Rio - Foi na década de 1980, mais precisamente em 1984, que vim a conhecer o bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Morava em Marechal Hermes, no subúrbio, e meus tios, que também eram de Marechal, tinham se mudado para Campo Grande no ano anterior com os quatro filhos. Meu tio João trabalhava na Ótica Popular, que ficava na rua Augusto Vasconcelos, ao lado do Cine Palácio, com quase 2 mil lugares, considerado o maior, ou um dos maiores, cinemas do Rio de Janeiro. Tanto a ótica quanto o cinema não mais existem, pois o prédio foi adquirido, no início dos anos 90, por uma igreja evangélica, que no entanto não pode fazer mudanças estruturais no imóvel, tombado pelo município.
Naquela primeira vinda ao bairro andei por ruas completamente diferentes do que são hoje, 34 anos depois, em que temos engarrafamentos constantes, tal o incremento populacional e da rede de comércio e serviços que Campo Grande adquiriu nessas três décadas e meia. Na localidade de Santa Rita, onde fica a casa dos meus tios, que tem esse nome devido à igreja de mesmo nome, todas as ruas, incluindo a deles, a Alto Parnaíba, eram, como se dizia, "de barro", sem a urbanização que só viria em 1991, na gestão do prefeito Marcelo Alencar.
De frente para a casa fica a cadeia de montanhas da Pedra Branca, com a serra do Rio da Prata em destaque. Campo Grande, naquela época, ainda respirava muitos traços da vida rural, com vários agricultores passando com enxada na mão, carroças por todos os lados, bois e cavalos, o que contrastava com Marechal Hermes, um bairro que já nasceu urbanizado, em 1913.
Outra diferença marcante é que nem todos os rádios pegavam e os canais de TV só eram sintonizados em UHF.
Campo Grande passou a ser, então, uma espécie de "casa de campo", onde, mal chegava, já era convocado para as peladas na rua, para as festas juninas que praticamente desapareceram, as festas na Igreja de Santa Rita e os shows de rock no Estádio Ítalo del Cima.
Pude constatar, também, as diferenças entre dois bairros que, embora distantes apenas de 30 a 40 minutos de trem, tinham, e ainda têm, características bem diversas. Um exemplo é a relação com o Centro do Rio, que em Marechal Hermes é bem mais próxima. Várias vezes vi gente falando "vou ali no Centro e volto no início da tarde", frase impossível de ser dita em Campo Grande, já que a ida ao Centro, para os moradores deste bairro, é uma autêntica viagem, com todos os cálculos logísticos possíveis. Aliás, tanto em Marechal como em Campo Grande, não se diz "vou ao Centro" e sim "vou à cidade". Até hoje é assim.
Quando me mudei para o bairro, em 1990, resolvi seguir o caminho dos pioneiros, que atravessavam a Estrada Real de Santa Cruz, ligando a Quinta da Boa Vista à sede da antiga Fazenda de Santa Cruz e cujo traçado ainda existe, com pequenas alterações. A diferença é que não peguei a diligência que o príncipe-regente D. João e seu séquito utilizavam para chegar a Santa Cruz, nem os carros de boi dos jesuítas, mas sim uma brava Monark Monareta sem marchas que chegou inteira ao meu novo bairro, apenas um pouco empoeirada.
André Luis Mansur Baptista é jornalista e escritor
Originalmente postado na página do Jornal O Dia
Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego
Naquela primeira vinda ao bairro andei por ruas completamente diferentes do que são hoje, 34 anos depois, em que temos engarrafamentos constantes, tal o incremento populacional e da rede de comércio e serviços que Campo Grande adquiriu nessas três décadas e meia. Na localidade de Santa Rita, onde fica a casa dos meus tios, que tem esse nome devido à igreja de mesmo nome, todas as ruas, incluindo a deles, a Alto Parnaíba, eram, como se dizia, "de barro", sem a urbanização que só viria em 1991, na gestão do prefeito Marcelo Alencar.
