sexta-feira, junho 29, 2018

Para quem gosta ou morou em Campo Grande


Praça Raul Boaventura - Campo Grande - RJ - Anos 1960-1970.
Arquivo de Adinalzir Pereira. Colorização de Reinaldo Elias.

Tenho lido muitos comentários a respeito de um bairro aprazível em sua história e revoltante em seu presente. Curioso é que eu tenho amigos no face dos mais longínquos lugares e a enxurrada de comentário é maior do que todos os demais reunidos. O que estaria acontecendo? Seria exagero dos comentaristas ou uma verdade e realidade difíceis de serem aceitas.

Infelizmente é o retrato da realidade que se estende sendo o retrato da própria vida. Uma vida que tinha seus dias preenchidos por um bucólico romantismo, porém, que preenchida por uma sequência de inesquecíveis momentos.

Como esquecer a passagem pela linha férrea próxima à velha estação marcada de cada lado pela presença de um Mercado São Domingos de cada lado. Ali juntinha a Rua Ferreira Borges com sua velha delegacia, onde os presos eram bêbados que incomodavam as pessoas na rua, quando tinha algo mais sério até o Sr. Roberto açougueiro dos bons ia com a turma, parecendo mais uma guarda comunitária.

Rodoviária! Que rodoviária que nada, ali era o depósito das carrocinhas da limpeza pública hoje, Comlurb. Na calçada saía o velho 345 Campo Grande-Comari, via INPS, um pouco antes era uma parada e contorno dos bondes. Ao lado na Ferreira Borges, saía a velha e antiga linha Méier Campo Grande, um turismo pelo Rio de Janeiro. E a 786 Campo Grande – Marechal Hermes, bem próximas do Colégio Batista de Campo Grande.
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Saindo da passagem pela linha férrea, que deu lugar ao túnel que vive emporcalhado e mal cheiroso, subia-se a Coronel Agostinho, hoje calçadão de Campo Grande, que por ineficiência das autoridades virou um lugar propício para punguistas e assaltantes. Ali estava a Sapataria Santa Teresinha, onde peguei meu primeiro uniforme completo do Colégio Raja Gabaglia, via caixa escolar e vizinha da Casa Eunice, uma tradição do bairro. Seguindo lá estava uma lojinha pequena à esquerda de quem sobe, onde comprava todos os artigos para que minha mãe pudesse costurar, era simplesmente o tudo. A loja passou para o lado direito de quem sobe e transformou-se na grande Silbene, hoje uma simples lembrança na mente de quem a conheceu. Ao lado, o mercado popular municipal, onde os agricultores do rio da Prata, da Ilha de Guaratiba, da serrinha do Mendanha e regiões próximas traziam seus produtos para vender. Era triste, quando chovia, caminhar algumas vezes por atoleiro entre as barracas. Bem juntinha vinha uma mostra do que é um bairro ter tradição: Whirts chaveiro, Máximo Tamancaria, Sebastião Moreira e o Rápido Campo Grande que juntamente, com o bigode de fogo, davam vida nova aos velhos calçados. Próximo deles estava a famosa Casas da Banha, cujo velho Chacrinha e um casal de porquinhos tornaram-na famosa. Na esquina do Beco do Seridó surgiu a Magal, hoje Superlar, inaugurada com um show de Roberto Carlos, que obrigou todo o comércio a fechar, pois, não cabia todo mundo na velha Coronel Agostinho.

Seguia-se, e chegávamos a Sorveteria Campo Grande, na Cesário de Melo onde hoje está a modernidade, um mini Shopping de produtos de informática. O sabor que se imaginasse lá estava, até que os primeiros sinais de violência aportassem por aqui e desse um ponto final a estas delícias. Em frente a sorveteria estavam unidas e juntas por uma folha de papel, Papelaria IV Centenário e Gráfica Campo Grande e junto a elas a velha Escola Venezuela, cuja matrícula número 01, era de um conhecido personagem do bairro, que ficou famoso como “Melhoral”. Dois passinhos e estávamos na Matriz de Nossa Senhora do Desterro, toda imponente sobre uma elevação de terreno e vista de todos os pontos do bairro, com seu sino pontual às seis horas da tarde. Muito dessa pontualidade, graças à família Arzua. Passava-se pelo velho distrito de Obras, depois Coletoria Pública, DEC, CRE e finalmente estava diante da maior representação cultural de toda Zona Oeste, talvez de boa parte do Rio de Janeiro: Colégio Belisário dos Santos hoje, um estacionamento popular. Ali se formaram verdadeiros homens, lustres autoridades, grandes personalidades políticas, militares, eclesiásticas e gente do povo que tiveram aula de civismo, patriotismo, respeito, educação, honestidade e formação para a vida. Tenho um orgulho que deixo como tesouro para os meus filhos, ter sido professor e coordenador por quatorze anos desta maravilha da cultura nacional.

 Campo Grande visto do alto da torre da Igreja de N. S. do Desterro

Continuávamos Rua Augusto Vasconcelos abaixo e logo na esquina estava o café da manhã, sempre saboroso do Senhor Joaquim, que o filho hoje tem um serviço de alto-falante chamado Avaré. Ou o do Senhor Motta, cuja filha Emília, minha aluna no Belisário tornou-se uma grande mestra de Geografia. Próximo o velho BEG, depois BANERJ e finalmente ITAÚ. Na outra ponta do Beco do Seridó, lá estavam duas partes da história de Campo Grande: o restaurante com seu eterno cheirinho de comida caseira e a Academia Dynear Plaza onde muitos deram seus primeiros acordes de violão, órgão, piano e outros. A partir dali conhecemos grandes músicos como, por exemplo, minha ex-aluna Maria Lúcia Barros, filha do saudoso amigo professor João Gualberto Barros, que é a cravista número 1 do mundo, uma honra para nosso bairro. Aliás, falar de cultura musical por aqui é chover no molhado, pois, começando por Adelino Moreira, passa por Adilson Ramos, pela turma do Silvery Boys onde estavam Zezinho e seu irmão, Altamir, Sidney do Renato e seus Blue Caps, André Luis músico das onze, craque de bola e mestre de física, Weber Werneck, os irmãos Assad, Zeca do Trombone, Ney músico, arranjador e produtor e tantos outros que precisaríamos falar só de música num outro texto, para citar-se o Parece que Bebe, O Sereno, O Filhos da Pauta, o Embaixo do Viaduto e tantos outros que marcavam o carnaval de famílias e de alegria que se fazia por aqui, onde destaques como a mulinha de seu Whirts e os blocos de sujos externos pelas pessoas mais limpas internamente.

Fechávamos este pequeno circuito que era usado pelos desfiles de blocos, pelos desfiles cívicos e algumas vezes por procissões religiosas, com a chegada à Praça Raul Boaventura, justa homenagem a um membro de uma família que prestou grandes serviços ao nosso Bairro-Cidade. Ali estava em sua acanhada, porém, eficiente loja, o posto do Correio Brasileiro, vizinho de uma das mais antigas lojas, onde se comprava o long-play desejado, a casa DUX, dos Vitari. Em frente a Estação Ferroviária, onde passaram trens a vapor, elétrico, para Campo Grande, para Santa Cruz, para o Matadouro, o especial da Aeronáutica, a litorina especial para a Central do Brasil por pouco tempo, o parador, o direto, o especial para o Maracanã pouquíssimas vezes e outros que ficaram pelo tempo.

Ali bem próximo entrávamos na Rua Viúva Dantas, aliás, aqui se faz um parêntese, muitos dos personagens que dão nomes as ruas de Campo ,Grande são parentes. Nesta rua está mais um pouquinho da história de nosso cantinho glamoroso. Tavares, Ultralar, Dib´s, CINQ só para começar. Ali esteve, está e continuará por muitos anos a referência em análises clínicas, o Laboratório Tinoco. Tive a honra de conviver com o patriarca e dar aulas aos três que mantiveram a marca famosa, nos padrões criados pelo velho Tinoco.

Banco Itaú? A pouco, pois, ali funcionava uma das mais tradicionais agremiações esportivas do Estado e Clube Social da linha familiar. Ali surgiu Zeny de Azevedo, o popular Algodão, que foi deca-campeão pelo Flamengo e bicampeão Mundial, emprestando hoje seu nome ao ginásio poliesportivo do Centro Esportivo Miécimo da Silva, homenagem para lá de justa. O Clube dos Aliados de grandes bailes, grandes festas e momentos importantes de nossa região, deu lugar a uma agência do Banco Itaú e hoje resplandece em uma grande área da Estrada do Mendanha. Juntamente com o Luso Brasileiro, do qual tive a honra de ser primeiro diretor e depois vice-presidente, onde conheci figuras ímpares da sociedade campograndense como o Sr. José Valgode (sapataria Dá no pé dá no preço), através de quem fui para a diretoria, Prof. Avany Magalhães, um exemplo para mim e uma aula de vida, como foi meu eterno mestre, diretor e ídolo Dr. Helton Alvares Veloso de Castro e está sendo até este momento o mestre Alcir Pimenta, os comerciantes locais Roberto Santos, Nelson dos Bananais, Ribeiro, Artur da gráfica, Chianca, administradores com relevantes serviços como Nilson, Paulinho e Robertinho (Cedae), médicos renomados Dr. Villa e Dr. Malaquias, engenheiros de destaque Dr. Sady e Dr. Agilson Baroni. Ali conheci o que era capacidade de jovens como foi a Ala jovem do clube e uma dupla que vi fazendo sucesso e ajudando por demais o clube em sua ascensão, quando as finanças e consequentemente a arrecadação eram fundamentais: Fernando Valgode e Claudio Chianca A estes espaços principalmente culturais juntava-se a Associação 10 de maio, dando ao Bairro um toque de lazer e cultura, por onde se destacaram Mestre Saul, Oswaldo Machado, Nancília Pereira, Waldir Onofre, Neris Cavalcanti e tantos outros escritores, pintores, artesões, poetas e poetisas, entalhadores e artistas de diversas áreas.

