Barra da Tijuca é um dos bairros de história mais recente no Rio, ao menos daqueles mais notórios. As suas bases foram lançadas ainda nos anos 1920, mas só começou a tomar cara mesmo lá para o final dos anos 1970.
Na história então comumente narrada sobre a Barra, ela é associada a imagens paradisíacas (praias, lagoas, canais, ilhas, morros, restingas) e a grupos sociais específicos (classe média alta e novos ricos) e a tipos de habitação diretamente relacionados ao poder aquisitivos daqueles grupos (condomínios de alto padrão, mansões, apartamentos luxuosos).
Consolidou-se então uma imagem da Barra da Tijuca como um lugar de desfrute das classes mais abonadas da sociedade carioca: um espaço de recreio dos mais privilegiados. Das práticas de “corrida de submarino” feitas nas praias pelos jovens namorados dos anos 1940 e 1950, a Barra passou a ser a sede por excelência de práticas como o surf, windsurf, voos de ultraleve, passeios no shopping, livre desfile de carros importados, restaurantes finos etc.
Nesse retrato sobre o bairro e sua história, havia uma ideia subjacente: a de que o território começou a se desenvolver exatamente quando esses usos se consolidaram no território ali pelos anos 1980. Era como se antes a Barra não tivesse história.
Grave erro. Porque a história da Barra é muito anterior. E feita por mãos, braços, suor e sangue de gente de outras categorias sociais. Antes de tudo é preciso lembrar que antes dos portugueses ocuparem o território, os povos originários já a habitavam, nela produzindo vida e saberes. E do período colonial até o fim da monarquia escravocrata a área seria desenvolvida e cuidada pelo trabalho de pescadores e camponeses, e por trabalhadores escravizados, ou seja, tratava-se nos dois casos do povo preto que ali ia tecendo o dia-a-dia da sobrevivência, sob condições muito duras e injustas, mas sempre resistindo e persistindo.
Houve ainda uma boa parcela de escravizados alforriados e quilombolas que também atuaram na região desde sempre, ocupando pequenas parcelas nos morros da região e que seguiram vivendo na região por anos a fio, e com seus descendentes atravessando o século XX, mantendo seus roçados e pequenas criações, tão importantes para a subsistência de tantas famílias que ali habitavam.
A história dessa gente ainda está para ser devidamente contada. E a história dela foi e é parte integrante da história da Barra da Tijuca. A Barra é muita mais do que shoppings, condomínios e lazeres da classe média bronzeada. Ela também é a Barra do povo preto, pobre e camponês.
Por: Leonardo Soares dos Santos.
Professor de História/UFF, pesquisador do IHBAJA e do IAP.
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