De frente para a casa fica a cadeia de montanhas da Pedra Branca, com a serra do Rio da Prata em destaque. Campo Grande, naquela época, ainda respirava muitos traços da vida rural, com vários agricultores passando com enxada na mão, carroças por todos os lados, bois e cavalos, o que contrastava com Marechal Hermes, um bairro que já nasceu urbanizado, em 1913.
Outra diferença marcante é que nem todos os rádios pegavam e os canais de TV só eram sintonizados em UHF.
Campo Grande passou a ser, então, uma espécie de "casa de campo", onde, mal chegava, já era convocado para as peladas na rua, para as festas juninas que praticamente desapareceram, as festas na Igreja de Santa Rita e os shows de rock no Estádio Ítalo del Cima.
Pude constatar, também, as diferenças entre dois bairros que, embora distantes apenas de 30 a 40 minutos de trem, tinham, e ainda têm, características bem diversas. Um exemplo é a relação com o Centro do Rio, que em Marechal Hermes é bem mais próxima. Várias vezes vi gente falando "vou ali no Centro e volto no início da tarde", frase impossível de ser dita em Campo Grande, já que a ida ao Centro, para os moradores deste bairro, é uma autêntica viagem, com todos os cálculos logísticos possíveis. Aliás, tanto em Marechal como em Campo Grande, não se diz "vou ao Centro" e sim "vou à cidade". Até hoje é assim.
Quando me mudei para o bairro, em 1990, resolvi seguir o caminho dos pioneiros, que atravessavam a Estrada Real de Santa Cruz, ligando a Quinta da Boa Vista à sede da antiga Fazenda de Santa Cruz e cujo traçado ainda existe, com pequenas alterações. A diferença é que não peguei a diligência que o príncipe-regente D. João e seu séquito utilizavam para chegar a Santa Cruz, nem os carros de boi dos jesuítas, mas sim uma brava Monark Monareta sem marchas que chegou inteira ao meu novo bairro, apenas um pouco empoeirada.
André Luis Mansur Baptista é jornalista e escritor
Originalmente postado na página do Jornal O Dia
Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego
4 comentários:
Boa noite!
Sem dúvida um interessante relato que parte de uma experiência subjetiva do autor, mas que revela detalhes de um passado recente de um bairro que hoje seria uma das maiores cidades do estado, se emancipado fosse.
Entretanto, quando trazemos à memória o cotidiano de antigamente, fica no ar a indagação:? será que éramos felizes e não sabíamos?
Creio que urbanização de uma localidade poe ser para melhor ou para pior. Do jeito como se fez (e ainda se faz) no Brasil, muitas das vezes perdemos em qualidade de vida. E ainda que venhamos a ter mais hospitais, escolas, creches, ruas asfaltadas e serviços, perdemos liberdade, segurança, sossego, espaço e convivência.
Enfim, nada contra o progresso em si. Apenas uma ponderação acerca da maneira como progredimos. Se é que de fato estamos usando o vocábulo de maneira correta.
Ótimo final de quinta-feira!
Prezado Rodrigo Phanardzis
Será que éramos felizes e não sabíamos? Talvez seja verdade.
Ou será apenas uma evolução dos tempos? Que vai nos deixando aprisionados ainda mais?
Uma excelente noite de quinta-feira!
Caro Prof. Adinalzir.
Penso que a tecnologia e a evolução em geral pode servir para nos libertar ao invés de aprisionar.
Vejamos a internet, por exemplo. Algo que poderia encurtar o nosso tempo de trabalho e liberar mais tempo para o trabalhador estar com a sua família acaba muitas das vezes prejudicando o convívio visto que trazemos para dentro de casa os compromissos laborais e transferimos o convívio do presencial para o virtual.
Por outro lado, ainda demoramos a ludar com uma tecnologia que é inserida em nosso meio e acredito que o fato do brasileiro ser ainda refém das pressões econômicas dificulta que ele seja autor de sua evolução.
Um abraço.
Prezado Rodrigo Phanardzis
Realmente vivemos ainda presos a uma tecnologia que nos amedronta e aprisiona. Que muitas vezes nos deixa infelizes e acuados. Que muitas vezes nos torna cada vez menos humanos. Isso é fato.
Forte abraço e grato pela visita.
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