Numa ação ousada, envolvendo centenas de policiais com o apoio da Marinha do Brasil, do Exército e da Polícia Federal, o Rio de Janeiro está dando uma resposta ao tráfico que entra para a história da cidade e do Brasil como uma das mais importantes dos últimos anos. Com ela, cai por terra um mito, de que os grandes complexos de favelas da cidade, como a Penha e o Alemão, eram territórios do tráfico, onde nem mesmo a polícia entrava.
Infelizmente, esse não é um assunto novo. Prova disso é a capa da Revista de História da Biblioteca Nacional de outubro de 2007, que perguntava "O que a História tem a dizer?" sobre o problema da violência. Em um dossiê, com nove artigos, foi contado diversos aspectos que podem explicar, ou pelo menos, contextualizar a questão. Porque o problema da criminalização dessas áreas, como é fácil entender, não nasceu recentemente.
O artigo da professora Myrian Sepúlveda dos Santos, da Uerj, por exemplo, abordava o relato de antigos detentos e funcionários do presídio da Ilha Grande, em Mangaratiba, litoral Sul Fluminense, onde, durante a ditadura militar, foram colocados lado a lado prisioneiros políticos e comuns.
"Nos anos mais severos da ditadura militar, a estratégia da repressão foi criminalizar os presos políticos. Nelson Rodrigues Filho e muitos outros militantes de esquerda que lutavam contra a ditadura militar foram enviados para o Instituto Penal Cândido Mendes, penitenciária de segurança máxima que ocupava as instalações da antiga Colônia Agrícola", escreve ela. "'Quase dois irmãos', filme de Lúcia Murat realizado em 2005, descreve a convivência entre comunistas e assaltantes de banco, todos submetidos à Lei de Segurança Nacional.”
Discriminação em favelas, sempre houve
Já o historiador Romulo Costa Mattos escreveu sobre como as favelas sempre foram discriminadas. Ele relata, logo no início de seu artigo, uma situação que parece ter saído dos jornais de hoje em dia. "É o lugar onde reside a maior parte dos valentes da nossa terra, e que, exatamente por isso - por ser o esconderijo de gente disposta a matar, por qualquer motivo, ou, até mesmo, sem motivo algum - , não tem o menor respeito ao Código Penal nem à Polícia, que também, honra lhe seja feita, não vai lá, senão nos grandes dias do endemoninhado vilarejo." O trecho se refere ao Morro da Favela, considerada uma das primeiras favelas do Brasil, e foi publicado no jornal "Correio da Manhã" em 5 de julho de 1909. Há mais de um século.
"Essa reportagem mostra que a percepção social da violência urbana nas favelas vem de muito tempo, assim como o estigma imposto aos seus habitantes", escreve ele. "Pelo menos desde a década de 1900, os moradores das favelas são comumente vistos como grandes promotores da criminalidade na cidade do Rio de Janeiro. Ainda mais antiga é a idéia de que as moradias populares em geral seriam prejudiciais à ordem pública." A edição do "Correio..." ainda afirmava que "a Favela (...) é a aldeia do mal", além de ser a "aldeia da morte". A partir daí, cria argumentos para tirar todo e qualquer direito dos moradores dessas áreas. "Enfim, e por isso, por lhe parecer que essa gente não tem deveres nem direitos em face da lei, a polícia não cogita de vigilância sobre ela".
O nascimento da Cidade de Deus
A antropóloga Alba Zaluar conta a história de uma das mais famosas favelas cariocas: a Cidade de Deus. Ela conta a história da remoção das aglomerações pobres na parte rica da cidade e lembra de como foi traumático o processo, "que os obrigou a deixar para trás empregos, vizinhos, amigos, associações vicinais e seus precários barracos de então", lembrando que, nessa época, "a Cidade de Deus não tinha iluminação pública nem rede de transporte eficiente". O resultado não é difícil de se prever.