Nossa história é maior, nosso bairro era uma estrela que brilhava forte numa constelação de pequenos brilhos pela cidade. Que bairro do Rio de Janeiro ou que outras cidades que não são capitais tinham ao mesmo tempo três deputados estaduais (Jair Costa, Dílson Alvarenga e Miécimo da Silva) dois Federais (Alcir Pimenta e Daniel Silva) e que diferente da política atual, fizeram seus patrimônios simples, muito mais por suas profissões, professor, médico etc. do que propriamente pelo cargo político exercido. Fizeram graças ao seu próprio trabalho. Transitamos de uma fase meio colonial para a de um bairro com cara de cidade. Em qualquer setor profissional nosso bairro conta com figuras de relevância até mesmo no cenário nacional, como dirigentes, comandantes e responsáveis diretos que nos enchem de orgulho como Doracil Corval, comandante geral da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. A este se juntam vários outros, muito bem retratados no livro Personalidades da Zona Oeste, brilhante trabalho da escritora Nancília Pereira.

Nosso rincão tem espaço de alegrias e realizações, porém, aos poucos vai nos deixando triste com as modificações que se apresentam, principalmente no comportamento das pessoas e na mudança de hábitos da sociedade como um todo. Orgulhamo-nos de termos Colégio Nossa Senhora do Rosário, Colégio Afonso Celso, porém, sentimos falta de algumas irmãs que por lá passaram, do casal Sreder Bastos, do Monteiro Lobato no calçadão, com as três senhoras que o dirigiam e em educação estava um passo adiante. Temos a alegria de contarmos com o Golfinho Amigo, porém, não temos mais Afonsinho e o espaço Júnior do Belisário (Heltinho). Temos boas churrascarias sem no entanto, podermos almoçar no restaurante do Pepe, temos telefones celulares, porém, a velha Cetel  em frente a padaria do misto de padeiro e músico senhor Marques, nos atendia melhor que as operadoras fixas atuais. Temos clínicas com especialidades e equipamentos, porém, as velhas do Carmo, Joari, Urgil, Santa Lúcia, Campo Grande e o velho Rocha Faria atendiam muito melhor.

A infância e a adolescência nos permitiam escrever linhas da história da vida que borracha nenhuma do tempo apagará; brincávamos na rua de amarelinha, hoje amarelamos de medo; rolava um polícia-polícia ladrão entre as ruas e os colegas de rua. Hoje polícia – ladrão – traficante – milícia - o outro  não é de brincadeira, é a vera. Dessa forma, isto é, a vera, só bola de gude colorida ou não, que usávamos para zep, triângulo ou roda. Hoje, usam dentro do coquetel molotov. Lembro-me que vinhamos do Campo Grande Atlético clube, outro orgulho nosso, pois, chegou a ser Campeão da Taça de Prata, indo para a 1ª divisão onde estavam Cruzeiro, Internacional, Corinthians, Santos e outros grandes do Rio de Janeiro, pela madrugada, após o baile e cantávamos pela rua as músicas que acabávamos de ouvir. Hoje, na saída dos bailes o único som é bala cantando.

Passa um filme pelas nossas mentes com a Administração Regional ainda na Cesário de Melo, hoje um prédio mal conservado longe do Centro; do velho Sara onde hoje é a agência do Bradesco em frente ao Beco do Seridó, hoje também longe do centro e apesar da estrutura humana bem montada, não consegue exercer o papel que deveria.

As casas de famílias vão dando lugar a lojas e salas comerciais, as famílias como se num estalar de dedos desaparecem, indo para pontos distantes de nosso bairro (eu me penitencio, pois, fui um dos que fez isso) e aos poucos vai se descaracterizando o mais charmoso dos bairros do Rio de Janeiro, cuja a avassaladora especulação imobiliária, juntou-se a uma proliferação de conjuntos habitacionais, a uma insegurança pela falta de controle fruto de um crescimento sem planejamento e hoje um bairro família, transformou-se num bairro popular. Mantém sua história, porém, em papéis guardados, algumas mentes, e em construções que teimam em resistir ao tempo. Já é hora de criarmos uma casa de cultura, não necessariamente um museu, para que possamos preservar essa história, que sem exageros, contada em sua íntegra é mais bonita do que a de muitas cidades.

Aos meus irmãos campo-grandenses fiz um relato muito resumido e com certeza, omiti fatos, casos e personagens, porém, não foi por esquecimento, mas sim, para que tornasse possível de ser lido, sem que cansássemos apesar da beleza da história. Um abraço a todos.

Texto de Arnaldo Menezes.

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego.

terça-feira, junho 26, 2018

História de Manguariba

Por Adinalzir Pereira Lamego (*)


O local onde hoje está situada a comunidade de Manguariba, foi nos seus primórdios parte das terras dos índios Tamoios. Depois que os índios foram expulsos e exterminados pelos portugueses suas terras passaram a fazer parte do Engenho de Santo Antônio dos Palmares pertencente à Fazenda da Mata da Paciência, cujos proprietários eram o português João Francisco da Silva e Sousa (1770-1815) e sua esposa Mariana Eugênia Carneiro da Costa (1773-1840).

Maria Graham (1785-1842), escritora e pintora inglesa, que esteve no Brasil. Descreve uma visita feita a fazenda e ao engenho no seu Diário, no dia 22 de agosto de 1823.

“Convidados a sentar em torno da “máquina de espremer que é movido por um motor a vapor... uma das primeiras, se não exatamente a primeira instalada no Brasil”. D. Mariana registra detalhes da produção do engenho: “Há aqui 200 escravos e outros tantos bois em pleno emprego. A máquina a vapor, além dos rolos compressores no engenho, move diversas serras, de modo que ela tem a vantagem de ter a sua madeira aparelhada quase sem despesa.

Naquele momento de admiração dos convidados, por ver a máquina esmagando a cana sem tração animal, d. Mariana pediu que um grupo de escravas que abasteciam a moenda cantassem: “e elas começaram com algumas de suas selvagens canções africanas. E ali, ritmados pelo ruído compassado dos cilindros libertando o vapor , cantaram também os hinos à Virgem, “com tom e ritmo regular com algumas vozes doces, a saudação angélica e outras canções.” O convite para o almoço veio em seguida e ao se despedirem: o pedido para voltarem, “coisa que nós, sem nenhuma repugnância, prometemos fazer”.

Era um sábado quando retornaram da fazenda Santa Cruz, e mais uma vez foram recebidos por d. Mariana no Mato da Paciência. Visitaram os jardins, as hortas, os pomares e um “lindo campo para onde se levaram cadeiras para que pudéssemos sentar e gozar a frescura da tarde. Dominando este campo há um morro íngreme com os lotes de café dos negros ocupando o terreno da floresta”.

No “Diário do Rio de Janeiro” de maio de 1840, fomos encontrar um necrólogo publicado logo após a sua morte, elogiando “seu gênio ativo e criador para o bem da indústria e prosperidade do seu País. No ano de 1815 foi ela que mandou vir para o seu engenho do Mato da Paciência, a primeira máquina de vapor que o Brasil teve, e que ainda serve perfeitamente, cuja encomenda fizera por intermédio de seu irmão, o conde de Vila Nova de São José”.

Em seguida o “Diário” descreve os melhoramentos realizados na fazenda que herdara de seu esposo, e adquirido outra denominada: “Santo Antônio dos Palmares, cujo engenho, por sua construção elegante e proporções, fará emulações a qualquer gênio varonil, e será um monumento de honra e de glória para sua fundadora, bem como de justa saudades para quantos a conheceram”.

Na época do Brasil colonial e também na Monarquia, o engenho ainda produzia aguardente, melado e açúcar, cuja produção escoava por via fluvial, seguindo em direção à localidade hoje conhecida como Sagrado Coração até chegar aos bairros dos Jesuítas, Santa Cruz e Sepetiba. Na imagem acima o engenho aparece assinalado na Planta da Imperial Fazenda de Santa Cruz no ano de 1848.  É só aumentar para visualizar.

Deve ter sido uma fábrica bastante produtiva, pelas dimensões das ruínas existentes até hoje no local. O canal, atualmente sem utilização prática, era conduzido ao Rio Guandu-Mirim e dali seguia para o Porto de Sepetiba, de onde, se presume, levava a carga de açúcar e aguardente para o Rio de Janeiro e outros portos.


 Foto de Adinalzir Pereira. Em 08/09/2017.

Com a chegada da República, as terras do engenho, tornaram-se foreiras após o ciclo do café. A partir dos anos 1930 aos anos 1960 com a chegada de imigrantes portugueses veio a riqueza dos laranjais. Depois foi a época da criação de gado, onde o destaque foi o surgimento da Fazenda Nova Índia, de propriedade do Dr. Luiz Carlos de Adriano Franco, admirador das belas artes e também colaborador do NOPH, além de vários outros criadores.

A partir da década de 1960 com a decadência dos laranjais e consequentemente também de algumas fazendas de gado. Começaram a ser construídos na região vários conjuntos habitacionais. O Conjunto Manguariba foi um deles. Hoje em parte de seu terreno está sendo implantado o complexo logístico da WT Goodman.

Ainda falta descobrir o real significado da palavra Manguariba. Já consultei inúmeras vezes o Google e vários dicionários etimológicos. Inclusive da Língua Tupi, mas nenhum deles apresenta uma definição correta. Suponho, por analogia com outros sufixos de origem Tupi, que Manguariba poderia significar “lugar onde habitam (ou habitavam) determinadas espécies de rãs comestíveis.

Segundo pesquisas que fiz sobre a região há cerca de vinte anos. Toda a área onde hoje se encontram os conjuntos de Jardim Palmares, Manguariba, Sagrado Coração, Jesuítas e arredores, era “habitat” de várias espécies de rãs nos seus terrenos alagadiços. Daí ser possível afirmar que Manguariba seria “terra onde habitam ou habitavam rãs”.


Jornal do NOPH Ano de 1988.

Veja esse excelente documentário idealizado e roteirizado por Isra Toledo Tov, com direção de Márcio Melo, da Melo Drone, realizado na área do Engenho da Mata da Paciência e do Engenho de Santo Antônio dos Palmares. Em novembro de 2017. Clique no link ao lado para assistir. https://www.youtube.com/watch?v=KCV0NerJSbM

E aqui algumas fotos de aves belíssimas que pousam e fazem seus ninhos nas terras da antiga Fazenda Nova Índia. Veja abaixo na página de Ery Decottiginies.
https://www.flickr.com/people/144462078@N06/

Abaixo alguns dados recolhidos por estudantes do CIEP Jornalista Octávio Malta na Associação de Moradores de Manguariba. Durante  uma pesquisa feita no ano de 1993.

No Conjunto foram construídas 6000 casas, com capacidade para alojar cerca de 24000 pessoas.

