sexta-feira, maio 15, 2020

Engenhos e escravidão em Campo Grande


Pequena moenda portátil (Debret, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil).

Em sua história, o Brasil passou por alguns chamados "ciclos" econômicos, baseados em produções e/ou extrações de um determinado produto, praticamente centralizando a base econômica do país. Boa parte dos historiadores costumam considerar  três grandes "ciclos" econômicos nacionais: cana-de-açúcar, mineração e café.

A cana-de-açúcar foi o primeiro grande ciclo (por mais que alguns considerem a exploração do Pau-Brasil como pioneiro), centrada numa produção denominada plantation, possuindo as seguintes características: monocultura (cultivo baseado em um só produto), produção feita em latifúndios, voltada para o mercado externo e utilização de mão de obra escrava.

Na região do Campo Grande, que se estendia além dos atuais limites do bairro, a produção de cana-de-açúcar também teve seu destaque. Com o desenvolvimento da lavoura canavieira na localidade, aproximadamente entre a segunda metade do século XVII e princípio do século XVIII, houve o crescimento e surgimento de fazendas e engenhos, com a Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande chegando a apresentar, nesse período, 14 engenhos de açúcar, sendo o maior nos limites atuais do bairro.

No ano de 1797, a composição espacial e populacional do bairro era a seguinte:

Bairro de Campo Grande, ano 1797 - 14 engenhos; 357 fogos; população: 3.566; população livre: 1.562; população escrava: 2.004. Do total de escravos, 873 pertenciam a grandes proprietários. Com relação ao assunto, em Campo Grande viveu um poderoso Senhor de escravos e grande produtor de açúcar e aguardente, o Sargento-Mor Luiz Vieira Mendanha, sendo o primeiro proprietário da Fazenda do Mendanha.

É bom observar que fogos, como está citado acima, era o mesmo que família, domicílio, núcleo conjugal, casas de residência, vizinhança ou algo parecido. 

Já no ano de 1824, a estatística das pessoas residentes na Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande era de 530 fogos e 5.200 pessoas. (Fonte: Livro da desobriga, livro n° 15 - Visitador Presbítero Secular Luiz Pereira Duarte; Padre Antônio Roiz do Valle). 

A seguir, uma lista de engenhos/fazendas na localidade de Campo Grande e adjacências.
   
Engenho do Viegas
- do Mendanha
- da Mata da Paciência
- do Cabuçu
- do Lamarão
- da Piraquara
- de Bangu 
- do Retiro
- de Juary
- de Inhoaíba
- das Capoeiras
- dos Coqueiros
- do Rio da Prata
- do Guandu
- de Palmares
- do Campinho
- do Tingui
    
Nessa época, existia uma relação entre o Senhor de Engenho e o lavrador, conhecido como partidista. O partidista possuía uma obrigação de levar as canas para o engenho do Senhor, a "fábrica de açúcar".  As famílias partidistas em Campo Grande representavam um número expressivo na população da região, ajudando em muito nas produções e exportações de açúcar, aguardente, feijão, arroz, café, entre outros. Segundo dados, habitavam na região do Campo Grande, à época, cerca de 210 famílias partidistas, com algumas  possuindo escravos, com cerca de 71,43% destas produzindo cana com até 3 escravos.

É essencial lembrar que o termo "exportação" mencionado refere-se às vendas para outras freguesias, e não necessariamente para outros países.

O partidista tinha uma relação talvez não tão distante dos meeiros e arrendatários no meio rural brasileiro atual, no qual o primeiro firma um acordo com o dono da terra, em que metade da produção fica com o proprietário, e outra metade com o tal meeiro, parceiro; já o arrendatário é aquele que paga uma espécie de aluguel para produzir em terras de outros proprietários.

O número de escravos em cada engenho na região do Campo Grande variava, com alguns proprietários de terras possuindo 1 escravo, como Francisco de Almeida e sua mulher Francisca Tereza, no Engenho de Piraquara, enquanto Mariano Carneiro, proprietário do Engenho/Fazenda de Inhoaíba, possuindo 154 escravos. Alguns engenhos também se destacavam com número alto de escravos, como o do Rio da Prata, com 91; o do Cabuçu, com 112, e das Capoeiras, com 88. Além de escravos, esses engenhos/fazendas também eram compostos de pequenos proprietários, agregados, entre outros.

Alguns ex-escravos tornaram-se proprietários de terra na região, com seus descendentes vindo a ser, consequentemente, proprietários de sítios e fazendas. Abaixo um registro sobre o assunto:

Livro n°1 do Juiz de Paz de Campo Grande - Arquivo da cidade do Rio de Janeiro, Códice 45.3.4, página 208 v: "Doação que faz Pedro de Azevedo, preto forro de Nação e sua mulher Izabel Roza, preta forra de Nação, a Filizardo Alves Pinto - preto, de terras arrendadas na Fazenda do Guandu, no lugar chamado Quitungo, etc..."

Observa-se ser destacada a questão da cor da pele das pessoas, somente quando eram negras, não ocorrendo quando eram brancas. Também fazia-se referência à condição de ex-escravo.

No bairro de Inhoaíba, vizinho aos limites atuais do bairro de Campo Grande, existe um monumento ao Preto Velho, inaugurado no aniversário dos 70 anos da libertação dos escravos, em 1958. Criado por Miguel Pastor, é considerado o primeiro monumento homenagem em reconhecimento à simbologia da religião afro-brasileira, feito em espaço público.

Fotos: Carlos Eduardo de Souza


As imagens acima homenageiam Paizinho Quincas, Joaquim Manuel da Silva, escravo muito popular na região, devido a sua moral e conduta. Segundo fontes, viveu 109 anos, falecendo em 1963. 

O bairro de Campo Grande também possui um posto de gasolina, localizado na Estrada do Campinho, conhecido como Posto Preto Velho.

Texto e pesquisa de Carlos Eduardo de Souza

Fontes consultadas:
FRÓES, José Nazareth, GELABERT, Odaléa Ranauro. Rumo ao Campo Grande por trolhas e caminhos. Rio de Janeiro. 2004.
Revista do Arquivo Geral da Cidade do RJ - A Zona Oeste colonial e os mapas de população de 1797.

Originalmente postado em memóriascampogrande.blogspot.com

3 comentários:

Fernando Moreira disse...

Muito bom saber de tudo isso!

Adinalzir disse...

Fico muito honrado!
Grato Fernando Moreira.

Sandra disse...

Moro no bairro V.Nova, Cpo. Gde RJ e me emociona saber que no meu quintal, onde existe uma gigantesca mangueira centenária, andaram nossos irmãos escravos e quem sabe degustaram seus frutos. Uma página lúgubre da História, à exemplo das chamadas "Guerras Santas", das "Inquisições" e do"holocausto Judeu", quando o pior do ser humano veio à tona, em atrocidades contra outros, igualmente humanos, por motivos inqualificáveis diante de Deus. Nada justifica a prática de tortura contra a própria espécie e contra outras espécies, também, porque todos fazemos parte da Criação de Deus, não importa a crença, a ideologia ou a raça. Respeitar a integridade de outro ser humano é tão básico e elementar que desnecessárias deveriam ser as Leis que delimitam a liberdade de cada um, diante do direito do outro, seja ele quem for. Escravidão, guerras e massacres no Planeta são o exato perfil de Homo Sapiens sem sabedoria e analfabeto de sentimentos, ainda não racional e a anos-luz do superior que, presunçosamente julga ser.