"Em 1980, os jovens da Cidade de Deus já falavam em fuzis e três-oitões com orgulho inconsequente", escreve ela. "Quanto mais mortífera e cara a arma, mais admiração passava a despertar nos colegas e vizinhos por causa do poder que se associava a ela. Mais do que consideração ou reconhecimento, era e é uma questão de poder: e para garanti-lo, era e é preciso usar a arma. Eliminar membros de quadrilhas ou comandos inimigos com esses instrumentos da morte aumenta esse poder, que se baseia no medo e no respeito pelo matador. Estava criado um estilo de masculinidade violento e cruel, que matará milhares de jovens nas décadas seguintes."
As imagens e os fatos que estamos vendo na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, comprovam tudo isso.
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Infelizmente, esse não é um assunto novo. Prova disso é a capa da Revista de História da Biblioteca Nacional de outubro de 2007, que perguntava "O que a História tem a dizer?" sobre o problema da violência. Em um dossiê, com nove artigos, foi contado diversos aspectos que podem explicar, ou pelo menos, contextualizar a questão. Porque o problema da criminalização dessas áreas, como é fácil entender, não nasceu recentemente.
O artigo da professora Myrian Sepúlveda dos Santos, da Uerj, por exemplo, abordava o relato de antigos detentos e funcionários do presídio da Ilha Grande, em Mangaratiba, litoral Sul Fluminense, onde, durante a ditadura militar, foram colocados lado a lado prisioneiros políticos e comuns.
"Nos anos mais severos da ditadura militar, a estratégia da repressão foi criminalizar os presos políticos. Nelson Rodrigues Filho e muitos outros militantes de esquerda que lutavam contra a ditadura militar foram enviados para o Instituto Penal Cândido Mendes, penitenciária de segurança máxima que ocupava as instalações da antiga Colônia Agrícola", escreve ela. "'Quase dois irmãos', filme de Lúcia Murat realizado em 2005, descreve a convivência entre comunistas e assaltantes de banco, todos submetidos à Lei de Segurança Nacional.”
Discriminação em favelas, sempre houve
Já o historiador Romulo Costa Mattos escreveu sobre como as favelas sempre foram discriminadas. Ele relata, logo no início de seu artigo, uma situação que parece ter saído dos jornais de hoje em dia. "É o lugar onde reside a maior parte dos valentes da nossa terra, e que, exatamente por isso - por ser o esconderijo de gente disposta a matar, por qualquer motivo, ou, até mesmo, sem motivo algum - , não tem o menor respeito ao Código Penal nem à Polícia, que também, honra lhe seja feita, não vai lá, senão nos grandes dias do endemoninhado vilarejo." O trecho se refere ao Morro da Favela, considerada uma das primeiras favelas do Brasil, e foi publicado no jornal "Correio da Manhã" em 5 de julho de 1909. Há mais de um século.
"Essa reportagem mostra que a percepção social da violência urbana nas favelas vem de muito tempo, assim como o estigma imposto aos seus habitantes", escreve ele. "Pelo menos desde a década de 1900, os moradores das favelas são comumente vistos como grandes promotores da criminalidade na cidade do Rio de Janeiro. Ainda mais antiga é a idéia de que as moradias populares em geral seriam prejudiciais à ordem pública." A edição do "Correio..." ainda afirmava que "a Favela (...) é a aldeia do mal", além de ser a "aldeia da morte". A partir daí, cria argumentos para tirar todo e qualquer direito dos moradores dessas áreas. "Enfim, e por isso, por lhe parecer que essa gente não tem deveres nem direitos em face da lei, a polícia não cogita de vigilância sobre ela".
O nascimento da Cidade de Deus
A antropóloga Alba Zaluar conta a história de uma das mais famosas favelas cariocas: a Cidade de Deus. Ela conta a história da remoção das aglomerações pobres na parte rica da cidade e lembra de como foi traumático o processo, "que os obrigou a deixar para trás empregos, vizinhos, amigos, associações vicinais e seus precários barracos de então", lembrando que, nessa época, "a Cidade de Deus não tinha iluminação pública nem rede de transporte eficiente". O resultado não é difícil de se prever.
