quinta-feira, agosto 05, 2021

A história de Porto das Caixas - RJ


Gravura de casarões coloniais de Porto das Caixas em ruínas. Imagem colorida artificialmente. 
(Por volta da década de 1920). Autor: Henrique Cavalero.

Localizado no território do atual município de Itaboraí, foi um dos mais importantes portos de sua época. Quando o transporte fluvial perdeu sua importância, veio a decadência. Na virada do século XIX pro XX a região já estava parcialmente desabitada e em ruínas.

Segue o sensacional relato do grande acadêmico Guilherme de Andrade de Almeida, por volta da década de 20, uma verdadeira viagem no tempo:

"Foi numa terça-feira enlameada deste ultimo junho que eu vi Porto-das-Caixas.

Porto-das-Caixas, cidade de meu pae. 

Ambos morreram.

Tantas vezes o homem santo, que fez o meu corpo e o meu espírito, quiz revês, nunca reviu, a sua cidadezinha esquecida! Eu guardei, com cuidado, nos meus olhos, a imagem suave de meu pae, para trazel-a, um dia, á terra em que nasceu. E trouxe-a. 

Ahi, naquella terça-feira enlameada de junho, abri sobre o scenario de morte os meus olhos: e, numa lagrima, entreguei á terra o que era seu.

Será verdade que eu vi Porto-das-Caixas? - Não vi: revi. O passado a gente revê.

E Porto-das-Caixas é só um pedacinho de passado. Revi a cidade que tantas vezes eu já tinha visto nas palavras e no olhor da minha gente, quando, durante as simples conversas de familia, a saudade batia as azas naquelles labios e punha uma alma liquida naquelles olhos.

Aqui está, sobre a mesa em que escreveo, um rôlo de papeis. Tem este titulo: "O que sei de minha terra e dos meus". Leio, com uma commoção simples, e por isso mesmo forte, aquellas palavras que me mandou meu tio - Antonio de Almeida Junior - o mais antigo remanescente de minha familia. Elle me diz, na sua singeleza enternecedora:

"Porto-das-Caixas foi, em 1860, ponto incicial da Estrada de Ferro Cantagallo, contruida até Cachoeiras de Macacú, onde comea a subida da serra de Nova Friburgo. Era, nesse tempo, o porto das pequenas embarcações a véla que, vindas da Côrte, pela bahia do Guanabara e rio Macacú, traziam artigos de importação e levavam, em troca, os productos da lavoura de Cantagallo, Cordeiro, Friburgo, Tonguá, Rio Bonito... nesse commercio, predominavam então o café e o assucar, que vinham em caixas de trinta arrobas e mais. Dahi o nome: Porto-das-Caixas. Em 1861, ou 65, a Estrada de Ferro Cantagallo foi prolongada até Villa Nova que, dispondo de melhor porto, á margem da bahia, dispensando por isso a navegação fluvial e accessivel como era ás barcas a vapor (que faziam carreira té a Côrte em duas ou tres horas), attrahia toda a vida commercual dessa zona, paralysando por completo o movimento de Porto-das-Caixas. Peoraram ainda mais as condições da freguezia, com a inauguração do ramal para Rio Bonito e Campos. Em 1867, quando nos mudamos de Porto-das-Caixas, havia ahi duas igrejas - a de N. S. da Conceição e a de Santo Antonio -, um theatro, duas escolas, um jornal bi-semanal, algumas ruas calçadas de pedras irregulares, bôas casas de negócio e vivendas de luxo... Foi tal a decadencia do logar, que se demoliram as casas para vender os seus materiaes. A casa em que nasci era um sobrado - e teve a mesma sorte... Meu pae contava que..."

Era bem ella, que eu via: "a cidade d'antes tão populosa, e hoje tão sozinha".

