sábado, setembro 13, 2025

Conheça a história da Fortaleza de Jacarepaguá que até o Google Maps esqueceu

Fortaleza que permanece como um monumento à estratégia militar, à posteridade e a uma manutenção que hoje se esforça em manter as suas ruínas discretas.

Em plena Grajaú–Jacarepaguá repousam as ruínas da Fortaleza de Jacarepaguá, também conhecida como Fortaleza da Garganta da Serra do Matheus, Fortim dos Três Rios ou a Fortaleza da Batalha que Nunca Aconteceu. Erguida na virada do século XVIII para o XIX com a missão nada modesta de defender a Zona Oeste carioca de invasores piratas, franceses e holandeses, ela agora, se dedica, novamente heroica, a lutar contra o esquecimento oficial.

Mesmo tombada, primeiro de forma provisória em 1978, depois definitivamente em 1983, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), a fortaleza vive o drama de um patrimônio histórico que teve seus momentos de glória, e alguns holofotes… exceto os da mídia, da conservação e, até mesmo de visitantes.

Em termos oficiais, sua missão foi impecavelmente cumprida, considerando que, até hoje, ninguém nunca invadiu o Rio pela Barra. Mas os ingratos vão dizer que as razões são mais geográficas do que militares. No século XIX a Barra era inacessível pelo mar, devido as ondas fortes e bancos de areia imprevisíveis. Fora que depois de pisar em terra ainda era um estirão até o centro da cidade cruzando manguezais e lagoas. Resumindo: era muito mais fácil entrar pela Baía de Guanabara.

Ironias geográficas à parte, a Fortaleza de Jacarepaguá permanece como um monumento à estratégia militar, à posteridade e a uma manutenção que hoje se esforça em manter as ruínas discretas, talvez por vergonha do seu estado de abandono.

História

A fortaleza surgiu quando, o então vice-rei, Marquês do Lavradio, decidiu que a cidade precisava de uma muralha extra para conter invasões vindas do “despretensioso” litoral oeste — ou sudoeste, na boboca definição atual.

Cortejando os dramas militares da época, seu deslumbrante trabalho defensivo foi evitar que alguém invadisse o Rio a partir da Barra da Tijuca. Trabalho este facilitado pelo fato de que a temida invasão jamais foi sequer tentada. Hoje, sua história é contada mais por pedras desgastadas do que por relatos heroicos, como se a memória histórica da cidade estivesse em férias permanentes.

E como a história dos planos de saúde: você paga torcendo para não usar. Um forte que dedicou sua vida a uma proteção que nunca precisou ser protegida, uma defesa que jamais teve oportunidade de mostrar seus reflexos em enfrentar inimigos reais. Só os imaginários.

O Vice-Rei que erguia fortes para fantasmas

Era 1769 e o Rio recebia um novo vice-rei, o Marquês do Lavradio, aristocrata de sangue azul que sofria de uma preocupação constante: evitar que a cidade fosse novamente saqueada como em 1711, quando o francês René Duguay-Trouin levou ouro, açúcar e a autoestima da colônia. Lavradio decidiu que o Brasil precisava de muralhas — mesmo que contra inimigos que nunca apareceriam.

No pacote de obra que deixou como legado, além de aquedutos e melhorias urbanas, surgiu um discreto fortim na Garganta da Serra do Mateus, passagem estratégica entre a cidade e o sertão carioca (Jacarepaguá e Barra).  Ali, em 1775, canhões foram assentados com a esperança de deter piratas e invasores que jamais deram as caras. O resultado? Uma fortaleza que nunca disparou em batalha, mas que serviu como símbolo da paranoia defensiva de um período.

O Marquês de Lavradio ficou na história como um governante eficiente, reformador, mas também como o patrono involuntário de um monumento ao exagero militar. Afinal, construir uma fortaleza inteira para guardar a entrada de um caminho de terra por onde nem os bandidos da época se animavam a passar é, no mínimo, uma peça de humor involuntário da engenharia colonial. Hoje, suas ruínas cobertas de mato são o testemunho silencioso de um vice-rei que via fantasmas de corsários em cada curva da serra.