"Em 1980, os jovens da Cidade de Deus já falavam em fuzis e três-oitões com orgulho inconsequente", escreve ela. "Quanto mais mortífera e cara a arma, mais admiração passava a despertar nos colegas e vizinhos por causa do poder que se associava a ela. Mais do que consideração ou reconhecimento, era e é uma questão de poder: e para garanti-lo, era e é preciso usar a arma. Eliminar membros de quadrilhas ou comandos inimigos com esses instrumentos da morte aumenta esse poder, que se baseia no medo e no respeito pelo matador. Estava criado um estilo de masculinidade violento e cruel, que matará milhares de jovens nas décadas seguintes."
As imagens e os fatos que estamos vendo na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, comprovam tudo isso.
17 comentários:
As imagens de bandidos em fuga da Vila Cruzeiro em direção ao Complexo do Alemão mostrou o poder de fogo dos criminosos e o nível de violência na região. E mostra que essa é uma repressão que pode e deve, ser feita com a união de todos os níveis de governo, para a segurança de todos os cidadãos.
O Estado do Rio de Janeiro e também outros estados do Brasil, sofrem as consequências de anos de omissão e conivência com a criminalidade e, nesse momento, toda a sociedade brasileira precisa dar apoio às autoridades empenhadas no combate ao crime. É claro, que depois dessas ações, o poder público não pode esquecer de atuar em outras áreas, para que se tenha fim a essas cenas lamentáveis.
Por isso é que nós sempre estamos aqui, suas matérias são de uma relevância incrível. Parabeniso professor, és uma enciclopédia virtual que faz-nos aprender e rememorar assuntos da história desse nosso país.
Abraço
Olá professor muito boa essa postagem concerteza é o blog da Historia, parabéns professor pela post.
Sobre a formação das favelas e morros cariocas, é necessário relacionarmos ao processo de urbanização pela qual a cidade do Rio de janeiro, então capital federal, passou na virada do sec. XIX para o XX. Nesta época, então denominada Belle Époque, através de um discurso “civilizador”, as autoridades públicas forçaram a saída das camadas populares do centro da cidade. Suas moradias, consideradas focos de doenças e marginalidade (os cortiços), foram demolidas, e assim, essa parte da população, agora sem moradia, iniciava o processo de habitação dos morros e formações das favelas. Sobre este momento da História do Rio de Janeiro, ver Sidney Chalhoub “Trabalho, Lar e Botequim” e também “Cidade Febril”. Agora, História à parte, queria desejar aos nossos irmãos cariocas muita força neste momento, que como o post afirma, é histórico. Acredito que, com a união das forças públicas e apoio da população, venceremos esta guerra. Parabéns Prof. Adinalzir por mais este excelente post e o Pará está junto com a população do Rj no combate à criminalidade. Um grande abraço!
O processo que culminou com a origem das favelas no Rio de Janeiro, na virada do século XIX para o século XX, é resultado a ausência de políticas públicas. Com o passar do tempo, outros problemas sociais foram surgindo. Dentre eles, o tráfico de drogas que tem se constituído numa espécie de 'Estado Paralelo', com a cumplicidade e a anuência das autoridades constituídas (nos três niveis de governos: municipal, estadual e federal). Há muito tempo as favelas cariocas foram tomadas pelo poder paralelo do tráfico. Através do comércio ilegal de drogas, o poder financeiro do tráfico se fortelce constantemente alimentando a riqueza dos traficantes e o vício de jovens e adultos das mais diversas classes sociais, desde o morro até o asfalto. Nas favelas e morros cariocas, o traficante é a lei, o juiz e o carrasco... É, chegada a hora das autoridades esquecerem o discurso político, sair dos gabinetes, e encontrarem uma solução para acabar com essa ferida crônica tão deprimente e vergonhosa, que é perpetrada pelo crime organizado, através das facções crimonosas que espalham uma onda de terror e violência, maculanda a imagem da Cidade Maravilhosa.