Em 29 de agosto de 1983 começaram a chegar os primeiros moradores. Eram cerca de 90 famílias de funcionários da Telerj que vieram para o local. Foram os próprios caminhões da Companhia que fizeram o transporte dessas pessoas.

Ainda moravam no local alguns antigos empregados da fazenda Nova Índia. Próximo a rua 19 morava a Dona Nair. Próximo a Escola Municipal Gandhi morava o Sr. Manoel. Próximo ao Mercado Azulzinho morava o Sr. Caduci. Próximo a rua 39 morava o Sr. Roberto.

Nessa época o “valão” era estreito, tanto que as crianças passavam de um lado para o outro sem nenhum perigo. No começo do conjunto o Escola Municipal funcionava num barracão, as ruas não eram asfaltadas.

Os policiais andavam a cavalo e o comandante do Posto Policial Comunitário era o Sargento Bandeira, que era o terror dos vagabundos de Manguariba, com ele não havia diálogo e quando acionava o camburão prefixo 070, quem tivesse sem documento e dando bobeira, ia logo direto para a caçapa. Nessa época o traficante de drogas que aterrorizava a região era o Sérgio Zoiudo e seu bando.

Não havia linha de ônibus. A primeira linha que começou a circular era a 845 Campo Grande-Manguariba. Porém esse tipo de transporte não entrava no conjunto. Havia também um Colégio particular denominado Fada Sininho. O Posto de Saúde começou a funcionar com apenas um consultório, depois passando a ter dez consultórios. No início tinha somente um médico clínico, depois passou a ter várias especialidades.

No ano de 1984, a Igreja Católica realizou a sua 1ª missa na sede da Associação de Moradores, pois a capela de Bom Jesus ainda estava em obras. Em 01 de dezembro de 1985 foi realizado o 1º batizado na comunidade. Na Escola Leila Mell, no ano de 1986, foi realizada a 1ª cerimônia de primeira comunhão. No ano de 1988 foi realizado a primeira cerimônia de casamento. Enquanto que no ano de 1992 foi inaugurado o prédio da capela em Manguariba.

Nessa época a comunidade de Manguariba teve várias visitas famosas, entre elas: Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Beto sem braço e muitos outros. Muitos moradores ainda lembram de quando a Fazenda Nova Índia chegou a ser utilizada como cenário de uma novela da Globo.

Alguns moradores falavam das antigas colunas do Engenho e da curiosidade de saber o que teria sido. Outros se recordam da enorme criação de gado nelore e de uma planta abundante no local chamada manguá. Muito usada como correia para açoitar animais e para debulhar cereais como: feijao, soja, trigo, aveia, etc. Outros lembram casa do caseiro da fazenda, onde moravam o Sr. Geraldo, sua esposa Dona Regina e seus filhos Moisés, Sandra e Luciana. Falavam também de um filhote grande de leão que havia no local. Citam também muitas lembranças de quando a Fazenda começou a criar búfalos e cavalos.

Segundo o Sr. Leu Lima: "Antes de se tornar um conjunto habitacional, uma parte das terras de Manguariba pertenciam ao Sr. Paulo Albino. Capinei muito essas terras. Nos anos 1950/1960, o sitio foi dividido em grandes lotes que era cultivado pelo método de "Terço". De cada 3 caixas de frutas e legumes recolhidos, uma era do proprietário das terras. O cultivo era de aipim, batata, giló, quiabo, etc."

Podemos dizer que ainda falta muita coisa para concluir essa história de Manguariba. Essa foi apenas uma pequena contribuição para divulgar o conhecimento da história local da Mata da Paciência e de todas as suas comunidades. História essa que queiramos ou não, sempre vai ficar guardada na memória. Sendo construída no dia a dia de nossas vidas. Afinal sabemos que não existem heróis. Todos fazemos parte dessa história.

Fontes de consulta utilizadas:

Jornal do NOPH 21, Agosto de 1985, pág. 09. Biblioteca do NOPH Ecomuseu, Rio de Janeiro. Consulta feita em 22/06/2018.
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Dicionário de Palavras Brasileiras de Origem Indígena. Clóvis Chiaradia, Editora Limiar, São Paulo. Agosto de 2008.
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Vocabulário Tupi-Guarani Português. Silveira Bueno, Brasilivros Editora e Distribuidora Ltda. São Paulo, 5ª edição. 1987.
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Associação de Moradores do Conjunto Manguariba, Rio de Janeiro. Consulta feita no ano de 1993.
Trabalho de pesquisa feito por alunos do CIEP Brizolão 336 Jornalista Octávio Malta: Meire Lúcia, Nadja, Neiva, Raquel, Walace, Selma e Sônia. Conjunto Campinho, Rio de Janeiro. Ano de 1993.
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Blog: www.rioeduca.net/blogViews.php?id=1087 Acesso em 25/06/2018.

Postado por Adinalzir Pereira Lamego - Professor e Historiador (*)

terça-feira, junho 19, 2018

Largo do Matadouro, atual Praça da Bandeira, em 1911


O local tinha esse nome por abrigar o Matadouro Imperial de São Cristóvão, inaugurado ali em 1853. O matadouro existia no lugar onde hoje está a Escola Nacional de Circo, e funcionou durante quase trinta anos quando, graças à velocidade de ligação proporcionada pela linha férrea entre áreas antes consideradas distantes. Depois o matadouro da cidade foi transferido mais uma vez, agora para bem longe, em Santa Cruz, eliminando de vez o incômodo do mau cheiro e dos urubus que essa atividade trazia para a cidade que se expandia rapidamente. Acima vemos uma imagem mostrando um ângulo do Largo, com a imagem do matadouro. Se quiser ver mais imagens clique no link abaixo.

Imagem: Instituto Moreira Sales

Fonte:
Postado por Adinalzir Pereira Lamego 

segunda-feira, junho 18, 2018

Longe, longe demais

Por Flávio Brandão (*)

Esta história se passou no começo dos anos 1960 e conta a história do genioso Silvério, sua esposa, e como eles chegaram ao lugar mais distante do Rio de Janeiro.

Silvério era um homem honesto e trabalhador, de seus vinte e poucos anos, bem casado, há um ano, e que amava sua esposa, já grávida, de seu primogênito. Ambos eram moradores de Copacabana, na zona sul carioca,

O mesmo possuía um botequim, na rua Domingos Ferreira, em um ponto muito movimentado, aonde ele podia conversar, com seus conterrâneos do nordeste, enquanto ele ganhava uma boa féria diária, o suficiente, para levar uma vida sem apertos, com Noêmia, sua mulher.

Apesar de ter um bom coração, Silvério tinha um grave defeito. Era genioso, que só ele.

O casal era feliz, pois, sua esposa, era uma companheira dedicada, e muito paciente, com o marrento, mas ao mesmo tempo, apaixonado marido.

Mas, a família de Silvério, incluindo os pais, irmãos, tios, primos e primas, não tinham a mesma paciência, com o Silvério, que, com todos implicava. e todos se afastaram, por brigas banais entre si.

Já perto dos nove meses, de gestação de sua companheira, Silvério tomou uma destemperada decisão, dizendo: - Mulher, vamos arrumar as malas, que estamos partindo hoje! Já vendi o bar e desfiz o aluguel de nosso apartamento! Não aguento mais meus parentes, e quero me mudar, para bem longe deles!!

Sem querer contestar o marido, Noêmia, ajudou a juntar os seus pertences, colocaram tudo na sua Rural Willys, anos 60 e foram embora..
Uma hora depois, enjoada da viagem devido ao seu estado, e já na Avenida Brasil, a esposa perguntou: - Amor, para aonde vamos? E a resposta foi surpreendente: - Ainda não sei, mas de uma coisa tenho certeza. É para o lugar mais longe dos meus parentes, possível! No final do Rio de Janeiro!

- Mas aonde? Replicou Noêmia. E a resposta foi mais inusitada ainda! Ainda não sei..Mas ouvir falar de um lugar chamado Campo Grande, que é na Zona Rural do Rio, aonde ainda podemos respirar um pouco de ar puro.

Ao chegar em Campo Grande, Silvério resolveu confirmar com um transeunte, perguntando: - Moço, aqui é o final do Rio de Janeiro? Após a resposta negativa, o transeunte resolveu orientar: O senhor pode seguir reto pela avenida, e vai dar no último bairro daqui, que é Santa Cruz.

Então, tome viagem novamente, com o determinado Silvério e sua esposa, já quase botando os bofes para fora, devido ao sacolejo da viagem.

Chegando em Santa Cruz, o casal, perguntou a uma senhorinha, que transitava na calçada; - Senhora, aqui é o final do Rio de Janeiro? Decepcionada, com a resposta, Noêmia, que não aguentava mais teve que ouvir: - Não, meus filhos.. O final do Rio de Janeiro, é Sepetiba.

Sem nunca ter pisado os pés em Sepetiba, e guiado por informações, foram pela Estrada de Sepetiba, e ao seu final avistaram um acolhedor Coreto.

Viraram a esquerda, e se depararam, com uma linda praia, de águas calmas, aonde as famílias se bronzeavam,outros pescavam, enquanto alguns passavam uma lama em seus braços e pernas, para aproveitar suas propriedades curativas...

Uma comunhão de pensamentos ocorreu, quando ambos, disseram ao mesmo tempo: - É aqui! Paixão a primeira vista!

Rapidamente, correram ao primeiro corretor que encontraram e fecharam negócio, comprando uma bela casa, perto da praia. E logo após, tiveram que procurar as pressas, uma parteira para cuidar do nascimento de seu filho.

A criança, nasceu com saúde, e o casal, ali foi feliz.

Silvério e Noêmia, estão vivos até hoje, octogenários, e curtindo seus bisnetos, neste aprazível e apaixonante lugar, longe, longe demais...

Flávio Brandão é escritor e pesquisador e escreve às quartas-feiras na página Santa Paciência (*)

Postado por Adinalzir Pereira Lamego

sábado, junho 16, 2018

A Expedição Langsdorff e a vinda de Rugendas ao Brasil

Por Equipe Brasiliana Iconográfica


A expedição Langsdorff foi uma das mais importantes incursões científicas realizadas no Brasil no século XIX. E foi graças a esse projeto que o pintor alemão Johann Moritz Rugendas veio ao Brasil.