Localização

Ele fica na vertente norte da serra por onde passa a Estrada Grajaú–Jacarepaguá — o tipo de endereço ideal para se esconder algo e continuar chamando isso de “patrimônio urbano”. Um local estratégico para os olhos que, na maioria das vezes, preferem olhar para outro lado.

Para chegar até as ruínas é preciso parar, ou descer do buzão, próximo ao salão de festas Espaço Zurique e procurar as indicações para a Trilha da Garganta do Matheus. A caminhada em si não é longa, coisa de 15 a 25 minutos, mas o desnível é acentuado, o que pode cansar o aventureiro menos preparado.

Ou seja, um lugar perfeito para defesa. Ninguém vai conseguir atacar o Rio se nem se lembra de olhar para aquela serra. Um enclave patrimonial que se esconde descontraidamente em plena rota de trânsito.

Tombamento e reconhecimento histórico

O Inepac reservou o luxo de um tombamento provisório em 14 de dezembro de 1978 e, após uma surra de burocracia, firmou o tombamento definitivo em 26 de janeiro de 1983. Mas nem só de decretos se faz um monumento reconhecido.

Decreto mais decreto a menos, essa fortaleza agora existe legalmente _ e muito pouco além disso. Ficou linda no papel, enquanto na vida real continua gentilmente à espera de uma restauração que não aparece nem em campanha eleitoral de vereador da região.

Atual situação

Hoje, as ruínas nos observam com uma paciência silenciosa: tombadas, porém esquecidas; reconhecidas por lei, mas ignoradas na prática. Suas pedras resistem ao descaso cotidiano, mas ainda sonham com uma restauração — ou, quem sabe, uma intervenção que o transforme em mais do que um cartão postal invisível. 

Esse traçado final é um suave lamento: ali jaz uma fortaleza cujo maior feito atual é estar bem distante da chegada de obras de reabilitação ou de algum tipo de visibilidade que não seja o abandono erudito.

Texto de Jan Theóphilo.

Repostado do https://agendadopoder.com.br/

quinta-feira, setembro 11, 2025

O Projeto da extrema-direita dos EUA

Acabo de ler “O Projeto”, de David Graham, jornalista do Atlantic, dos EUA. Graham dissecou o documento “Projeto 2025”, elaborado por extremistas alojados na Heritage Foudation, tendo à frente os ultraconservadores Russel Vought e Paul Dans. 

Grande parte dos colaboradores na elaboração deste documento forma nomeados para o segundo escalão do atual governo Trump. 

O livro é fácil de ler, com apenas 155 páginas, e descreve ações para destruir a estrutura básica da gestão pública moderna. Declaram explicitamente a politização de todos os órgãos de Estado, a extinção de muitos deles – principalmente vinculados às políticas sociais – e a redução drástica do número de funcionários de carreira e aumento das indicações políticas. 

Seus autores fazem uma miscelânea entre cristianismo e nacionalismo, entre reacionarismo e defesa dos trabalhadores, entre oposição frontal à cultura “woke” e o ataque aos carros elétricos porque querem conter a China e a dependência das terras raras.

Esse pessoal se preparou durante a gestão Biden. Vought e Dans se uniram a Kevin Roberts, este último historiador e presidente da Heritage Foundation. É dele a síntese do Projeto 2025: restaurar a família como espinha dorsal da vida americana, desmantelar o Estado, defender a soberania nacional e garantir os direitos individuais. 

Embora Trump tenha algumas diferenças com o Projeto 2025, seu vice, James Vance é muito próximo de Roberts. O interesse da Heritage é compor os quadros em agências estratégicas do governo Trump e projetar uma estratégia que vai além do governo atual. A primeira parte já conseguiram. A lista de colaboradores no comando de agências centrais da política de Trump impressiona: Tom Homan (comando das fronteiras), John Ratcliffe (diretor da CIA), Brendam Carr (presidente da Comissão Federal de Comunicações), Paul Atkins (presidente da Comissão de Valores Monetários), Peter Navarro (conselheiro sênior, responsável pela atual política tarifária que nos atinge), Michael Anton (diretor de planejamento de políticas do Departamento de Estado), Russell Vought (chefe do poderoso escritório de Gestão e Orçamento, o OMB).

