segunda-feira, outubro 14, 2019

Lepanto, o destino do mundo em quatro horas


A Batalha de Lepanto, pintura de um artista desconhecido. (Reprodução/Encyclopaedia Britannica)

A Batalha naval de Lepanto, travada em 7 de outubro de 1571 foi apenas uma das inúmeras batalhas travadas para salvaguardar a Cristandade do século XVI da invasão turca otomana, mas em contra partida foi a mais importante. A batalha teve dimensões imensas e ressoa até os dias de hoje.


Na ocasião o destino do mundo se decidiu em quatro horas. Mais de 40.000 homens morreram e milhares foram feridos. No entanto, aparentemente o resultado foi exitoso, pois nunca mais a frota muçulmana representou um grave perigo para a Europa a partir do sul, embora, é claro, as frotas muçulmanas continuassem ocupadas expandindo suas bases na costa africana, assediando navios e territórios ocidentais no Mediterrâneo.

Mas quais fatores desencadearam um conflito bélico tão grande?

Basicamente podemos afirmar que a presença turca sempre representou uma ameaça à Cristandade, tanto no Mediterrâneo quanto em seus sucessivos ataques aos portões de Viena, a capital do Sacro Império Romano-Germânico, os ataques mais graves aconteceram em 1529 e 1683. Todos fracassaram. Hoje em dia é difícil acreditar que as águas calmas do mar Mediterrâneo já foram palco de cercos, batalhas e guerras, mas isso de fato aconteceu. Elas viviam constantemente manchadas de sangue.

Em meados do século XVI, duas potências disputavam o controle do Mediterrâneo: a Espanha (dona da Sicília, Sardenha e Nápoles) e o Império Otomano (cujos domínios se estendiam dos Bálcãs ao Egito). Em 1565 as costas italiana e espanhola estavam cada vez mais ameaçadas e Ilha de Malta estava prestes a ser tomada. Para piorar a situação os estados berberes do norte da África (vassalos do Império Otomano) sobreviviam da pirataria, saqueando os portos da Espanha e da Itália e atacando seus navios em alto mar.

Quando os turcos atacaram a ilha de Chipre em 1570 – uma possessão veneziana – essa agressão resultou na formação da chamada Liga Santa, composta pelo Papa Pio V, a República de Veneza e a monarquia espanhol representada então por Filipe II. Foi a gota d’água. A participação espanhola, foi de grande importância para o sucesso da Liga, dado o poderio militar da Espanha, que era o Império onde o sol jamais se punha.

A Espanha, também auxiliou os Cavaleiros da Ordem de São João ou Ordem de Malta, a defender Chipre. Todos esses ataques e assédios eram vistos como afrontas e realmente o eram. Os combates eram difíceis e se lutava por cada centímetro de terra. Como já citado diante do perigo crescente, Espanha, Veneza e os Estados papais formaram uma aliança para enfrentar o exército turco e impedir seu avanço.

O comando geral foi concedido a Dom João da Áustria, o filho natural do falecido imperador Carlos V. No entanto, cada nação também contribuiu com um capitão para sua facção. Depois de se concentrar em Messina, o exército cristão navegou em direção às águas gregas em meados de setembro de 1571. Chipre, após a capitulação da cidade de Famagusta, caíra nas mãos dos otomanos, mas havia a possibilidade de derrotar a frota turca atracada no Golfo de Lepanto, no leste da Grécia.

De acordo com José María Blanco Núñez, em entrevista para o site ABC, a Liga Santa reuniu uma das maiores frotas que navegaram nos mares ao longo da história. Possuíam de acordo com os cálculos atuais cerca de 228 galés, 6 galerias, 26 navios e 76 menores. Os cristãos também contavam com a tecnologia a seu favor, pois suas tropas tinham muitos arcabuceros. Estes tinham vantagem sobre os arqueiros otomanos, já que a pólvora tinha mais alcance e causava mais dano que as flechas.

Em 7 de outubro durante a manhã, e com a estranha calma que geralmente precede a amarga batalha, os dois esquadrões terminaram seus desembarques. No centro da frota cristão encontrava-se o navio A Real, de Dom João da Áustria. O flanco esquerdo, composto pelos venezianos, era comandado por Agostino Barbarigo. Dom João designou Andrea Doria e a frota genovesa para a ala direita. Ele ainda manteve em reserva a uma curta distância atrás da linha de batalha principal, os Cavaleiros de Malta. Por último, mas não menos importante Álvaro de Bazán tinha sob sua responsabilidade as galés da reserva.

De frente para a Liga Santa, a imponente frota turca permanecia desafiadora. No centro, a bordo de La Sultana estava o terror dos cristãos: o jovem almirante Ali Pacha. À sua direita, estava Scirocco, rei de Alexandria e à sua esquerda estava Uluch Ali, rei de Argel. Era Dom João contra Ali Pacha. Barbarigo contra Uluch Ali e Andrea Doria contra Scirocco. Todos os soldados tinham naquele dia uma missão: morrer por sua pátria, sua fé e suas ideias. Todos cristãos e turcos eram inimigos naquele momento. De um lado estava Deus, de outro lado estava Alá e só um podia ser o Senhor de todos.

Num dado momento a tensão se tornou tão grande que não havia mais o que esperar. As duas frotas mais poderosas do mundo estavam frente a frente e num ritmo único, pouco mais de seiscentos navios se moveram para encontrar-se. “Filhos, viemos morrer, ou vencer, se o céu assim quiser“, foi com esse grito de guerra que Dom João incitou seus homens a irem a batalha sem medo e foi exatamente o que fizeram.

