quarta-feira, abril 29, 2020

Muçulmanos escravizados influenciaram arquitetura brasileira



Muxarabis, treliças e até azulejos são alguns dos elementos de origem árabe que foram introduzidos no Brasil por influência dos malês

Talvez você já tenha ouvido o termo “malês” na época da escola, ao estudar o levante de escravizados africanos, de maioria muçulmana, que ocorreu em 1835 na Bahia e ficou conhecido como “Revolta dos Malês”. Os malês — termo que, na língua iorubá, significa “muçulmano” — eram alfabetizados (bilíngues, em muitos casos), e tinham domínio sobre a matemática. E você sabia que eles tiveram grande influência sobre a arquitetura brasileira? É por conta deles, por exemplo, que a sala de estar tem este nome no Brasil. 

A influência africana e a evolução da casa brasileira a partir das mudanças históricas da sociedade é tema de pesquisa para a arquiteta e urbanista Miriam Carla do Nascimento Dias. A evolução da cozinha, por exemplo, é um dos grandes focos da pesquisa da arquiteta. Segundo Miriam, a história do cômodo está diretamente ligada à abolição da escravidão.

Quais foram as principais contribuições dos malês para a arquitetura brasileira?

"Por serem muçulmanos, eles trouxeram para o Brasil uma forte influência da cultura árabe, em que eram instruídos. Apesar de, na época, haver uma proibição legal para qualquer manifestação religiosa que não fosse católica, os malês alforriados tinham por hábito ter em suas casas um cômodo grande, onde recebiam suas visitas para fazerem suas orações que eram chamadas salah ou salat. Aquele espaço chamou-se “sala”, em português do Brasil.

Elementos vazados estão entre os legados dos malês (Foto: Josivan Rodrigues)

"Os malês também trouxeram consigo materiais e técnicas construtivas do mundo árabe utilizadas até os dias de hoje, caso dos muxarabis, das venezianas e das treliças, que são elementos vazados aplicados pelos muçulmanos para que as mulheres, que não podiam andar entre os homens, pudessem ver o mundo externo sem sair de casa e sem serem vistas. No Brasil, onde não se tem esse costume, tais elementos são ainda utilizados para aproveitamento da ventilação e iluminação natural sem a perda da privacidade. Duas técnicas construtivas importantes também foram trazidas por esses imigrantes africanos escravizados: a da confecção de azulejos e das casas geminadas."

Como a evolução da cozinha está relacionada às transformações históricas da sociedade?

"No período pré-abolição da escravidão. A cozinha era o espaço de preparo da comida, porém fazia par com o banheiro como os locais mais sujos da casa. Era um espaço externo à casa, pois exigia um trabalho muito pesado e envolvia muito mais sujeira do que hoje, considerando a presença de fuligem da madeira queimada, gordura por toda parte e o compartilhamento do espaço com animais. Com a abolição, começou-se a pensar em formas de modernizar a cozinha para facilitar a vida das mulheres mais ricas, que não estavam acostumadas com aquele tipo de serviço pesado."

"Foi aí que a cozinha começou a chegar mais perto da casa principal. O uso da chaminé possibilitou introduzir o espaço de vez em um cômodo da casa, tornando-o consideravelmente mais limpo em comparação ao espaço anterior, agora sem o acesso livre dos animais. A tecnologia árabe dos azulejos trazida pelos escravizados malês também mostrou-se muito eficiente na impermeabilização da cozinha, que agora era um dos cômodos da casa que sempre tinha muito contato com água. O  piso de cimento liso ajudava a manter o espaço em ordem."

Este é um tema estudado e pesquisado na arquitetura brasileira, na sua opinião?

"Não. Há uma série de edificações na África, por exemplo, que têm uma característica ímpar. Cidades inteiras com uma riqueza de detalhes que não são divulgadas. Eu tenho a impressão de que, na história do Brasil, houve uma intenção de se esconder aquilo que foi trazido pelos imigrantes africanos. Recentemente, o CAU [Conselho de Arquitetura e Urbanismo] reconheceu um ex-escravo como o primeiro arquiteto paulista, e ninguém conhece a história dele [Joaquim Pinto de Oliveira, chamado de Tebas]. Ele fez o frontispício da Igreja da Sé, e foi o primeiro a fazer um aqueduto para transportar água para o centro de São Paulo. Mas, como ele era escravo, tentaram apagar a história dele.



Originalmente postado em centroimamhussein

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

9 comentários:

joaodoapex disse...

A influência moçoarabe como designou Lúcio Costa nas meias luas apresentadas nas cúpulas das igrejas jesuíticas!

Jane Darckê disse...

Muito interessante. Eu sabia da presença deles no Brasil, mais especificamente no nordeste, mas não sabia da influência deles na arquitetura e bem estar. Obrigada.

Carlos Eduardo de Souza disse...

Parabéns pela postagem, meu amigo. Muito interessante saber da origem de alguns cômodos de nossas moradias. Um grande abraço

Virgilio disse...

Impressiona-me que uma especialista em urbanismo tenha conseguido errar tanto em apenas uma fala. Muxarabis, treliças e azulejos se popularizaram em Portugal e na Espanha a partir da invasão muçulmana da Península Ibérica quase 800 anos do Cabral pisar no Brasil, ainda durante a Alta Idade Média. No Brasil, sua influência chegou com os próprios portugueses, e não com os malês, no século XVI. Os primeiros malês no Brasil datam do século XVIII apenas. No Rio de Janeiro, por exemplo, já havia muxarabis - uma forte característica da capital até 1808 - desde da primeira década de fundação. Por fim, a palavra portuguesa "sala" veio do proto-germânico e não do árabe falado pelo malês!!! Tanto que a palavra sala existe também no espanhol e no francês (sala, salle).

Adinalzir disse...

Muito grato joaodoapex
Sua visita e comentário é sempre uma honra para mim.
Abraços!

Adinalzir disse...

Prezada Jane Darckê
Fico muito feliz que tenha gostado.
Volte sempre!

Adinalzir disse...

Prezado Carlos Eduardo de Souza
Muito feliz em saber que você gostou.
Volte sempre!

Adinalzir disse...

Prezado Virgilio
Sua visita e comentário foram muito importantes para acrescentar mais conhecimento a este blog. Volte sempre que desejar.
Forte abraço.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Sem dúvida esse é um assunto que merece ser mais estudado pelos historiadores que seria a influência da cultura muçulmana através dos cativos que vieram para cá. Embora o Rio tenha recebido mais escravos vindo de Angola, região mais distante dos reinos situados ao sul do Saara, é possível que possamos descobrir algo por aqui já que foram muitos os trabalhadores que aqui foram vendidos para serem utilizados nas minas de outo e diamante do século XVIII e nas lavouras de café do século XIX. Parabéns pela postagem!