A viagem foi idealizada e chefiada pelo médico e naturalista Georg Heinrich von Langsdorff, estabelecido no país desde 1813 como cônsul-geral da Rússia no Rio de Janeiro. Langsdorff era membro-correspondente da Academia Imperial de Ciências de São Petersburgo e tinha integrado uma viagem de circunavegação promovida pelo governo russo, ocasião em que aportou no litoral de Santa Catarina. Por ter vivido em Lisboa, tinha domínio do idioma português.

No Brasil, Langsdorff transformou sua propriedade, a Fazenda Mandioca, num importante polo de encontro entre cientistas e artistas europeus. Situada ao fundo da Baía de Guanabara (hoje município de Magé, no Rio de Janeiro), a fazenda tinha localização estratégica para quem pretendia viajar ao interior do país. Langsdorff disponibilizava para as pesquisas de seus hóspedes uma grande biblioteca científica, um herbário, jardim botânico e coleções zoológicas e minerais.

A ideia de fazer uma viagem científica exploratória ao interior do Brasil foi defendida com entusiasmo por Langsdorff junto ao governo russo, que concordou em financiar o projeto. Para acompanhá-lo, Langsdorff contratou um artista, o alemão Johann Moritz Rugendas, além de cientistas como o botânico Ludwig Riedel, o astrônomo Néster Rubtsov e o zoólogo e linguista Édouard Ménétries. Este grupo percorreu o interior de Minas Gerais entre 1824 e 1825, numa primeira etapa da viagem.

No entanto, desentendimentos entre Langsdorff e Rugendas levaram o artista a desligar-se da expedição. Para a segunda etapa da viagem, Rugendas foi substituído pelos artistas franceses Hercule Florence e Aimé-Adrien Taunay (filho de Nicolas-Antoine Taunay). Transitaram vias fluviais entre Porto Feliz – às margens do Tietê em São Paulo – e  Cuiabá e, de lá, até Belém do Pará. Nesta etapa, a expedição contou ainda com a presença de Wilhelmine von Langsdorff, esposa de Langsdorff e única mulher a viajar com o grupo.

Foram percorridos, entre 1825 e 1829, cerca de 17 mil quilômetros. Dois incidentes marcaram fortemente a segunda parte da viagem: Adrien Taunay morreu afogado ao tentar atravessar o Rio Guaporé́ e Langsdorff, vítima de doenças tropicais, perdeu a memória.

Grande parte do material produzido durante a expedição foi reunido por Hercule Florence e enviado para a Rússia: manuscritos, desenhos, aquarelas, mapas, espécies minerais, herbários, animais empalhados, registros de línguas indígenas e correspondências. Também fazem parte deste acervo os diários de Langsdorff, que revelam detalhes sobre os costumes e a língua de tribos como os Apiacás, Mundurucus e Guanás, estes, registrados por Florence.

A Viagem Pitoresca através do Brasil


Rugendas, então com 19 anos, aceitou engajar-se no projeto de Langsdorff, provavelmente inspirado pelos relatos de viagem de Spix e Martius e pela obra de Thomas Ender, integrantes da Missão Austríaca. Durante os dois anos em que aguardou o início da expedição, adiado pelo processo de independência do Brasil, o artista registrou paisagens, fauna e flora dos arredores do Rio de Janeiro, cenas urbanas e personagens locais. Rugendas é autor de um dos conjuntos iconográficos mais importantes sobre o Brasil do início da década de 1820.

Não se sabe ao certo o itinerário cumprido pelo artista após desligar-se da expedição em 1824. De Minas Gerais, provavelmente passou pela Bahia e Pernambuco antes de retornar à Europa. Levou consigo grande parte de seus desenhos e anotações, que apresentou a Alexander von Humboldt, o maior cientista europeu da época, quando chegou a Paris. Humboldt sugeriu que o artista publicasse um livro de viagens, conseguindo que o projeto fosse levado a cabo pela importante casa editora Engelmann.

As litografias baseadas em desenhos que Rugendas produziu no Brasil foram publicadas em Voyage Pittoresque dans le Brésil [Viagem Pitoresca através do Brasil] entre 1827 e 1835. O livro é, até hoje, um dos mais conhecidos de viagem ao Brasil do século XIX. A publicação, com edições em alemão e francês, fez sucesso na época, inclusive em terras nacionais, embora hoje se possa perceber a representação europeizada dos negros escravizados e índios.

Ainda incentivado por Humboldt, Rugendas empreendeu nova viagem à América, que durou 15 anos. Viajou pelo México, Chile, Peru, Bolívia, Argentina e Uruguai, passando novamente pelo Rio de Janeiro em 1846. Pintou retratos para a família imperial, foi condecorado por dom Pedro II com a Ordem do Cruzeiro do Sul, e participou das Exposições Gerais de Belas Artes a convite de Felix-Émile Taunay, com quem tinha estabelecido uma amizade na primeira vez em que esteve no Brasil. Rugendas voltou para a Europa no ano seguinte, em 1847.

Conheça aqui sobre a presença do Barão de Langsdorff em Santa Cruz. 

Fonte de consulta de texto e imagens:
http://www.brasilianaiconografica.art.br/artigos/20193/a-expedicao-langsdorff-e-a-vinda-de-rugendas-ao-brasil
Além de jornais antigos do NOPH Ecomuseu.

Postado por Adinalzir Pereira Lamego

sexta-feira, junho 15, 2018

Jubileu de ouro do bairro-cidade de Campo Grande

Por Carlos Eduardo de Souza (*)


Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, destaca-se pela sua grande extensão, por sua influência na região e por ser o mais populoso do município. Porém, no mês de junho de 2018, o bairro completa um jubileu de ouro de um fato muito importante e curioso: o título de bairro-cidade. Segundo a Lei n° 1627, de 14 de junho de 1968, sendo um projeto do deputado Frederico Trotta, sob a gestão do então governador da Guanabara, Negrão de Lima, dizia-se no Art. 1° - “É reconhecida como “Cidade” a localidade de Campo Grande, passando a denominar-se Cidade de Campo Grande”.  Assim, há 50 anos, o bairro de Campo Grande, ou a localidade, era reconhecido como “Cidade honorária”.
     
Devido a isso e a outros fatos, surgiram alguns movimentos em prol da emancipação, com, a princípio, o propósito de combater os problemas e realizar uma melhor administração. Mas, mesmo possuindo um título de bairro-cidade, ou de cidade honorária, Campo Grande continua sendo oficialmente um bairro, com uma estrutura de uma cidade, é verdade, influenciando bairros próximos e atraindo população desses e até de municípios, principalmente por ser, entre outros atributos, um polo comercial da região.

Afinal, Campo Grande pode ser considerado um sub centro regional, com um suporte que supera muitas cidades, já que não é qualquer bairro que possui três shoppings e uma população de aproximadamente 350 mil habitantes. É realmente um bairro-cidade.

(*) Carlos Eduardo de Souza é professor e pesquisador da história de Campo Grande.

Texto e imagem extraídos do blog http://memoriascampogrande.blogspot.com/
Postado por Adinalzir Pereira Lamego

quinta-feira, junho 14, 2018

A Academia Paciente de Letras



Mariano Odelot, em abril de 1975, acordou certa manhã decidido a fundar uma academia de letras em Paciência, bairro pobre da periferia carioca, contando à época com pouco mais de 45 mil habitantes. Pegou papel e caneta e listou todas as poetisas, todos os poetas, todas as escritoras e todos os escritores que viviam no rincão periférico paciente.

Conseguiu juntar uma poetisa, um poeta, uma jornalista (que escrevia artigos e crônicas num jornal do comércio de Campo Grande) e sua própria insigne pessoa e marcaram uma reunião deliberativa para o meado de abril. Preparou um bosquejo de ata de reunião, com uma pauta bem simples. Item 1: escolha do nome da academia, sugeria-se Academia Paciente de Letras; item 2: um/a presidente/a deveria ser eleito/a nessa primeira reunião; item 3: um local fixo para reuniões e palestras deveria ser encontrado ou construído; item 4: uma personalidade nacional ou internacional deveria ser homenageada no primeiro ano de existência da academia; item 5: um ciclo de palestras já deveria ser agendado para o primeiro mês de existência da nobre academia.

A reunião deliberativa ocorreu, de fato, no armazém das Nove Portas, na rua Serrolândia, no Jardim Sete de Abril, um modestíssimo estabelecimento pertencente a um português, o Seu José. Na parte externa, com uma mesa de madeira cedida pelo dono do local, mais quatro rústicas cadeiras, montou-se a sede provisória da APL (Academia Paciente de Letras). Mariano se vestiu cerimoniosamente para a ocasião, pois considerava de máxima relevância para a cultura local, paciente, a fundação de uma inspiradora academia de letras.

Logo no início dos trabalhos da tertúlia, verificou-se que nenhum deles, nem a poetisa, nem o poeta jamais tinham publicado um livro sequer! Tudo o que tinham eram textos e poemas dispersos, em folhas de caderno, no máximo um ou dois fragmentos datilografados. O jornalista, porém, sabiamente ponderou que a literatura oral, ágrafa, era tão importante quanto a escrita, e o fato de não haver livros publicados entre eles não lhes tirava o orgulho e a honra de serem literatos. Eram grandes e sedentos leitores, inveterados, já que liam de prosa a poesia, sem descanso, diuturnamente. Sempre andavam pelas ruas do bairro com livros sobre os braços, e até mesmo a vizinhança percebia nisso uma certa mescla de distinção com leve demência.

Ao fim de duas horas de reunião, deliberou-se que, todas as últimas sextas-feiras de cada mês, reunir-se-iam às 17 horas, no mesmo lugar, no armazém do Seu Zé das Nove Portas, na rua Serrolândia, esquina com rua Carapicuíba. Uma pessoa ficaria encarregada de trazer, numa garrafa térmica, um chá de camomila, ou de hortelã, ou de outra erva qualquer, para que a conversa e os debates literários pudessem fluir com maior vazão.

O primeiro item da pauta de reunião foi decidido facilmente, e a plêiade deliberou que o nome Academia Paciente de Letras (APL) caía muito bem para o grupo. O segundo item foi igualmente resolvido com agilidade: optou-se pela rotatividade automática da presidência da APL, sem votos, começando a escolha pela ordem alfabética do primeiro nome de cada membro. Assim, Mariano – que deu a ideia da rotatividade – só assumiria a presidência do colegiado no quarto ano de sua existência, já que a primeira presidenta seria a poetisa Amália. O segundo presidente, no segundo ano da APL, seria o poeta Fúlvio. A terceira presidenta, Gretchen, assumiria no terceiro ano de constituição da APL.

