sábado, setembro 05, 2020

Irajá em 1956 - o santo no meio do inferno



Vocês já se perguntaram como era o bairro onde você mora em um determinado ano ou época? Entender o bairro atualmente é olhar para trás e entender todos os problemas mal resolvidos do passado.

Antes de entrar e comentar sobre esse ano para ser esquecido pelo bairro, ler um pouco como foi o início do bairro que até os anos 60, era considerado ainda um pedaço do campo no meio da cidade grande.

De uma forma bem resumida, o bairro pertencia a Freguesia de Irajá. Considerada a maior Sesmaria do velho rio, as terras  englobavam boa parte do atual subúrbio da Leopoldina até bairros da zona oeste. As terras foram concedidas a seu pioneiro, Antônio de França que criou o Engenho de Nossa Senhora da Ajuda. As atividades predominantes do velho engenho eram criação de gado, lavouras e cana-de açúcar.

Com o progresso e a expansão para o interior da antiga zona rural da cidade, as terras da freguesia se tornavam bairro e deixavam de ser chácaras e fazendas. De freguesia rural, Irajá se transformou numa freguesia suburbana devido a sua proximidade do centro da cidade. Com a chegada dos trens e bondes, que serviram o novo bairro, a expansão foi rápida, tanto é que em 1920, ao lado da freguesia de Inhaúma, 1\4 da população moravam nessas áreas.

É importante entender que o processo de expansão da cidade favoreceu a classe média alta e os poderosos, já que seguimos o modelo francês de cidade, onde ricos, poderosos e classes altas ficavam mais perto do centro e trabalhadores entre outros, eram sistematicamente afastados para as periferias e zonas mais afastadas. O modelo americano é considerado mais justo, se assim posso dizer, pois os ricos foram em direção as periferias e a classe trabalhadora ficou próxima ao centro econômico.

Mas falar de subúrbio é falar de altos e baixos. A criação dos bairros passou por tantas fases, em sua grande maioria com problemas sociais e estruturais graves que quase nunca são solucionados.

Os anos 50 representou um momento grave do bairro, várias reportagens do bairro mostravam os problemas latentes e que assolavam a localidade. Ainda considerado como zona rural, Irajá enfrentava enormes dificuldades e será isso que iremos ver a partir de agora. O texto foi escrito em cima de reportagens do jornal  A NOITE  do anos de 1956, onde peguei 4 reportagens para mostrar as dificuldades encontradas naquele ano.

A IGREJA E O CEMITÉRIO

O que seria pior para o bairro, “macumbeiros” ou assaltantes? Ambos eram problemas que assolavam seus moradores. O jornal destacou o abandono da igreja da velha freguesia e isso foi objeto de análise das reportagens.

O templo de Irajá, que já tivera dias melhores e tinha sido até ponto turístico estava vivendo um momento delicado. Muitos artistas visitavam o monumento para admirar tudo que ali estava.

A mais de 14 anos, a igreja está sob o comando do padre Luiz Garrido, que lutava sozinho para manter o local. Vivendo apenas de doação, as ricas famílias e pessoas com condições não ajudavam em nada a irmandade. Precisando de obras de manutenção, o padre e a irmandade estavam desesperados sem saber o que fazer, campanhas aconteciam mais não sensibilizavam os poderosos do Irajá e isso fazia com que não apenas a igreja, mas o cemitério sofresse com problemas sérios.

O problema financeiro era grave, mais o pior disso tudo era a profanação de um lugar religioso. Os “macumbeiros” e “feiticeiros”  que cercam o Irajá não respeitam nem a morada final. Ali, mesmo durante o dia, fazem seus trabalhos deixando um verdadeiro rastro de sujeita por todo lado. A praça de frente a igreja virou um cemitério de animais sacrificados, é galinha, porco, cabra, etc., Representações de satanás espalhados por todos os lados, até o cruzeiro foi tomado. Se ficassem nessa esfera, dava ainda para dar um jeito, porém os praticantes dessa religião invadiam terrenos alheios  e o cemitério e ali faziam festivais de danças e luxurias.


PROBLEMAS COM A LUZ  E A ÁGUA

Ao saltar da estação de trem, os leitores percebem o problema logo de cara, a alguns passos mais a frente: A falta de luz! O trecho entre as ruas Monsenhor Felix e Automóvel Clube, as casas são bem arrumadas, lojas magníficas e calçamento com bom nível, mas quando chegamos às ruas arteriais que encontramos os problemas. É mato, valas e buracos para todos os lados. Na estrada do Fundão, onde encontramos ainda grandes propriedades produtoras, moradores morrem de sede e no escuro, pois nem água e luz chegam ali e um detalhe chama bastante atenção. Na rua passam canos que levam água para os bairros ao lado e instalações elétricas passam bem perto também, ou seja, não há motivo nenhum para faltar esses dois bens. A água é um problema muito sério. São três quilômetros de estradas e nada de água e luz, a única coisa que ilumina as ruas são lampiões de querosene que os próprios moradores  colocavam.


