Outra coisa que Manoel das Moças gostava de fazer - e o fazia com muita frequência - era espiar a Lua, através de um caco de espelho, para "ver a santinha Alzira, sua noiva, cercada por 7 dragões de fogo". E ele fazia questão que todo mundo olhasse o tal pedaço de espelho, ansioso por uma confirmação. E a gente confirmava, naturalmente, porque a ninguém interessava destruir a sutileza daquela fantasia maravilhosa.
À tarde, o bom crioulo zanzava pelo Comércio, (era assim que a gente chamava a Rua Felipe Cardoso). Ali havia meios de ganhar novos trocados, carregando embrulhos, levando recados, etc. A alimentaçã era na base de um pão com salame no Seu Emilinho, uma fruta no Zé Carlos, uma cavaca na Confeitaria Royal ou uma média no botequim do Manoel Homem, isso quando não filava um prato de comida. E assim, catando carvão, carregando embrulhos, levando recados e, principalmente, mirando o caquinho de espelho para ver a Lua, Manoel das Moças ia vivendo.
Com o decorrer do tempo, notava-se que Manoel da Moças, notava-se que Manoel da Moças não era mais o "negão" ligeiro e disposto, cheio de vitalidade. Caminhava devagar, ofegante, demonstrando cansaço e desânimo. O saco com carvão coque lhe parecia pesar três vezes mais e os volumes que transportava, lá no Comércio, pareciam embrulhos de chumbo. Pobre homem!
Certa manhã veio a notícia: Manoel das Moças morreu. Muita gente foi até as obras de construção da nova igreja Matriz de Santa Cruz, onde ele andava dormindo, por trás de uns tapumes. Morrera de frio, enregelado. Junto do corpo, lá estava o tal caquinho de espelho, ainda embaciado pelo rigor da geada que acabara com o negro velho.
Alguns anos depois, os astronautas chegaram a Lua. Pena que o Manoel das Moças não tivera vivido até lá. Podia ter mandado um beijo para sua "santinha Alzira", ou uma rosa... sei lá.
Texto de Walter de Oliveira.
Fonte: Boletim NOPH 29 Maio / Junho. 1986.
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