O terceiro item da pauta – a construção de um local fixo para reuniões e eventos – ficou para a reunião seguinte. O quarto item – que grande personalidade deveria ser escolhida como homenageada do ano – consumiu mais tempo do que se supunha. Mariano propôs Lima Barreto, pois venerava sua obra, "Os bruzundangas". Amália apostava todas as suas fichas em Luís Vaz de Camões. Fúlvio bateu pé por "Dom Quixote", o cavaleiro da triste figura, mas o grupo deixou claro que precisava ser alguém de carne e osso, não uma personagem célebre. Gretchen, mais ousada, sugeriu Johann Wolfgang von Goethe, o maior nome da literatura alemã, autor de "Fausto" e "Werther". O grupo silenciou, refletiu profundamente e aceitou o arroubo da jovem jornalista. No primeiro ano de fundação da Academia Paciente de Letras, o escritor homenageado seria Goethe, o gênio alemão nascido em Frankfurt, em 1749, e falecido em Weimar, em 1832, do alto de seus 82 anos burgueses bem vividos.

Decidiram iniciar, imediatamente, a leitura de "Werther", seu primeiro trabalho de sucesso instantâneo em toda a Europa, em 1774. Foi uma delícia para os quatro corações da APL a leitura do diário angustiante do jovem rapaz apaixonado pela distante Charlotte. Terminada a leitura do romance, partiram para a obra mais densa do intelectual alemão, o "Fausto", publicamente postumamente, em 1832. Os debates eram acalorados, a cada encontro da tertúlia paciente, e sempre havia pessoas convidadas, de fora da APL, de outros bairros; até mesmo da Zona Sul veio um dia uma moça que fazia mestrado em literatura alemã.

O quinto item da pauta – a escolha de um tema para um círculo de palestras – foi facilmente acertado: optou-se por uma série de palestras acerca da vida e da obra de Lima Barreto, o homenageado do ano pela APL. Desta vez, o primeiro palestrante a falar, dentro de quinze dias, seria o último a assumir a presidência da instituição, Mariano Odelot! Apresentou, com brilhantismo, a obra "Os bruzundangas" (publicada em 1922), comparou o mundo da obra satírica com o Brasil de então, e foi bastante elogiado pelos colegas da APL e convidados. O pobre do Seu José do Nove Portas era obrigado a trazer cadeiras de sua própria residência para acomodar o grupo literário que tanto crescia. Ainda bem que o encontro só ocorria na última sexta-feira de cada mês, minha Santa Eugênia!

O símbolo oficial da instituição literária paciente era bastante semelhante ao da Academia Brasileira de Letras: o lema “AD IMMORTALITATEM” (“Rumo à imortalidade”, em latim), no centro, e dois galhos ao lado. Diferentemente, porém, do símbolo da ABL, o galho da esquerda era de cana-de-açúcar e o da direita era de café, dois produtos responsáveis pela riqueza do bairro no século XIX. E, no alto e no topo do símbolo, uma laranja, representando a riqueza paciente até o início dos anos de 1950.

Amália passou, anos depois, para um concurso público nacional e foi trabalhar em Rondônia. Fúlvio mudou-se para Belford Roxo, a contragosto, após namorico com a filha de um policial militar... Engravidou a pobre donzela, foi casado à força, na Baixada Fluminense, e toca hoje um bar longínquo por lá, vendendo cervejas e organizando pequenos saraus. Gretchen estudou, profundamente, a língua alemã, no Instituto Goethe, na rua do Passeio, no centro do Rio, conheceu um alemão e vive hoje com ele no interior da Baviera, no Sul da Alemanha. Mariano Odelot, desolado, não conseguiu manter as tertúlias mensais na calçada do Seu Zé das Nove Portas, já que não conseguia juntar membros tão valorosos quanto os três que se perderam no mundo. Até hoje diz existir ainda a APL, mas ela não tem endereço, não realiza reuniões, nem encontros, nem seminários, nem debates, nem nada. A Academia Paciente de Letras é apenas uma lembrança remota de Mariano, mas nunca deixará de existir, ainda que só possua um único membro paciente.

Mata da Paciência, 1º de agosto de 2015.

Por Isra Toledo Tov, professor e memorialista. 

quarta-feira, junho 13, 2018

Como eram feitas as telhas coloniais



Telhas de barro para cobertura de edificações existem desde os tempos mais remotos. Foram encontradas na China do período neolítico, datando de mais ou menos 10.000 a.C. e, no Oriente Médio, pouco tempo depois. O seu uso se espalhou pela Ásia e Europa em larga escala. Tanto os gregos como os romanos as usavam, o que foi facilitado após o invento da argamassa por esses últimos, quando puderam ser cimentadas sobre muros e beirais também.

Com a descoberta da América, a tecnologia da fabricação de telhas foi trazida para o novo continente. No século XVII, seu uso tornou-se quase obrigatório nas grandes cidades, por oferecer baixo risco de incêndios, fato fundamentado nas devastadoras conflagrações de Londres, em 1666, e de Boston, em 1679.

Telhas de barro eram, também, preferidas pela sua durabilidade, fácil manutenção e falta de condutibilidade térmica. Nos Estados Unidos, houve um declínio na sua fabricação, em meados do século XIX, pelo surgimento de outros materiais de custo mais barato e, às vezes, mais leves. Foi o caso do cobre, lata, ferro, ferro galvanizado e zinco. Popularizou-se, também, o uso de telhas feitas com placas de ardósia. Entretanto, com o aperfeiçoamento de sua fabricação e automação industrial, o produto passou a custar menos, coincidindo com o furor da construção, na América do Norte, de vilas em estilo italiano, onde se utilizavam telhas de barro, voltando a se tornar populares no começo do século XX.

No Brasil Colonial, os escravos eram encarregados da fabricação das telhas. Geralmente, por ser um trabalho menos pesado, ficava a cargo das escravas e dos escravos idosos e/ou doentes. A técnica adotada era a de moldar a argila na face anterior de suas coxas, produzindo o formato necessário das, assim ditas, telhas coloniais. Obviamente, elas não ficavam uniformes, pois havia coxas magras, roliças, finas, largas, longas, curtas e deformadas. Por isso, as telhas já secas e queimadas eram de diversos tamanhos com diâmetro e espessura variados. Consequentemente, depois de prontos, os telhados eram irregulares e desalinhados, levando a um aspecto de terem sido mal feitos. Estes eram descritos como telhados “feitos nas coxas”.

Daí, vem até os dias de hoje a expressão idiomática, denotando algo feito sem capricho ou, ainda, uma atitude de descaso.

A partir do século XVI em diante toda essa tecnologia de fabricação de telhas passou a ser bastante utilizada também pelos colonos portugueses e pelos padres jesuítas nas regiões de Santa Cruz e arredores da zona oeste carioca.  

Atualmente, com os moldes padronizados e a industrialização, as telhas coloniais ficaram todas iguais, resultando em coberturas bonitas e uniformes, não podendo se afirmar que foram “feitas nas coxas”, mas, há de se convir, os telhados, verdadeiramente coloniais, ofereciam um charme todo especial àquelas casas dos tempos coloniais.

Algumas considerações:

Na realidade essa afirmação faz parte de uma lenda que foi se consolidando. Vamos supor que depois que se fizesse  uma massa de argila, se utilizasse um grande número de escravos para fazer as telhas nas coxas. Como isso leva um bom tempo ate a argila endurecer. Eles ficariam nas olarias sentados ou deitados esperando a argila secar? Claro que não! Na verdade haviam formas de madeira que eram usadas na maioria das olarias. Mas grande parte delas se perderam já que devem ter sido usadas como lenha, depois que as telhas coloniais saíram de uso. Essa historia é bem semelhante com  a do óleo de baleia que afirmam que era  usado na construção junto com a cal e areia. Hoje sabemos que o uso do óleo não procedia. Mas isso é uma outra historia e um outro texto.

Em 1841 surgiram as telhas de encaixe, que eram fabricadas de forma mecânica, o que fez  revolucionar o seu uso, uma vez que proporcionavam encaixes perfeitos e telhados mais uniformes. Essa invenção foi obra dos irmãos Gilardon d’Altkirche, franceses, da Alsácia. Antes essas telhas eram feitas nas coxas dos escravos por serem mais práticas e a sua mão de obra mais barata e disponível.

Este texto foi extraído do blog:

terça-feira, junho 12, 2018

Nair de Teffé: Bela, Culta e Avançada



A República do Brasil nunca mais teve uma primeira-dama como Nair de Teffé! Caricaturista, pintora, atriz, cantora, pianista, escritora e poliglota (falava seis línguas), Nair exerceu atividades tidas como pouco convencionais para uma representante feminina da elite brasileira no início do século XX. Como se costuma dizer: uma mulher à frente de seu tempo. E que tempo! Estamos nos referindo à Primeira República, também conhecida como República Velha (1889-1930). Época conturbada em todos os sentidos, apesar de ser designada como a belle époque brasileira. Rebeliões nos estados, Revolta da Vacina, a Revolta da Chibata, Guerra do Contestado, embates nas escolhas dos candidatos a presidente... Na verdade, era uma belle époque restrita a alguns centros urbanos desenvolvidos, entre os quais a capital, Rio de Janeiro e a cidade de Belém, no Estado do Pará, esta última em função da economia da borracha. No momento em que a Europa estava às vésperas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Brasil ainda era um país que buscava uma identidade como nação e dava os primeiros passos em direção a um processo de industrialização.

Em 1912, a maior parte da população brasileira, aproximadamente 24 milhões de habitantes, ainda vivia na zona rural dependente da economia primária de exportação ou de atividades de subsistência. Era a época do domínio dos coronéis (grandes fazendeiros), tanto a nível social como na política. Contudo, nas cidades mais importantes, como o Rio de Janeiro, as classes populares começavam a ter uma maior notoriedade, sobretudo por meio de suas manifestações culturais. Inicialmente ignoradas pelas elites sociais, os novos ritmos musicais, como o samba, o maxixe, modas de viola, entre outros, rompiam os limites das periferias, dos morros e ganhavam maior aceitação, até mesmo dentro da residência presidencial. Para que isso ocorresse, algumas iniciativas foram importantes e sem dúvida uma das mais lembradas foi a da primeira-dama Nair de Teffé, esposa do presidente e militar, Marechal Hermes da Fonseca, que governou o Brasil entre 1910 e 1914.