O povo carioca é merecedor de respeito, decência e dignidade. r
é sempre bom contextualizar socialmente e historicamente os fatos. Adorei o posting. Parabéns!
Hoje estive lendo algo sobre esse assunto. Não tenho ainda uma opinião 100% formada sobre o assunto, mas pelo que vi na TV tenho medo de que grande parte de tudo isso seja apenas cenário para mostra de serviço. Só o tempo dirá se é real ...
Prezado Lucidreira
Como sempre, agradeço a assiduidade da sua visita e o seu comentário.
Um grande abraço!
Prezado Prof. Fabiano Reis
Temos todos que estar juntos por um Rio de paz. Agradeço a sua visita e o seu comentário. Abraços!
Caro Prof. Leonardo Oliveira
Como podemos ver nos jornais, o Rio de Janeiro venceu a ignorância dos traficantes. Cabe agora as autoridades perceberem que o trabalho de pacificação da polícia só ficará completo se houver investimentos em infraestrutura, saúde, lazer e educação. Isso é o que deve ser feito, não só no Rio, mas em todos os outros estados do Brasil.
Agradeço a sua visita e o seu apoio! Um grande abraço!
Prezado Prof. José Lima Dias Júnior
E o Rio conseguiu vencer a batalha no Complexo do Alemão. O grande Nelson Rodrigues já dizia que subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos. Essa situação do tráfico aqui no Rio começou a 50 anos, por isso chegou a esse tamanho. Mas agora, pela primeira vez, temos que ter esperança, acreditar na polícia. Que as autoridades do Rio e de todo o Brasil saibam aproveitar esse grande momento histórico, pois o problema do tráfico exige a união de todos nós.
Agradeço pela visita e pelo apoio!
Abraços, :)
Meu caro Bananal, my history, my city, my life
Todos nós aqui no Rio, estamos muito felizes com a ação das forças policiais. Podemos dizer que a cidade venceu mais uma parte das forças do mal. Que essa ação se repita por todo o Brasil e no mundo.
Fico muito grato com sua visita!
Prezada Bernadete
Vamos torcer e ter pensamento positivo. Pelo menos nesse momento não custa nada acreditar.
Muito obrigado pela visita e um grande abraço!
Olá, Prof. Adinalzir!
Infelizmente, como você disse, o tráfico de drogas e a favelização são assuntos já bem antigos. Ambos devem-se à desigualdade social e ao descaso do poder público, respectivamente.
Felizmente, parece que novos caminhos estão sendo traçados e o que se espera é mais dignidade e segurança em todas as comunidades, se essa propsta for realmente levada à frente.
Abraço!
Prezado Victor Faria
Agradeço seus comentários, e concordo que o grande desafio, ainda é vencer a desigualdade social e o descaso do poder público. Aí sim, veremos uma luz no fim do túnel.
Um grande abraço!
Cara, tem como atualizar os links? Estão todos fora do ar.
Eu li há um tempo que, para o fim da violência é fundamental o fim das favelas. Eu acredito que o Estado deveria ter um plano de desenvolvimento econômico e social que inclui a desfavelização dos grandes centros urbanos, inclusive no Rio mas, que isso inclua projetos arquitetônicos que deem qualidade de vida aos moradores dessas antigas favelas e que eles sejam assentados no mesmo local ou, no máximo, em bairros vizinhos onde eram essas favelas. Bairros com toda a infraestrutura, escola, delegacias de polícia, parques, transporte público, enfim, incluir essas pessoas na vida urbana e que tenham oportunidades de emprego e crescimento profissional e pessoal de forma igual, pro desenvolvimento econômico do país e para o fim da violência isso seria fundamental.
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