Graham descreve o Projeto 2025 como um “minucioso esquema de execução”, tendo como protótipo as diretrizes que a fundação elaborou a posse de Ronald Reagan. 

O que há de comum nesta linha de “esquema de execução” é o enfrentamento da burocracia pública, denominada como quarto poder pelos autores do Projeto. Sugerem identificar os bolsões de independência e enfrentá-los, um a um. As metas são: encontrar indicados políticos que sejam mais ideologicamente vinculados ao Projeto, converter mais cargos em nomeações políticas e implantar táticas de terror para forças servidores públicos a obedecerem ao comando central ou se afastarem das funções. 

Desde antes da posse de Trump, a fundação Hermitage produziu 30 cursos online com vídeos de 39 minutos de duração para treinar lideranças ultraconservadoras recrutadas pelo enfrentamento de gestores democratas, incluindo até mesmo mães que rejeitaram currículos focados em direitos sociais. 

Um dos mecanismos para cercar funcionários de carreira e agências estatais identificadas como hostis é o bloqueio de verbas. Para tanto, orientam pela fim da Lei de Controle do Bloqueio de Verbas. Os autores do Projeto afirmam que o governo federal dos EUA emprega 2 milhões de pessoas e mais 20 milhões de contratados. 

O Departamento de Justiça (DOJ) se projeta como um aríete nesta ofensiva. Este ministério já tem fama de defender de maneira amoral as empresas dos EUA contra empresas estrangeiras e até mesmo 46% dos norte-americanos acreditam que é “político demais, corrupto e indigno de confiança” segundo pesquisa nacional recente. O Projeto 2025 quer o FBI e este Departamento investigando pessoas que se revelarem opositores dos projetos governamentais. 

Vou destacar algumas orientações gerais e políticas setoriais que aparecem no Projeto 2025 e que saltam aos olhos como um novo anúncio do Apocalipse. 

1. Defesa da família: a posição é tão radical que vai da proibição do aborto à rejeição de vacinas contra a Covid 19 por usarem linhagens de células de fetos. O paladino desta frente é Roger Severino, advogado fanático que passou pelo Departamento de Justiça no governo Obama e chefiou o Escritório de Direitos Civis no governo Trump. Severino tem como alvo Estados democratas que se tornaram “turismo do aborto” por apresentarem legislação estadual mais flexível. Defende o voucher para pais para cuidarem das crianças e é contra a creche universalizada como direito;

2. Educação: aqui vale a ideia-força do cristianismo extremista norte-americano que a Escola Sem Partido copiou de cabo a rabo. As famílias teriam o direito de determinar o que os filhos aprendem, como aprendem e onde aprendem. O Projeto 2025 sustenta a criação de oportunidades educacionais fora do sistema de escolas públicas que estariam dominadas pela cultura woke (mais um dos tantos delírios dos extremistas). Aqui entram os cheques-educação ou vouchers para os pais ou contas de poupança para pagamento de escolas religiosas ou instituições privadas de ensino. No Brasil, o delírio vai da defesa do homeschooling acoplada a pacotes EAD produzidos por grandes empresas e fundações privadas. Severino e Lindsey Burke – a diretora de política educacional da fundação Hermitage - defendem o fim do Ministério da Educação de uma vez por todas e empréstimos governamentais para o setor privado;

3. Apoio controlado às comunidades locais: os ultraconservadores afirmam que historicamente as comunidades locais sabem melhor do que qualquer instância de governo como governar a si mesmas. Tem certa correspondência com a defesa das emendas parlamentares aqui no Brasil: os deputados conheceriam melhor as demandas locais. Sugerem que as políticas educacionais e de saúde poderiam ser administradas nas localidades. Contudo, querem controle central sobre as polícias locais;

4. Economia e Comércio: aqui, os extremistas e trumpistas divergem entre protecionismo e desregulamentação comercial. Também divergem sobre as bigtechs, sendo que uma ala as atacam por se relacionarem com a China, mas Trump fez vários acordos com elas (gerando farto financiamento em sua última campanha). Peter Navarro é figura central e faz a ponte entre as diversas alas. É dele que vem a defesa radical às tarifas baseado no reequilíbrio da balança comercial dos EUA. No fundo, a preocupação central de Navarro é a China. Quer tarifas tão altas que inibirão o consumo dos produtos chineses. O Projeto 2025 sugere, ainda, a revogação de partes da Lei Dodd-Frank, aumentando as liberdades para empresas agirem. Há guerra declarada contra políticas de defesa dos consumidores e defendem a liberação de empréstimos e créditos consignados;