De origem aristocrática, Nair de Teffé nasceu no Rio de Janeiro (algumas fontes citam Petrópolis) em 1886, filha do almirante Antonio Luís Hoonholtz, Barão de Teffé e neta do Conde Von Hoonholtz. Uma curiosidade, foi a primeira mulher com o nome Nair registrada no Brasil! Nair foi enviada ainda criança para estudar na Europa, acompanhando o pai que era diplomata.

Estudou em escolas católicas da França, como nos conventos de Assunption, Fideles Compagnie de Jésus, Saint Ursuline e na conhecida escola Vivaudy, localizada na Riviera Francesa e onde haviam apenas 30 alunas, entre as quais filhas de reis e príncipes (na foto acima, Nair de Teffé em sua primeira comunhão, no ano de 1895). Segundo depoimento da própria Nair de Teffé ao jornal O Estado de S. Paulo em 1979, a aptidão para a caricatura foi descoberta aos nove anos, quando estudava no convento Saint Ursuline, ainda na França. Nair fez uma charge da freira professora, que tinha um nariz comprido e que a jovem considerava bom para desenhar. Após ser descoberta pela madre superiora, e como acontecia em uma boa escola católica, Nair foi colocada de castigo em um quarto escuro durante oito horas! Mas isso não intimidou a jovem estudante, que aperfeiçoou a sua arte e se tornou a primeira caricaturista mulher do Brasil (e possivelmente, do mundo).

Os pais de Nair de Teffé só vieram a descobrir a respeito do talento da filha como caricaturista, quando da visita de uma amiga da família, conhecida como Madame Carrier. Obrigada a permanecer na sala com a convidada por quase duas horas, Nair se viu obrigada a conversar sobre cozinha, algo que a mesma detestava. Segundo o próprio depoimento de Nair:
- Foi terrível porque a unica coisa que eu gosto da cozinha é a comida.

Após a visita ter ido embora, Nair correu ao quarto para fazer uma  caricatura da nobre senhora e mostrou a mesma aos pais, que não apreciaram muito a indisciplina. Como castigo ficou sem a sobremesa no jantar!

Após o retorno ao Brasil, em 1905, Nair de Teffé desenvolveu o seu lado artístico. Além do talento para o desenho, Nair de Teffé era apaixonada pelo teatro e chegou a ser reconhecida como uma atriz de talento. Também apreciava a musica popular, gostava de tocar violão, um instrumento visto pela elite carioca como "coisa do populacho" e para contrariar ainda mais a sociedade da época, frequentava o Bar do Jeremias, reduto dos boêmios e intelectuais. Para se ter uma ideia do preconceito que existia contra o violão, carregar o instrumento na rua poderia render até uma prisão por "vadiagem".

Em 1910, aos 24 anos de idade, Nair ficou conhecida na imprensa como caricaturista e colaborava em publicações famosas como Gazeta de Notícias, Careta, Fon-Fon!, O Malho, Gazeta de Petrópolis, Vida Doméstica, Le Rire, Fantasio e Excelsior, sendo estas três últimas francesas. Suas caricaturas eram apreciadas pelos traços modernos e por retratar de forma irônica as figuras de seu tempo.

Para não chamar tanto a atenção, ela assinava os desenhos com o nome de Rian, Nair ao contrário. Mas isso logo foi percebido. Em função de possuir habilidades que eram pouco recomendadas para uma mulher do seu meio social, Nair de Teffé enfrentava algumas dificuldades. De acordo com o seu próprio depoimento prestado na citada entrevista de 1979:
- Nas recepções eu era recebida com muita desconfiança pelos homens e com medo pelas mulheres, que por muitas vezes se escondiam atrás dos finos leques. Nair dizia se divertir com a situação e continuava agindo com irreverência: - Às vezes meus pais me aconselhavam a deixar a caricatura com medo de que fosse odiada. Isso nunca me intimidou.


E Nair tinha razão! Nada disso foi empecilho para que ela atraísse a atenção da figura mais importante do país, o Presidente da República, que também era militar: Marechal Hermes da Fonseca. Em 1910, Hermes derrotou o candidato civil à presidência, o baiano Rui Barbosa, discretamente apoiado pelos republicanos paulistas naquela que ficou conhecida como a Campanha Civilista (o civil Rui contra o militar Hermes). A eleição do militar contou com o apoio de Pinheiro Machado, importante líder dos republicanos gaúchos, cuja capacidade de articulação no Congresso Nacional era enorme. A ideia daqueles que apoiaram Hermes era o de apresenta-lo, não como um militar, mas como uma alternativa às demais oligarquias dominantes. Sobrinho do primeiro presidente e líder do golpe republicano de 1889, Marechal Deodoro da Fonseca, pesou sobre o governo de Hermes a dura repressão aos marinheiros da Armada, que se amotinaram contra a imposição dos castigos físicos, resquícios dos tempos da escravidão, na conhecida Revolta da Chibata.

Mas, voltemos ao casal em questão! Nair de Teffé tinha 27 anos e Hermes mais do dobro de sua idade, 57anos no início de 1913. Os dois já tinham se encontrado anteriormente, ainda quando o Marechal Hermes era casado, pois era comum as duas famílias passarem as férias de verão em Petrópolis, sendo que Hermes e o Barão de Teffé costumavam cavalgar juntos. Mas foi poucos meses depois de ficar viúvo de Orsina da Fonseca é que ocorreu a aproximação definitiva.

Em janeiro de 1913, como narrou depois a própria Nair, o pai avisou a ela da chegada do "trem dos maridos" a Petrópolis. O nome curioso desse trem se devia ao fato de que muitos homens chegavam para encontrar as esposas e outros em busca de uma namorada. Pois o presidente desembarcaria exatamente desse trem! O mesmo pretendia passar um tempo na cidade como forma de esquecer o desgosto pela perda recente da esposa. Nair e seu pai participaram da recepção a Hermes da Fonseca. Nair descreveu o encontro:

- Quando o Marechal desembarcou, achei-o abatido, triste. Quando me viu, notei que seus olhos ficaram diferentes. Apertou a minha mão e olhou-me com viva ternura.

No dia 18 de janeiro, o próprio presidente telefonou para o pai de Nair marcando uma cavalgada para o dia 20, dia de São Sebastião. Hermes da Fonseca apareceu acompanhado de seu filho Euclides, de um ajudante de ordens e de seu cocheiro. O Barão de Teffé veio junto com a filha. Em um determinado momento, Nair se distanciou do grupo e sofreu uma queda. Foi nesse instante que o Presidente acelerou a cavalgada e veio em direção a Nair para socorre-la. Aproveitando a ocasião em que estavam distantes dos demais, Hermes perguntou:

- Machucou-se Mademoiselle?

Ao que Nair respondeu:
- Não!

Foi aí que o Marechal partiu para a investida:

- Antes que cheguem os outros, eu quero lhe falar uma coisa depressa. Tive um sonho, mas acho quase impossível a sua realização. Não devo dizer-lhe...

Nair insistiu para que prosseguisse. Hermes olhando para o chão e encabulado disparou:
- Estou encantado com a beleza de Mademoiselle. Queria fazê-la minha esposa!

Há apenas seis meses o Marechal ficara viúvo e a tradição da época recomendava que o luto fosse guardado por, pelo menos, um ano. Nair pediu seis meses para pensar, mas a resposta veio oito dias depois, com um telefonema dela:
- Eu aceito...

O anuncio oficial foi dado vários meses depois, no dia 17 de setembro de 1913, ainda no período de luto do Presidente. O casamento ocorreu em Petrópolis, no Palácio Rio Negro, em 8 de dezembro do mesmo ano. Na foto acima vemos a noiva Nair e o noivo Hermes após a cerimônia religiosa. O matrimônio teve uma boa cobertura da imprensa e das revistas da época.
 
A cerimônia foi concorrida e se tornou, até hoje, ímpar na história da república brasileira. Hermes da Fonseca tornou-se o único presidente a casar-se (embora em segundas núpcias) durante o exercício de seu mandato. Nas revistas onde Nair de Teffé publicara as suas caricaturas, o casamento recebeu destaque, como na conhecida Fon Fon! Na mesma foto acima, da esquerda para a direita e em primeiro plano, o Cardeal Arcoverde, Nair e Hermes. No alto da escada, ao centro, em uniforme militar, o Barão de Teffé, o pai da noiva.


O acontecimento atraiu a atenção da população local, que se aglomerou na porta do Palácio Rio Negro, para tentar acompanhar de longe o casório.

A revista A Ilustração Brasileira fez uma foto de capa dos noivos. Nenhum dos filhos do Marechal Hermes compareceu ao casamento.

Apesar de ter o compromisso do marido de poder continuar a desenhar caricaturas, ao que parece, Nair não exerceu a atividade durante o restante do mandato do Presidente Hermes (na foto acima, podemos ver a noiva Nair).

A primeira-dama Nair de Teffé transformou o estilo do Palácio do Catete (residência presidencial no Rio de Janeiro), que até então era frequentado por homens sérios e sisudos. Nair promovia saraus e encontros regados a música popular. A introdução do violão nesses eventos foi por sua iniciativa. O Marechal Hermes era amigo e admirador do poeta e compositor Catulo da Paixão Cearense (1863-1946), autor de clássicos como Luar do Sertão e Flor Amorosa. Segundo Nair, Hermes solicitou a ela que o convidasse para um desses saraus. Foi em uma noite do dia 26 de outubro de 1914, quando o Presidente Hermes ofereceu uma recepção aos chefes das missões diplomáticas estrangeiras e integrantes da alta sociedade da época. As modinhas interpretadas por Catulo fizeram o violão tomar parte definitiva dos concertos juntamente com o violino, o violoncelo e o piano. Catulo pediu para que Nair interpretasse uma música composta por Chiquinha Gonzaga (1847-1935) intitulada Corta Jaca, com partitura para piano e violão. Nair convidou também vários amigos para o recital de apresentação do Corta Jaca. Pronto! O evento foi considerado um escândalo e rendeu críticas até mesmo no Senado da República, por parte de uma das maiores figuras da política naquele momento: Rui Barbosa.

Rui teria dito em seu discurso de 7 de novembro de 1914:

- Mas o Corta Jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, o que vem a ser ele, sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o Corta Jaca é executado com todas as honras da música de Wagner, e não se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria.

Como vimos, Rui Barbosa foi adversário político de Hermes da Fonseca e também já havia sido alvo das caricaturas de Nair. Mas agora, a própria primeira-dama tornava-se alvo dos outros caricaturistas.

