelo fato de trafegar com boa estabilidade em vias sinuosas e curvas fechadas, comum em países europeus, americanos e principalmente brasileiros, sem muitas retificações e com baixo investimento.

Eis aí uma opção rápida e econômica para os planejados trens de passageiros regionais, para uso da malha ferroviária brasileira, mediante aproveitamento e remodelação das linhas existentes, sem a necessidade de grandes intervenções.

Os trens pendulares Acela americano (Amtrak) e Superpendolino europeu são tracionados por energia elétrica, inclusive os na versão flex, 3 kVcc / 25 kVca embora existam versões eletricidade-Diesel (ICE-TD), que poderão ser utilizados em cidades onde não possuem alimentação elétrica.

A escolha deste modelo está sendo sugerida por consultorias, como a “Halcrow” no volume 4 parte 2 anexo B. Comparação de material rodante, que estudam a implantação dos trens regionais, com futura utilização como TAV quando as suas linhas segregadas exclusivas estiverem prontas a partir de 2020, podem ser fabricados com dois pavimentos (double decker), com passagem entre os carros (gangway), carruagem com ~3,15m de largura que é a mais adequada para as nossas condições além do truque de 1,6 m, que é o que maior espaço possui entre as rodeiros para instalação e distribuição do motor elétrico, sistemas hidráulicos, suspenção, comandos e com freios regenerativos, isto é, retornam energia elétrica para a rede na frenagem, e são da categoria de velocidade de até 250 km/h.

Pois bem. Não é empregado no Brasil porque a indústria ferroviária multinacional, e aqui instalada, não os fabrica, embora a Bombardier, CAF e a Alstom os fabriquem no exterior, pode aqui ser montado inclusive pela Embraer com alto índice de nacionalização.

Conclusões:
A especificação técnica deve ser de iniciativa e imposição do cliente, e não do fabricante.
Construímos ferrovias para que se adequem aos trens aqui fabricados, e não ao contrário.

Isto explica, também, a falta de padrão e uniformidade entre trens e gabaritos de plataformas na CPTM-SP e Supervia-RJ entre outras.