EM DIA DE FEIRA...

A antiga feira de Irajá ficava na rua da estação, conhecida por vender frutas e leguminosas fresquinhas, de uns anos para cá, também ficou conhecida como “feira dos ladrões”. Uma chuva de malandros frequentam o local, fixando-se no bar Progresso de Irajá. Fantasiados para manter um padrão social local para não levantar suspeitas, parecem uma quadrilha de tão organizados, escolhem suas vitimas e assaltam , correndo pela linha do trem, o policiamento local (quando há) não consegue alcançar. Cavalos criados a solta no bairro são usados para os assaltos em dia de semana. Em bandos, entram na Automóvel clube e fazem uma limpa quem passa por ali , jogando os cavalos para cima dos carros, onde o motorista é obrigado a parar para não atropelar o pobre cavalo , mas acaba sendo roubado.

O TREM

Após voltas por Irajá, convidamos o nosso leitor a fazer uma viagem até o centro do Rio com a velha Maria Fumaça. À entrada da estação não informa os horários dos trens, está mal conservada e suja e não oferece o conforto necessário para uma boa viagem. A única coisa que vimos no guichê foi horários escritos “trens para cima e trens para baixo”, para uma pessoa com pouco conhecimento, como adivinhar para onde está indo? Descobrimos que o último trem passa ali as 23:22 , se perder esse, só as 04 horas da manhã.



CONCLUSÃO

Mesmo cercado por macumbeiros, ladrões e com sérios problemas estruturais, o bairro é um dos mais prósperos do subúrbio da Rio D’Ouro. Se resolver todos esses problemas, Irajá será um dos melhores bairros para se viver.

BIBLIOGRAFIA

1 - Livreto Rio Bairros - 2ª Edição - Robson Leite - Produção Autônoma

2 - Diálogos Suburbanos - 1ª Edição - Joaquim Justino, Rafael Matoso e Tereza Ghilhon - Editora Morula

3 - Evolução Urbana do Rio de Janeiro - 4ª Edição - Maurício de Abreu - Instituto Pereira Passos

4 - Freguesias do Rio Antigo - 1ª Edição - Noronha Santos - O Cruzeiro

5 - Jornal A Noite

6 - Jornal Diário Carioca

7 - Jornal do Brasil

Texto de Paulo Silva

Originalmente postado em Rio de Janeiro e nossas histórias

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

6 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Acredito que, há menos de 100 anos, deveria ser muito bom viver em Irajá, embora faltasse aquilo que consideramos como "desenvolvimento".

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo! Pra mim vale mais o chamado capital natural, ecológico ou verde. E nisso o bairro teve em outras épocas. Mas a expansão urbana (mal planejada) trouxe várias perdas.

Adinalzir disse...

Caro Rodrigo Phanardzis
Exatamente, viver em Irajá na década de 1960 era realmente muito bom. Lembro que eu era bem jovem e já morava no bairro. Até hoje não esqueço dos fortes laços de amizade que existiam entre meus familiares, vizinhos e também comerciantes locais. Podia-se inclusive brincar nas ruas e jogar futebol até tarde. Hoje o que se percebe é um bairro com um alto índice de violência. Cercado de comunidades pobres, com pessoas vivendo com medo. Em casas e prédios de apartamentos cercados de câmeras por todos os lados. Muitas vezes procurando se recolher mais cedo para não serem assaltadas nas ruas. Sem falar que vivem apavoradas até mesmo quando saem de manhã cedo para trabalhar. Tudo isso fruto de uma expansão urbana muito mal planejada e de promessas que nunca são cumpridas pelos políticos que somente se aproveitam dos votos dos moradores locais. Muita gente pobre e que não são capazes de perceber que são enganadas. Realmente é uma situação lamentável.

Te agradeço imensamente pelo comentário!

Celeste Hug. disse...

Parabéns à todos os pesquisadores dos subúrbios Cariocas, é tão empolgante ver novas frentes de pesquisas, novos olhares e Irajá merece toda antenção... Mas são muitos os lugares e regiões, tudo nos encanta. Apesar de todo esquecimento histórico e falta de investimentos, ainda assim se vive bem, dependendo da escolha do bairro e poder aquisitivo de cada um... O RJ como um todo não passa por bons momentos! Valeu Adnalzir! Nota 10!!

Unknown disse...

Moro aqui e é bom saber como foi no passado, obrigado pela informação!

Adilton Sampaio disse...

Fala Hubert Reeves:
astrofísico canadense

O homem é a mais insana das espécies. Adora um Deus invisível e mata a natureza visível. ....sem perceber que a natureza que ele mata é o Deus invisível que adora.


Shalom!