Além de enfrentar as críticas de Rui e da oposição, o Marechal Hermes da Fonseca carregava a fama de pé frio e azarado. Momentos depois de uma audiência com o Presidente Afonso Pena, em 1909, na qual entregou o cargo de Ministro da Guerra em protesto contra a indicação de um candidato governista a presidente, Pena sentiu-se mal e veio a falecer. Em visita a Portugal, em pleno banquete oferecido ao rei Dom Manuel II, veio a notícia dada às pressas de que a monarquia portuguesa estava sendo deposta. Em 1912, o Presidente Hermes da Fonseca mandou depositar um empréstimo para o governo brasileiro em um banco russo, que depois foi tomado pela Revolução Bolchevique de 1917! Tudo isso valeu ao Presidente uma série de anedotas e gozações, inclusive na forma de marchinhas, como esta:

Ai Filomena, se eu fosse como tu, tirava a urucubaca da cabeça do Dudu.

Não pensem que o Presidente Hermes esqueceu-se de sua primeira esposa, Dona Orsina. Conta uma anedota, que toda semana, Hermes da Fonseca ia ao cemitério depositar flores nos vasos do túmulo da falecida. Eram seis vasos, um para cada letra do nome da primeira esposa. Um belo dia, Hermes teria ido ao cemitério e encontrou apenas quatro vasos, dispostos na seguinte ordem: NAIR. Um irado Marechal Hermes mandou chamar o jardineiro e deu-lhe uma enorme bronca. Na semana seguinte, o presidente voltou ao cemitério e encontrou os vasos de volta, mas com as letras na seguinte ordem: RI ASNO!


Nair de Teffé suportou com grande dignidade o último ano do mandato do Presidente Hermes (na imagem acima, uma caricatura feita por Nair do marido Hermes da Fonseca).

Com o término do mesmo, Nair viajou novamente para a Europa, inclusive para tratar de um problema no quadril, depois de sofrer uma queda quando corria para subir na carruagem onde estava o marido (mais uma "urucabaca" creditada ao Marechal Hermes da Fonseca). Tal acidente a teria deixado com uma perna mais curta que a outra.

De volta ao Brasil em 1921, Nair de Teffé ainda teve que enfrentar os problemas políticos que envolveram o agora ex-presidente Hermes no conflito entre os militares e o presidente eleito Arthur Bernardes, os quais desembocaram na Revolta Tenentista de 1922. O velho Marechal, que era presidente do Clube Militar, chegou a ser preso durante seis meses e depois de libertado, retirou-se definitivamente para Petrópolis, onde faleceu em 1923. Nair sentiu muito a morte do marido e jamais voltou a se casar. Pelo que se sabe, Nair amava de fato o esposo e esteve ao seu lado até a morte. Em defesa do marido, Nair de Teffé escreveu, muitos anos mais tarde, um livro intitulado A Verdade sobre a Revolução de 22.

Com 37 anos, Nair de Teffé, muito lentamente, foi retomando a vida social, sem abandonar as suas opiniões avançadas. Em uma entrevista dada em 1924, declarou:
- Por que permitir ainda que os homens continuem a atrapalhar a vida econômica do sexo frágil... disputando-lhes os empregos e os cargos ao alcance de suas forças e capacidades?

Nair criou em Petrópolis a Academia Petropolitana de Letras e também entrou para a Academia Fluminense de Letras em 1929. Após a morte dos pais em 1930, a ex-primeira-dama do Brasil deixou Petrópolis e foi residir no Rio de Janeiro. Contudo, a herança familiar foi sendo corroída, inclusive no "jogo-do-bixo", que Nair apreciava. Mesmo assim, conseguiu, através de um empréstimo da Caixa Econômica Federal, erguer um prédio em Copacabana, que abrigou o Cine Rian. No entanto, encontrou dificuldades para administrar a sala e enfrentando problemas financeiros, vendeu a mesma em 1946. Conta-se que o vício no jogo levou-a a perder uma ilha localizada em Angra dos Reis, que lhe havia sido deixada pelo marido. Com o pouco que lhe restou, comprou uma casa em Niterói, onde passou a viver reclusa com três filhos adotados: Carmem Lúcia, Tânia e Paulo Roberto.

Em 1959, Nair de Teffé voltou a desenhar caricaturas, inclusive de personagens contemporâneos, como Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. Nem mesmo Fidel Castro escapou das linhas soltas e ágeis de uma já septuagenária Nair de Teffé.

A essa altura, a ex-primeira dama pagava aluguel para morar e quase foi despejada em 1970. A pensão deixada por Hermes da Fonseca não era mais suficiente para as suas despesas. Nesse mesmo ano, por decisão do presidente Emílio Médici, ela conseguiu receber a pensão integral do ex-marido. Muitos explicam nesse fato os elogios feitos por ela ao general ditador.

Em 1979, Nair de Teffé veio a São Paulo para uma derradeira homenagem no II Salão do Humor e Quadrinhos do Mackenzie, promovido pelo Diretório da Faculdade de Engenharia, no Paço das Artes. No ano de 1981, no exato dia em que completava 95 anos, Nair de Teffé faleceu.

Enfim, como dissemos na introdução desta postagem, até hoje, a República Brasileira ficou devendo uma outra primeira-dama tão inovadora como Nair de Teffé. Será que sua história não merece um filme ou uma minissérie em referência aos problemas que as mulheres de hoje ainda enfrentam? Fica aqui a sugestão...

Fontes:

Créditos do texto:
consultas aos jornais O Estado de S. Paulo, edições de 3 de junho de 1971 e 26.10.1967; Folha de S. Paulo (várias edições) e Coleção Nosso Século, pags. 28 e 29.
Blog: http://histormundi.blogspot.com/2016/07/nair-de-teffe-bela-culta-e-avancada.html

Crédito das imagens:
Fotos de Nair de Teffé de perfil e do casamento:
http://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,o-casamento-do-presidente-com-a-cartunista,9444,0.htm
Caricaturas de Nair feitas na década de 1950 e do marido Hermes:
http://www.museuhistoriconacional.com.br/

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego
 

sexta-feira, junho 08, 2018

O Morro do Mirante em Santa Cruz (RJ)


Num sobrevoo realizado no dia 11/11/1981 é possível avistar o Morro do Mirante com a grande caixa d'água que servia de abastecimento a região de Santa Cruz. Hoje ela se encontra desativada.

O cruzeiro ali existente foi construído nos festejos dos 400 anos do bairro em 1967. E no meio havia um posto de acompanhamento meteorológico, hoje também desativado.

Conhecido pelos santacruzenses como Morro do Mirante, ou do Cruzeiro. Com 65 metros de altura, nele se pode ver todo o bairro de Santa Cruz.

Neste morro foi construído um mirante pelos padres jesuítas que era usado como uma atalaia (espécie de observatório), de onde eles fiscalizavam o trabalho dos escravos da fazenda, observando todas as terras em sua volta.

Após a vida da Família Real Portuguesa para o Brasil em 1808 e a consequente elevação da sede da Fazenda Real de Santa Cruz a Paço Real. Ali foi erigida uma pequena construção, em formato octogonal, para que os observadores ficassem melhor acomodados. Este local era constantemente visitado por D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II.

O mirante foi registrado artisticamente na época por viajantes estrangeiros que por aqui passaram. Um deles foi o primeiro Embaixador da Bélgica no Brasil, Sr. Benjamim Mary, que desenhou o Mirante com a presença do jovem Imperador D. Pedro II. Também foi fotografado em 1885, durante as manobras militares realizadas sob o comando do Conde D’Eu.

Em homenagem aos 400 anos de Santa Cruz, o governo do Estado de Rio de Janeiro (Na época o Rio de Janeiro era chamado de Estado da Guanabara), colocou no mirante uma Cruz em alusão a cruz histórica localizada em frente ao quartel que deu a origem ao nome do bairro.

Colaboração: Luís Martini Thiesen

Fonte: NOPH e Rio Educa Ideias
Pesquisa e postagem neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

quinta-feira, junho 07, 2018

A história do Padre Guilherme Decaminada (1912-1994)



Um padre realizador, pároco das Igrejas de São Pedro em Sepetiba, e Nossa Senhora da Conceição, em Santa Cruz, que dá o nome a uma avenida, no bairro.

Guilherme Decaminada nasceu em Cis (região do Trentino-Alto Ádige, Itália), em 17 de novembro de 1912. Entrou no seminário em Verona aos 02 de setembro de 1926. Foi noviço em 08/09/1931. Professou a sua fé em 09/09/1932.

Veio para o Brasil aos 13.11.1935. Ordenou-se sacerdote em Ribeirão Preto - SP aos 15.08.1939. Exerceu seu ministério pastoral como pároco e vigário paroquial em Ituiutaba - MG, Formosa - GO, Uberaba - MG, São Paulo – SP (Parada Inglesa) e Rio de Janeiro – RJ (Santa Cruz).

Era amigo e colega sempre disposto para tudo quanto fosse iniciativa ou trabalho. Tinha verdadeira paixão pela botânica prática. Encantava-se com a flora tropical. Gostava de longos passeios a pé, sentia prazer e entusiasmo em escalar montanha, para cujo esporte era dotado de grande resistência física.

Sem ser relapso, nem insubordinado não se atinha à pontualidade. Alimentava a realização de grandes projetos, mas sem recursos para executá-los nos primeiros anos de sacerdote. Um dos sonhos foi posto em prática quando, transferido para a paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no bairro de Santa Cruz do Rio de Janeiro ergueu a igreja matriz, considerada uma das maiores de toda Arquidiocese do Rio.

As Obras Sociais da paróquia, reconhecidas como entidades de utilidade pública contribuíram, a partir dos anos 50, para minimizar o sofrimento do povo pobre da região. Enquanto a igreja era construída, inúmeras salas funcionavam como consultórios médicos, gabinetes odontológicos, laboratório de análises clínicas, farmácia, cursos profissionalizantes de trabalhos manuais, corte e costura. O Cine Fátima, uma das mais modernas salas de projeção da época em toda a cidade do Rio de Janeiro foi projetado para ocupar o espaço existente no sub-solo da matriz.

Faleceu no dia 28 de abril de 1994, vítima de câncer no estômago, que o atormentou nos últimos anos de vida e foi sepultado no cemitério de Santa Cruz.