Ao entrar na pequenina villa, senti pedras sob a relva brava da estrada, onde meu passo incerto cantou com um estirpe, conduzindo grandes senhores de numerosa escravatura e barcos muitos... Toquei farrapos de paredões espessos, pesados, de granito britado e terra socada, apegados ainda com terror a largos portaes talhados numa só pedra: - e aquelles paredões contaram-me a gloria e o brilho da chacara de meus avós, dos nobres casarões hospitaleiros, acessos de vida rica, num tempo feliz que desmoronou com elles... Desdobrei o olhar sobre um humido capinzal espetado de um verde tenro: - e aquellas hervas narraram-me a história irrequieta do Rio da Aldeia, opejado de carcaças, ondulado de frótas mercantes, numa trama de mastros e cordames, que levavam a riqueza do altiplano á Guanabara: e narraram-me que o rio, obstruido, seccára e que, secco, privára da seiva a cidade viçosa que feneceu, como uma flôr, na ponta do caule murcho... Procurei á margem do rio extincto, um vestígio de cáes: - e as pedras enormes que vi falaram-me de um porto onde as caixas de assucar se empilhavam de mil em mil, depois barganhadas pelo café que descia no lobo das tropas tributarias de Friburgo, Catagallo, Santa Maria Magdalena... Olhei, de olhos admirados, para os doze portaes graniticos, intactos, de um trapiche: - e aquelles arcos de pedra, e aquelles argolões de ferro, pendurados entre os pilares, disseram-me da importância antiga de um grande armazem, um descommunal deposito de mercadorias, de uma cidade entreposto, todo atulhado de gente e mantimentos, com carcas ariscas oscilando na agua, atadas aos anneis de metal; tropas inquietas escouceando as portas, entre gritos roucos de tropeiros nús, activos, contando pratas; vozes de feitores, ásperas, rapidas como chicotadas estalando sobre filas fulas de escravos... Porto-das-Caixas.

Estou pensando naquella rua de Sto. Antonio, escura e selvagem de abandono, que sóbe para a fazenda  da Cruz.

Ali, á esquerda, entre a trama verde e brava de uma capoeira alta, qualquer coisa de oiro brilhou para os meus olhos. Rompi o matto - e vi. Vi os restos - a capella-mór - de uma igreja rica. A igreja de S. Antonio.  Nos altares ainda intactos, os santos coloridos velavam. Mas as imagens tinham os olhos apagados e os dedos descarnados: e nas suas órbitas vasias os marimbondos fizeram ninho, e entre as suas mãos plangentes a aranha felpuda  esticoua teia hypocrita. E, no meio de toda aquella desolação..."

Segue em anexo imagens das ruínas por volta da década de 1920. Além de imagens mais recentes.


Foto de Porto das Caixas em ruínas. 
Fonte: Alberto Ribeiro Lamego.


Foto de Porto das Caixas em ruínas. 
Fonte: Alberto Ribeiro Lamego.


Gravura com vista das ruínas de Porto das Caixas. Imagem colorida artificialmente. 
(Por volta da década de 1920) . Autor: Henrique Cavalero.


Estação de Porto das Caixas. Fonte da imagem: Site Estações Ferroviárias.


Gravura de ruínas em Porto das Caixas. 
(Por volta da década de 1920)
 Autor: Henrique Cavalero.


Gravura de mais ruínas em Porto das Caixas. 
(Por volta da década de 1920) 
Autor: Henrique Cavalero.


Gravura de um palacete abandonado em Porto das Caixas. Imagem colorida artificialmente. 
(Por volta da década de 1920) 
Autor: Henrique Cavalero.


Gravura do Rio da Aldeia, onde se localizava o Porto das Caixas. 
(Por volta da década de 1920) 
Autor: Henrique Cavalero.


Esse é o primeiro túnel ferroviário do Brasil, que há alguns anos estava assim, soterrado! 
Fonte da imagem: Site Estações Ferroviárias.


Imagem mais recente onde aparece a caixa d'água e a casa de turma da Estação de Porto das Caixas. Fonte da imagem: Site Estações Ferroviárias.


Estação de Porto das Caixas. 
Fonte da imagem: Site Estações Ferroviárias.


