Fortaleza que permanece como um monumento à estratégia militar, à posteridade e a uma manutenção que hoje se esforça em manter as suas ruínas discretas.
Em plena Grajaú–Jacarepaguá repousam as ruínas da Fortaleza de Jacarepaguá, também conhecida como Fortaleza da Garganta da Serra do Matheus, Fortim dos Três Rios ou a Fortaleza da Batalha que Nunca Aconteceu. Erguida na virada do século XVIII para o XIX com a missão nada modesta de defender a Zona Oeste carioca de invasores piratas, franceses e holandeses, ela agora, se dedica, novamente heroica, a lutar contra o esquecimento oficial.
Mesmo tombada, primeiro de forma provisória em 1978, depois definitivamente em 1983, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), a fortaleza vive o drama de um patrimônio histórico que teve seus momentos de glória, e alguns holofotes… exceto os da mídia, da conservação e, até mesmo de visitantes.
Em termos oficiais, sua missão foi impecavelmente cumprida, considerando que, até hoje, ninguém nunca invadiu o Rio pela Barra. Mas os ingratos vão dizer que as razões são mais geográficas do que militares. No século XIX a Barra era inacessível pelo mar, devido as ondas fortes e bancos de areia imprevisíveis. Fora que depois de pisar em terra ainda era um estirão até o centro da cidade cruzando manguezais e lagoas. Resumindo: era muito mais fácil entrar pela Baía de Guanabara.
Ironias geográficas à parte, a Fortaleza de Jacarepaguá permanece como um monumento à estratégia militar, à posteridade e a uma manutenção que hoje se esforça em manter as ruínas discretas, talvez por vergonha do seu estado de abandono.
História
A fortaleza surgiu quando, o então vice-rei, Marquês do Lavradio, decidiu que a cidade precisava de uma muralha extra para conter invasões vindas do “despretensioso” litoral oeste — ou sudoeste, na boboca definição atual.
Cortejando os dramas militares da época, seu deslumbrante trabalho defensivo foi evitar que alguém invadisse o Rio a partir da Barra da Tijuca. Trabalho este facilitado pelo fato de que a temida invasão jamais foi sequer tentada. Hoje, sua história é contada mais por pedras desgastadas do que por relatos heroicos, como se a memória histórica da cidade estivesse em férias permanentes.
E como a história dos planos de saúde: você paga torcendo para não usar. Um forte que dedicou sua vida a uma proteção que nunca precisou ser protegida, uma defesa que jamais teve oportunidade de mostrar seus reflexos em enfrentar inimigos reais. Só os imaginários.
O Vice-Rei que erguia fortes para fantasmas
Era 1769 e o Rio recebia um novo vice-rei, o Marquês do Lavradio, aristocrata de sangue azul que sofria de uma preocupação constante: evitar que a cidade fosse novamente saqueada como em 1711, quando o francês René Duguay-Trouin levou ouro, açúcar e a autoestima da colônia. Lavradio decidiu que o Brasil precisava de muralhas — mesmo que contra inimigos que nunca apareceriam.
No pacote de obra que deixou como legado, além de aquedutos e melhorias urbanas, surgiu um discreto fortim na Garganta da Serra do Mateus, passagem estratégica entre a cidade e o sertão carioca (Jacarepaguá e Barra). Ali, em 1775, canhões foram assentados com a esperança de deter piratas e invasores que jamais deram as caras. O resultado? Uma fortaleza que nunca disparou em batalha, mas que serviu como símbolo da paranoia defensiva de um período.
O Marquês de Lavradio ficou na história como um governante eficiente, reformador, mas também como o patrono involuntário de um monumento ao exagero militar. Afinal, construir uma fortaleza inteira para guardar a entrada de um caminho de terra por onde nem os bandidos da época se animavam a passar é, no mínimo, uma peça de humor involuntário da engenharia colonial. Hoje, suas ruínas cobertas de mato são o testemunho silencioso de um vice-rei que via fantasmas de corsários em cada curva da serra.
Localização
Ele fica na vertente norte da serra por onde passa a Estrada Grajaú–Jacarepaguá — o tipo de endereço ideal para se esconder algo e continuar chamando isso de “patrimônio urbano”. Um local estratégico para os olhos que, na maioria das vezes, preferem olhar para outro lado.
Para chegar até as ruínas é preciso parar, ou descer do buzão, próximo ao salão de festas Espaço Zurique e procurar as indicações para a Trilha da Garganta do Matheus. A caminhada em si não é longa, coisa de 15 a 25 minutos, mas o desnível é acentuado, o que pode cansar o aventureiro menos preparado.
Ou seja, um lugar perfeito para defesa. Ninguém vai conseguir atacar o Rio se nem se lembra de olhar para aquela serra. Um enclave patrimonial que se esconde descontraidamente em plena rota de trânsito.
Tombamento e reconhecimento histórico
O Inepac reservou o luxo de um tombamento provisório em 14 de dezembro de 1978 e, após uma surra de burocracia, firmou o tombamento definitivo em 26 de janeiro de 1983. Mas nem só de decretos se faz um monumento reconhecido.
Decreto mais decreto a menos, essa fortaleza agora existe legalmente _ e muito pouco além disso. Ficou linda no papel, enquanto na vida real continua gentilmente à espera de uma restauração que não aparece nem em campanha eleitoral de vereador da região.
Atual situação
Hoje, as ruínas nos observam com uma paciência silenciosa: tombadas, porém esquecidas; reconhecidas por lei, mas ignoradas na prática. Suas pedras resistem ao descaso cotidiano, mas ainda sonham com uma restauração — ou, quem sabe, uma intervenção que o transforme em mais do que um cartão postal invisível.
Esse traçado final é um suave lamento: ali jaz uma fortaleza cujo maior feito atual é estar bem distante da chegada de obras de reabilitação ou de algum tipo de visibilidade que não seja o abandono erudito.
Texto de Jan Theóphilo.
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