Texto de Flávio Brandão
Arquivo - NOPH

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

quarta-feira, junho 06, 2018

O Rio começa em Sepetiba

Por Cláudio Prado de Melo

Praia de Sepetiba antes do inicio do processo de degradação da Baia de Sepetiba que assoreou boa parte da linha costeira – (Foto anos 1970 – Arquivo Nacional).

Apesar de muitos acharem o contrário, Sepetiba não é um Município do Estado do Rio de Janeiro, e, sim um bairro do Município do Rio de Janeiro. Sepetiba não é O Último bairro do Rio de Janeiro, mas sim o primeiro! Com essa afirmação começamos a mostrar um pouco sobre sua história e importância no contexto histórico e arqueológico.

Sepetiba é um bairro localizado na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, banhado pelas águas da comprometida Baía de Guanabara. Faz limite com Santa Cruz, Barra de Guaratiba e Guaratiba, que apesar de serem tão longes e tão afastado do Rio, também são bairros da Urbe Carioca.

Etimologicamente falando, o nome “Sepetiba” tem origem na língua tupi, significando “muito sapê” e tal nome se referia as áreas baixas e planas aonde o sapê crescia em abundância. SIPITIBA, ou “ÇAPE-TYBA”, ou “ÇAPE-TYUA”, significa “sítio dos sapês” ou “sapezal”.

Coreto da Praça de Sepetiba, filmado inúmeras vezes na novela O Bem Amado e que pertencia a Praça XV, em frente ao Paço Imperial (Fotos: Acervo IPHARJ)

As praias de Sepetiba serviam como porto do Rio Colonial para exportação de pau-brasil à Europa. Seus principais acessos eram o caminho de Sepetiba (atual Estrada de Sepetiba), que levava à Santa Cruz, e o caminho de Piahy (atual Estrada do Piaí), que ligava o bairro à Pedra de Guaratiba.

Na região existem três praias principais: a de Sepetiba, a do Recôncavo (antiga Dona Luíza) e a do Cardo. Em 1818, havia três fortes equipados com baterias de canhões: 1) o de São Pedro (que defendia a praia de Sepetiba e as ilhas do Tatu e a Ilha da Pescaria); 2) o de São Paulo (abrangia as praias de Sepetiba e Piahy); e 3) o de São Leopoldo (no morro de Sepetiba).

 Marco na Praça Washington Luiz (Foto: Acervo IPHARJ)

A antiga povoação foi elevada à segunda província por Dom João VI. De acordo com fontes históricas, Dom João VI foi estimulado pelos padres jesuítas a visitar o litoral de Sepetiba, onde vislumbrou um ponto adequado para a navegação e escoamento de produtos. Nele construiu duas pontes e um molhe na região da lha da Pescaria, utilizando mão-de-obra escrava e seguindo as coordenadas dos portugueses.

Já no início do século XIX, Sepetiba passou a ser frequentada no verão pela Família Real, que utilizava a propriedade para o lazer da elite, como touradas, saraus e danças portuguesas. Com a implantação da “Companhia Ferro Carril”, em 1884, o bonde de tração animal passou a transportar a “mala real” até o cais de Sepetiba, além de cargas e passageiros.

É de amplo conhecimento de que boa parte do litoral fluminense foi ocupado por alguns dos mais antigos grupos humanos que chegaram à faixa litorânea do Estado, na época em que o homem no Rio de Janeiro ainda era nômade e vivia basicamente da coleta de víveres como moluscos, crustáceos e frutas silvestres. Os locais escolhidos eram os que ofereciam condições de estabelecimento temporário e tão logo o ambiente natural se mostrava enfraquecido ou exaurido de recursos alimentares, esses grupos se mudavam para outras áreas. Esses grupos de Paleo-Indios são chamados na Arqueologia Brasileira de Grupos Sambaquieiros. Em determinadas regiões e em áreas próximas ao mar, os chamados Sambaquis mostram em detalhes aspectos da vida e das práticas funerárias de algumas dos mais antigas ocupações no estado.

Faixa estreita de terra ainda não submersa pelo efeito das mares e que separa a Ilha dos Marinheiros do Continente (Foto: Acervo IPHARJ)

Mais tarde, a região litorânea foi ocupada por grupos ceramistas agricultores que terminaram por dominar esses grupos mais primitivos. Os indígenas Tupi que transitavam por toda a região, aqui e ali deixando seus vestígios uma vez que existia um fluxo constante de tribos transeuntes de norte a sul (e vice-versa) rumo a locais novos para assentamentos. Guaratiba e Campo Grande se destacaram nas descobertas, apesar de especularmos que a maior parte foram destruídos no processo de ocupação recente.

A Reserva de Guaratiba é composta por ecossistema de mangue, é o filtro da baía de Sepetiba, e considerado o manguezal mais bem preservado do Estado. Existem (ou existiam antes da construção do BRT?) 34 sítios arqueológicos situados em seus limites. Em termos numéricos temos uma estatística cedida pelo Cadastro de Sítios Arqueológicos para a região, como segue: Guaratiba: 34 sítios, Sepetiba: 2, Campo Grande: 3, Senador Camará: 1, Santa Cruz: 3, Bangu 4.

A baía de Sepetiba foi palco de inúmeros acontecimentos da história do Brasil e, até hoje, mantém sua importância como posto de vigília em frente à Base Aérea de Santa Cruz para garantir a soberania nacional. Ligada à pré-história indígena, como atesta a presença de sambaquis na região, Sepetiba foi considerada o “Porto do Ouro” por receber todo o ouro que vinha de Paraty com destino a Lisboa.

No século dezoito, a baía de Sepetiba foi cenário de muitas batalhas entre corsários atraídos pelo ouro e soldados do rei Dom João IV. Além do ouro, os piratas usurpavam o pau-brasil abundante nas matas da região.

Um quebra-coquinho da época do Homem do Sambaqui encontrado da estratigrafia do paredão. Acervo IPHARJ

Em 23 de Agosto de 2015, a convite da equipe técnica do Ecomuseu de Sepetiba (reunindo Bianca Wild, Silvan Guedes, Telma Lopes, Bruno Cruz, Maria Do Carmo Matos, e Gutemberg Castro) e o arqueólogo do Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do Rio de Janeiro estiveram na região de Sepetiba aonde existem locais de interesse histórico e arqueológico ate então não identificados.

A primeira investigação deu-se em uma casa em processo de reforma/ demolição situada na praça principal e verificamos no seu processo de construção a existência de um tipo de argamassa das paredes de pedra aonde são visíveis restos de conchas de sambaquis e ate um possível fragmento de osso humano. Esta descoberta constitui um indicador da existência de sambaquis na região e de seu emprego como material consolidador de um tipo de massa composto de cal, areia e muitas vezes óleo de baleia, em uso no Período Colonial, data em que se especula tenha ocorrido a construção da casa.

Ao longo da extensa caminhada pela faixa litorânea, a equipe se deparou com vários pontos de interesse arqueológico e com artefatos aflorados na superfície. A julgar pelas categorias de artefatos e padrões de sítios, podemos atestar se tratar das seguintes categorias de sítios:

1) Remanescentes de ocupações sambaquieiras com presença de artefatos líticos típicos como batedores e conchas com marcas características;

2) Em outra área verificou-se a existência de sítio contendo material cerâmico pré-histórico, possivelmente remanescente de uma ocupação ou acampamento Tupi-Guarani, com decoração na cerâmica;

Outro perfil , evidenciando um fragmento de cerâmica Tupi-Guarani decorado com motivos florais. Acervo IPHARJ

3) Em uma outra parte do terreno localizamos material que desceu da parte superior da elevação e continha material histórico como louças e metais, chamando atenção os fragmentos de faiança portuguesa decorada de azul sobre branco, típica do século XVII .

4) Encontramos também um capacete de paraquedista (modelo m1,americano, de 1942). Nesse sentido cabe lembrar o relato de que refugiados da Revolta Armada de Santa Catarina atracaram acidentalmente na praia de Sepetiba, sendo presos e fuzilados na “Ilha da Pescaria” e ali mesmo sepultados. O local passaria a ser chamado de “Ilha dos Marinheiros” pelos moradores mais antigos.

Já realizamos várias ações de importância, como segue:

1) Relatório de apoio (Laudo Arqueológico) à solicitação do ECOMUSEU DE SEPETIBA que pedia o tombamento da area arqueológica. Tal Relatório foi encaminhado ao competentíssimo Vereador William Coelho que encaminhou o PL a Camará Municipal do Rio de Janeiro,

2) Assessoria em Arqueologia a equipe de tecnicos do IRPH nas Vistorias técnicas a região de Sepetiba,

3) Vistorias técnicas e pesquisas de Diagnóstico da Região por toda as regioes de Sepetiba;

4) Participação no Seminário organizado pela BASC com Conferência que teve como tema os aspectos Arqueológicos e Históricos da região;

5) Registro dos sítios arqueológicos no Órgão Federal em 2015;

6) Levantamento detalhado do assunto em forma de um artigo; nos primeiros meses será lançado um Livro com o resultados das pesquisas arqueológicas não interventivas que estão sendo realizadas pela equipe do IPHARJ desde Agosto de 2015;

7) Encaminhamento das pesquisas para o IRPH que também esta envolvido em parte desse projeto e um segmento dele já foi Tombado a Nível Municipal .

No último dia 06, fomos conduzidos pela turismóloga Telma Lopes em visita a uma nova região que ela suspeitava ser de algum interesse arqueológico. Lá encontramos o sítio em processo de destruição, e farto material arqueológico nas proximidades, já impactado e constando da mesma categoria de artefatos como na outra oportunidade, confirmando-se, então, a existência das várias fases de ocupação do território de Sepetiba. Amanhã, dia 08/01/2018, protocolaremos um novo relatório sobre o assunto nos órgãos municipais e federais de interesse, pois o novo sítio detectado no dia 06 está em fase de destruição e carece de cuidados mais do que urgentes!

Após à conclusão esse estudo arqueológico será de fundamental importância para se entender o processo de ocupação do litoral do estado do Rio de Janeiro. Consideramos que a área em avaliação merece todo cuidado e atenção por parte dos Preservacionistas da região.

Claudio Prado de Mello ( Prof.Ms)
Arqueólogo e Historiador
Conselheiro do Conselho Estadual de Tombamento SEC RJ
Conselheiro Municipal de Cultura do Rio de Janeiro
Instituto de Pesquisa Histórica e Arqueológica do RJ
Museu da Humanidade – IPHARJ
email: pradodemello@hotmail.com

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