Os cristãos sabiamente, de acordo com o site ABC, colocarem suas galeaças, que eram praticamente fortalezas flutuantes venezianas, à frente da frota aliada para atacar os otomanos. O plano funcionou perfeitamente, pois quando seus inúmeros canhões fortemente carregados de chumbo e tiro, abriram fogo e atingiram as tropas de Ali Pacha, enviaram várias galés para o fundo do mar. Isso fez com que os turcos rompessem a formação.

Não faz sentido narramos detalhadamente cada ponto da batalha neste artigo, pois ele ficaria tão longo que viraria um livro de 500 páginas. Basta dizer que, a partir do centro, as galeaças e galerias destruíram um navio muçulmano após o outro. Os navios muçulmanos que não foram afundados ou destruídos pelos cristãos se viram invadidos. Apesar de usarem armaduras que repeliam a penetração das flechas muçulmanas, mesmo assim nuvens inteiras de flechas derrubaram muitos homens cristãos, incluindo Barbarigo, que foi atingido no olho direito.

O ponto alto e derradeiro da batalha, sem sombra de dúvidas, foi o momento onde por fim, os dois navios dos capitães gerais entraram em choque. Dom João liderou o ataque a embarcação inimiga. No total se levou uma hora para tomar A Sultana. A resistência dos desmoronou quando Ali Pasha morreu ao ser baleado no olho. Os cristãos não perderam tempo e fizeram daquilo um grande triunfo. A cabeça do almirante muçulmano foi cortada e erguida no alto de uma lança para ser montada na proa de A Real.

Na esquerda cristã, os venezianos atacaram com raiva quase cega e quebraram a linha da direita muçulmana com relativa facilidade, atacando e derrotando os navios isolados. Os soldados matavam uns aos outros como moscas. Um fato que ajudou ainda mais a baixar a moral muçulmana foi a captura do Estandarte dos califas. Ele havia sido dado pelo próprio sultão Selim II a Ali Pasha. Era verde e continha textos do Alcorão e o nome de Alá estampado 28.900 vezes em letras douradas.

Ao mesmo tempo em que o estandarte era abaixado, gritos de vitória entre as fileiras cristãs iam passando de uma galé para outra. Assim os turcos começaram sua retirada. Mesmo assim muitos marinheiros passaram horas usando suas lanças para matar marinheiros muçulmanos e soldados lutavam no mar com eles. Além do valor militar muito importante, a batalha teve boas consequências para a Espanha e os demais Estados envolvidos. Quando a notícia chegou a Europa todos respiraram aliviados e os sinos das igrejas e catedrais tocaram por todas as cidades e campos.

De acordo com o artigo La batalla de Lepanto: dos armadas frente a frente escrito por Juan Carlos Losada. O Liga Santa perdeu 15 galés (sendo uma delas capturada), 7.650 homens foram mortos e 7.784 homens ficaram feridos. No lado otomano, 15 galés afundaram e outras 160 foram capturadas. Muitos soldados também morreram. O número exato de mortes é desconhecido, mas é avaliado em cerca de 30.000 e cerca de 8.000, se transformados em escravos.

Dizem que as grandes vitórias são sucedidas por grandes decepções. Não foi diferente com Lepanto. Veneza, que era um estado essencialmente comercial, sendo uma república de mercadores, selou três anos depois um tratado de paz com o sultão otomano. Foi uma traição ao Papa e a Espanha. Ademais Veneza teve de pagar um tributo a Istambul e entregou o domínio de Chipre. Em um contra ataque Tunes foi tomada dos espanhóis no mesmo período.

Lepanto é até os dias de hoje protagonista de recriações históricas pela Europa. Alguns modernos vêm isso como uma incitação a violência e um ato islamofóbico. Outros como eu, o vêm como um ato in memorian de uma batalha que de uma maneira ou outra foi essencial para a sobrevivência da civilização Ocidental como conhecemos, ou melhor como conhecíamos.

Este artigo foi redigido por Fernanda da Silva Flores

A autora permite a livre divulgação deste texto e a tradução integral ou parcial do mesmo, sem alterações ou falsificações, para outras línguas desde que seja citada a fonte e a autoria.

Fontes consultadas:

VILLATORO, Manuel P. Lepanto, la decisiva batalla naval donde los cristianos arrasaron a la flota turca. Disponível em:
https://www.abc.es/historia-militar/20130426/abci-batalla-lepanto-cristianos-turcos-201304252106.html  Acesso em: 6. set. 2019.

LOSADA, Juan Carlos. La batalla de Lepanto: dos armadas frente a frente. Disponível em: https://www.nationalgeographic.com.es/historia/grandes-reportajes/la-batalla-de-lepanto_8422/2  Acesso em: 6. set. 2019.

Qué ocurrió en la batalla de Lepanto?  Disponível em:
https://www.muyhistoria.es/curiosidades/preguntas-respuestas/ique-ocurrio-en-la-batalla-de-lepanto  Acesso em: 6. set. 2019.

NOVAK, Michael. How the 1571 Battle of Lepanto saved Europe. Disponível em: https://www.catholiceducation.org/en/culture/history/how-the-1571-battle-of-lepanto-saved-europe.html  Acesso em: 6. set. 2019.


Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

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