Muitas histórias são narradas e recontadas pelo povo de Taquaras, distrito do município de Rancho Queimado, cidade brasileira do Estado de Santa Catarina. Famosa entre elas é a de Sophia, a menina bugre sobrevivente de uma chacina. A índia, que foi adotada por uma família de imigrantes, viveu entre os brancos, foi “domesticada” e está sepultada no cemitério luterano da cidade.
Quantas batalhas e histórias sangrantes viram aqueles olhos de outrora? O que há de se desmistificar e de se revelar? Que mistérios e traumas essas chacinas têm? Sempre houve resistência e silêncio ao se falar dessa parte obscura da nossa História.
Batalhas e cenas tristes – as artimanhas dos massacres
O ataque aos índios pelo bando de Martinho seguia sempre um mesmo ritual. Perseguia-se o grupo a que se desejava exterminar, depois de encontrá-lo, os bugreiros ficavam acantonados durante horas, sem conversar ou fumar, esperando o momento exato para surpreender os índios em um ataque fulminante. Geralmente atacavam quando o dia estava para nascer, enquanto os indígenas ainda se encontravam entregues ao seu sono mais pesado. Primeiro cortavam as cordas dos arcos, depois iniciavam a matança. Acordados a tiros e golpe de facão, os índios não tinham qualquer chance de defesa: degola, evisceramento, cortes transversais no peito, pontaços no coração, pois a carne é macia e a lâmina cega. Cortavam as orelhas dos mortos – pois a recompensa era paga por cada par delas.
O trabalho só terminava depois que derrubassem os ranchos, amontoavam e ateavam fogo em tudo (esta parte das histórias traz à tona a verdadeira origem do nome de Rancho Queimado). Para que queimassem melhor, a sola grossa dos pés dos índios era aberta a facão. Os despojos – arcos, flechas, artesanatos – eram divididos entre os homens, que depois vendiam. Muitos desses artefatos, por muito tempo foram venerados como troféus – verdadeiros monumentos de barbáries.
A índia Sophia que sobreviveu ao maior massacre
Numa das maiores batalhas, morreram mais de duzentos índios e segundo historiadores se passou pela região de Rancho Queimado. Foram poupadas apenas duas crianças, uma menina e o seu irmão. Martinho Bugreiro os trouxe à cidade e uma família de Taquaras adotou os bugrezinhos. Do menino, sabe-se que conseguiu fugir e embrenhou-se na mata de novo. A menina recebeu o nome de Sophia, cresceu na sua nova família, foi batizada e está enterrada no cemitério luterano da cidade.
Infelizmente pouco da verdade se sabe, o lado poético e romantizado – do imigrante heroico, piedoso é a que prevalece. A verdade sempre foi negada ou omitida, talvez por medo, ou trauma; talvez por vergonha. Sabemos apenas que Sophia cresceu tímida, introspectiva e pouco falou durante toda a sua existência. Quisera eu poder ter olhado em seus olhos e conseguir enxergar, sentir, o sangue que eles quando pequenos presenciaram naqueles massacres inglórios de outrora. Martinho, sumiu. Ou assim quisera que fizessem. Casou e viveu seus últimos anos no município de Vidal Ramos (Santa Catarina). É isso!
Quanto sangue, cabeças decapitadas e pares de orelhas os olhos da menina Sophia não devem ter visto?
Texto de Jonei Bauer.
Referência bibliográfica:
SANTOS, Silvio Coelho dos. O homem índio sobrevivente do Sul: Antropologia Visual. Gatarujá. 1978.
Publicado no portaldorancho.com.br
2 comentários:
É exatamente este "Sul" que é o do Brasil: com exceção das pequenas cidades, SC, PR e RS são baixinhos e morenos , na maior parte. Mestiços. O gaúcho é um indígena negroóde. Da mesma forma os uruguaios e argentinos , da mesma forma; morenos e trincados.Mas querem vender uma imagem de louros , de olhos azuis e heróis desbravadores piedosos.
Exatamente meu amigo! Adorei seu comentário. Volte sempre aqui.
Postar um comentário