sábado, setembro 22, 2018

Caso da Fazenda Botafogo - Crime ao Patrimônio Histórico


Programa Minha Casa Minha Vida destrói a memória do subúrbio colonial carioca.

Recebi a informação de que a Casa Sede da Fazenda Botafogo já não existe mais: foi demolida há 3 anos e meio!

No Grupo de Estudos do INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DA BAIXADA DE IRAJÁ - IHGBI, do qual faço parte, fizemos o levantamento sobre a região procurando fontes em arquivos, referências bibliográficas (raras, praticamente esgotadas), usamos dados georreferenciais, e buscamos também a memória da população local. Quanto ao recorte geográfico, a Baixada de Irajá - que abrange a antiga Freguesia do mesmo nome – hoje está fragmentada em 39 bairros e compreende também partes de Realengo (Piraquara).

A Fazenda Botafogo era o último patrimônio de alto valor histórico para esta região. Existia desde a segunda metade do século XVII. Recebeu este nome por causa do Sr. Botafogo (alcunha), e ele recebeu em "dote" por ser de uma família nobre, que recebeu gratificação pelos serviços prestados à Coroa.

Confrontava ao leste com as terras da Fazenda e Engenho Nossa Senhora da Conceição de Pavuna, pelo oeste com as terras da Fazenda e Engenho Nossa Senhora de Nazareth, ao Sul com a Fazenda da Boa Esperança, e ao norte com a Freguesia São João Batista de Merity.

O local foi uns dos maiores produtores de açúcar e aguardente da Freguesia de Irajá durante alguns períodos. Segundo o Jornal do Comércio de 1839, o Engenho Botafogo - (fábrica de açúcar, rapadura e aguardente), Produziu 24 pipas de aguardentes neste ano.

Teve diversos proprietários anteriormente, mas, na segunda metade do século XVIII, seria da família Coutinho. Por volta de 1883, aparece em cena o Sr. Luis de Souza da Costa Barros, que seria sobrinho de Ignácio Coutinho e herdaria a casa-sede da fazenda oficialmente em 1887. Anos mais tarde, a herdeira seria sua filha D. Luíza Barros de Sá Freire (nome de casada), que faleceu com 99 anos em 1971. A família ficou com a fazenda até o ano de 1981, quando o governo desapropriou o que restava das terras (66.186 m²).

As terras da Fazenda Botafogo, iam até o outro lado da Av. Brasil, onde está o polo industrial (Eternit e outras empresas). E ao norte, alcançava as margens do Rio Pavuna.

O latifúndio abrangia os bairros de Costa Barros, Barros Filho, Coelho Neto (Conjunto Fazenda Botafogo) e partes da Pavuna (à esquerda do metrô), com área superior a 2 milhões de metros quadrados.

Antes da desapropriação, a antiga proprietária vendeu as terras mais afastadas da casa-sede; os morros da Pedreira e da Lagartixa foram repassados para o I.A.P.I na década de 1950. Poucos anos depois, a Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro - CEHAB-RJ, adquire o terreno.

Na Secretaria Municipal do Urbanismo - SMU encontram-se alguns projetos de abertura de ruas no alto dos morros da Pedreira e Lagartixa, de 1978. O processo de ocupação da parte alta iniciou-se naquele ano e prosseguiu até 1983, para realojar famílias das favelas demolidas da Zona Sul. Os terrenos da CEHAB sofreram invasão ao longo dos anos 1980 e 1990.

Segundo um antigo morador da região, a comunidade começou a existir, porque um padre da paróquia São Luis - Rei da França abrigou pessoas sem-teto, por variados motivos.

No início dos anos 1980 a comunidade estava em fase embrionária e os morros ainda estavam pouco ocupados (Observação: Não se trata em absoluto de mostrar desprezo pelos moradores das comunidades, mas, apenas estou de fazer o levantamento histórico na região).

A construção que deveria ter permanecido como um marco histórico da ocupação da Zona Norte do Rio de Janeiro, infelizmente, não existe mais, enquanto tantos terrenos vazios, e prédios sem uso que poderiam atender à necessidade de abrigar moradias populares, foram desconsiderados ou vendidos para a iniciativa privada.

Atualizações: Segundo as informações cedidas pelo sr. Luiz Henrique Reis: A avó do Sr. Luiz, era funcionaria de D. Luiza. Após a expulsão da família Sá Freire, ficou sob os cuidados de seus ex-funcionários. A partir de 1982, a família dele, cuidou com muito prazer da sede da fazenda, até o retorno da família.

A família Sá Freire, voltaram a morar no local nos finais de 80, mesmo assim, foram intimados pela prefeitura e expulsos do local em 1994.

Quanto aos antigos funcionários da casa, a prefeitura tratou de realojar-los, nas ruas próximas à sede da fazenda. (Rua Grande Otelo e outras, que provavelmente foram criadas no programa Favela - Bairro). E a casa teve um triste destino, ficou mais de 15 anos abandonada e invadidas por "sem-tetos"!

Conclusão: O estado não teve compromisso de preservar a história local, mantendo o casarão protegido e bem cuidado. Claramente teve segundas intenções, e aí está o resultado.. A nossa história foi para o lixo!

Acima, temos as imagens do satélite extraídas do Google Earth mostrando a evolução do descaso do governo, e mais a imagem cedida pelo antigo morador da fazenda, genro do filho de D. Luiza.

Descrição das Imagens:

2003: A casa sede estava conservada, com poucos invasores. Porém, foi parcialmente destelhada, por uma minoria que vivia em seu entorno.

2006: O terreno estava sendo invadido por dezenas de famílias sem-teto, e a Casa-Sede sofreu graves descaracterizações na parte de cima (telhado), pois começaram a construir "puxadinhos" em cima dela.

2009: A ocupação dos invasores chega ao auge, quase não há espaço no terreno para construir mais barracas de madeira e tijolo.

2011: O último ano da existência da Casa-Sede.

2012: Houve a remoção dessas famílias no local e a destruição do último patrimônio da Baixada de Irajá, que representava as fazendas de açúcar.

2014: Preparação do terreno para a construção dos apartamentos que pertence ao programa: "Minha Casa Minha Vida". Sem sequer contratar arqueólogos especializados em cuidar de rastros de antiguidades.

2015: Parte 1 - Obras do apartamento em andamento. Parte 2 - Obras chegando ao término. A última imagem é a própria Fazenda Botafogo, pintada por Maria Sá Freire.

Texto e revisão: Cleydson Garcia.
2° revisão: Andréa Albuquerque G. Redondo.
Imagens: Cleydson Garcia.

Originalmente postado na página Conheça a Memória e a História do Rio de Janeiro.

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego.

4 comentários:

Cleydson Garcia disse...

Lamentável essa perda!! Poderia ser um grande centro de memória no subúrbio do Rio! Esses políticos, só fazem cagadas!

Adinalzir disse...

Exatamente Cleydson Garcia. Infelizmente vivemos num país de tontos. Com políticos tontos e povo tonto. Por isso nós estamos assim.

Unknown disse...

Isso acontecia com frequência no R.J E NO BRASIL TODO. É UMA FALTA DE RESPEITO.

André asaf disse...

Lamento pela perdão das nossas memorias. Morro no conjunto fazenda Botafogo ( Coelho neto) e não sabía disso.