Placa indicativa do primeiro túnel ferroviário do Brasil. 
Fonte da imagem: Site Estações Ferroviárias.


Gravura do interior de um palacete abandonado em Porto das Caixas. 
(Por volta da década de 1920) 
Autor: Henrique Cavalero.


Gravura das ruínas da igreja de Santo Antonio em Porto das Caixas. Era uma das duas igrejas da região. (Por volta da década de 1920) 
Autor: Henrique Cavalero.


Gravura do altar da igreja de Santo Antonio em ruínas. 
(Por volta da década de 1920) 
Autor: Henrique Cavalero.


Gravura de mais ruínas em Porto das Caixas. 
(Por volta da década de 1920) 
Autor: Henrique Cavalero.

 
Gravura das ruínas de um grande armazém de café em Porto das Caixas. 
(Por volta das década de 1920) 
Autor: Henrique Cavalero.

*Texto e pesquisa de Hugo Delphim, publicado na Página O belo e histórico Rio de Janeiro.

Postado aqui pelo administrador deste blog!

15 comentários:

Unknown disse...

Maravilhoso registro histórico!Saiba História sempre na frente. Parabéns, professor Adinalzir!
Leandro do Construindo História Hoje

Adinalzir disse...

Valeu Leandro! Muito obrigado pela mensagem e pela leitura.
Sempre firmes pela História!

Jonathan Pôrto disse...

O primeiro túnel ferroviário do Brasil até pouco tempo soterrado, o que esperar desde 1889 de uma República imposta por militares golpistas e empresários escravocratas? #monarquijá

Adinalzir disse...

É isso aí, valeu Jonathan Pôrto! Muito obrigado pelo comentário.

Polistyca disse...

Todo Petista e seus puxadinhos (Renan, amante do Petismo©, o amazonense chefão lá, analfabeto, o Voz-Fina puxa saco da religião cujo nome é Petismo©, PCdoB© etc.) ruminam direto, e sem exceção, uma vez que são GADOS do aPedeuTa lula© — o picareta — e da medíocre dilma®. Eles em vez construírem hospitais durante a “Copa das Copas®” do PT®, construíram foi prédios inúteis. O Petismo© é puro vigarismo.

Anônimo disse...

Meu Deus, se não fosse a bela história sobre Porto das Caixas- RJ aqui bem narrada, não saberia sobre o local que meu bisavô,AMARO ANTÔNIO GONÇALVES,casou em 15/10/1902. Parabéns ao ilustre professor!

Anônimo disse...

Caraca 🟥🟥🟥🟨🟨🟨
🟥🟥🟥🟨🟨🟨
🟥⬛ 🟥🟨⬛🟨

Anônimo disse...

Maravilhoso! Transportei-me para um lugar e para um tempo que adoraria ter conhecido e vivenciado.

Anônimo disse...

QUE LEGAL! PARABÉNS PELA HISTÓRIA,FUI LA QUANDO CRIANÇA,FOI MUITO BOM RELEMBRAR!

Anônimo disse...

Gostei muito de ver esses patrimonios istorico

Anônimo disse...

E Maravilhoso ter alguém que não não deixa a história morrer. Belo ver imaginado aquela época ,nos transportamos para vida daquele povo.Sou pintora,nossa! Como vi aqueles lugares cheios movimentação,e a natureza da

Anônimo disse...

Parabéns! Grata por nós trazer a história com gravuras.Chamo me Lucia Maria pintora

Schimidth disse...

Belo trabalho de resgate histórico e cultural. Parabéns! Monclair de Castro

Adinalzir disse...

Prezados amigos comentaristas!
Sei que as vezes fica complicado responder a todos vocês devido a demanda de perguntas.
Mas de qualquer forma fico muito honrado pela visita e pelo apoio.
Um abraço fraterno e um 2023 cheio de paz!

Anônimo disse...

Morei durante 20 anos nesse lugar, e ninguém nunca me falou tanto dela história, como esse texto. Obrigada por compartilhar comigo essa jornada.