5. Trabalho: este é um ponto que parte da esquerda ainda não compreendeu no discurso da extrema-direita contemporânea. Se de um lado são contra o sindicalismo, de outro, defendem o emprego como base do equilíbrio familiar. Esta é a posição do vice-presidente e de Jonathan Berry, hoje no Departamento do Trabalho. Berry defende o direito à sindicalização e punição a quem demite sindicalizados. Contudo, defende a restrição das atividades sindicais, exige a votação formal para sindicalização e sustenta a fiscalização de sindicatos mesmo sem queixa formal. Berry sustenta a flexibilização da proibição de trabalho de adolescentes e rejeita o enquadramento de trabalhadores da economia informal como empregados.

Esta é a plataforma que orienta as ações do governo Trump, nem todas apoiadas diretamente por ele. Contudo, o Projeto 2025 não é um mero projeto do atual governo. É um projeto da extrema-direita que procura se instalar no Estado – e já conseguiu o feito – e impor uma nova lógica que debela por dentro as bases da institucionalidade pública dos EUA. 

Trata-se de uma plataforma extremista de gestão pública. Merece nossa atenção porque pode ser a base estratégica de extremistas brasileiros. Alguns pontos já estão sendo postas em prática por Ricardo Nunes, na cidade de São Paulo. Alguns governos estaduais também seguem ao menos uma filosofia próxima. Este é o caso de Tarcísio de Freitas, o czar do extremismo sapatênis brasileiro.

Texto de Rudá Ricci - Sociólogo e Cientista Político.

Fonte de Consulta: https://revistaforum.com.br/

domingo, setembro 07, 2025

Os Jesuítas e a Astronômia no Brasil

A observação astronómica no Brasil remonta ao Século XVII durante o Governo de Maurício de Nassau no Recife com a construção do primeiro Observatório em Mauritsstad. 

O segundo Observatório mais antigo do Brasil foi na Bahia. Também no Século XVII, Valentin Stansel cientista jesuíta tcheco radicado na Brasil e citado por Isaac Newton, fez grande contribuição para astronomia com sua observação dos Grandes Cometas de 1664 e 1665, notados em todo o mundo.  Stansel observou e estudou a passagem desses cometas em seu observatório no Colégio dos Jesuitas na Bahia, onde era professor de Matemática, Aritmética, Geometria euclidiana, Perspectiva e Trigonometria. Escreveu uma pequena obra narrando e analisando os resultados obtidos. 

No seu escrito, ele procurou resolver os principais problemas referentes aos cometas discutidos na época: matéria do cometa, sua localização no céu, natureza do seu brilho, trajetória, etc. O manuscrito, composto no primeiro semestre de 1665, circulou na Europa entre várias mãos. O texto chamou a atenção pela qualidade e foi publicado num periódico erudito, o Giornale dei Letterati, de setembro de 1673. A observação do Jesuíta foi citada como fundamental no estudos dos cometas por Isaac Newton em seu livro "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural"

De acordo com o padre e historiador Serafim Leite, um dos Observatórios Astronômicos mais antigo do Brasil foi instalado no Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro, no morro do Castelo em 1730 pelo Padre Miguel Lopes, superior da Companhia de Jesus, com o objetivo de realizar observações regulares de astronomia e meteorologia. 

Em 1753, segundo Paola Focardi, o Pe. Jesuita de origem croata Ignac Szentmártony, acompanhado pelo Pe. italiano Giovanni Angelo Brunelli, foi enviado para a Amazônia, a fim de determinar com a máxima exatidão, latitude e longitude de alguns lugares para poder desenhar um novo mapa geográfico do Brasil. O mapa deveria controlar as novas linhas das divisas entre as possessões portuguesas e espanholas que tinham sido estabelecidas anteriormente, pelo Tratado de Madrid.

Fonte: As ciências no Brasil. Fernando de Azevedo, 1955.