domingo, dezembro 24, 2023

Natal em Santa Cruz no século XVIII


Dia 23 de dezembro de 2023, sábado, antevéspera do Natal, nos convida a imaginar como seria lembrada a data de nascimento do Menino Jesus, aqui em Santa Cruz, nos tempos dos padres inacianos, os jesuítas, da Companhia de Jesus.

É certo que os sacerdotes, irmãos de hábito, a numerosa população escravizada, e todos os demais moradores que viviam nas proximidades do antigo convento e residência dos padres, se reuniam para celebrar a data magna da cristandade, renovando de forma coletiva os votos de paz, fraternidade, esperança e amor.

Os preparativos para o Natal em Santa Cruz, no século XVIII e, provavelmente, também nos séculos anteriores, em que os jesuítas permaneceram na Fazenda, começavam semanas antes, com ensaios dos músicos do conservatório, que, orientados pelos seus mestres de sotainas negras, aprendiam e se empenhavam na execução dos números musicais mais antigos, ainda que adaptados àquela época.

Vista do Castelo Imperial de Santa Cruz. Jean Baptiste Debret, 1839.

Das cantigas mais clássicas e tradicionais, até as músicas mais populares, eram ensaiadas e apresentadas tanto no interior da aconchegante capela de Santa Bárbara, assim como também nas apresentações noturnas na grande praça em frente ao convento, entre as duas conhecidas senzalas. Os padres ensinavam desde a cantiga mais antiga de natal que era Iesus Refulsit Omnium (Jesus de todas as nações), conhecida a partir do Século IV, até as músicas de Natal surgidas das manifestações populares. 

Tanto da senzala conhecida como "Bairro de Pacotiba", que ficava ao lado direito do convento, que na verdade reunia 126 casas, como  a do "Bairro da Limeira", com mais 106 casas, algumas de adobe e outras de pau-á-pique, reunindo um total de 430 famílias, saiam alguns escravizados músicos que teriam participação especial nas cantatas de Natal.

É claro que havia também a tão esperada e especial ceia, tanto para  os sacerdotes, seus convidados, alguns dos quais, vindo do Colégio do Rio, os quais ficavam hospedados no próprio convento, como também para os escravizados que, nos dias anteriores e posteriores à  festa do nascimento do Menino Deus, recebiam alimentação mais reforçada.

O ponto culminante das festas natalinas em Santa Cruz no século XVIII consistia na montagem do presépio, o que era feito pelos próprios sacerdotes da Fazenda, com a ajuda de alguns poucos escravizados.

Eles chamavam de "fábrica do presépio", tendo como ponto principal a lapinha, com o Menino Deus, deitado em uma manjedoura, ao lado das imagens de Nossa Senhora e de São José.

Todas as demais figuras nossas conhecidas dos presépios natalinos, como os reis magos, os pastores e pastoras, anjos e também os animais característicos se faziam presente.

Ao lado da lapinha se postavam, uma mula e um boi, mas havia também oito figuras dos pajens dos reis magos, quarenta e dois bois, carneiros e outros animais, vinte e quatro pastores e pastoras e alguns painéis compondo o cenário da celebração.

Figuras representando Adão e Eva, anjos suspensos e deitados, como também quadros ilustrativos da cidade de Jerusalém, simbolizando o paraíso, juntamente com as alfaias e mobiliário da igreja, completavam toda a cenografia, cujo objetivo principal era o de por no ponto mais elevado o Menino Deus.

Durante toda a semana antecedente ao Natal em Santa Cruz, ao entardecer, sempre após uma série de orações e práticas litúrgicas em devoção ao Menino Jesus, eram realizadas procissões entre as vielas dos dois grandes conjuntos de residencias dos escravizados, com os sacerdotes e seis auxiliares conduzindo a pequena imagem de Jesus em uma manjedoura.

Ia anoitecendo, mas quase todos portavam velas ou archotes acesos, mantendo toda a grande praça em frente ao convento dos jesuítas, iluminada como se fosse dia.

A celebração principal do Natal em Santa Cruz no século XVIII era a tradicional e tão aguardada Missa do Galo, que tinha início exatamente à meia noite, prolongando-se de forma festiva em comemoração ao nascimento de Jesus Cristo.

Professor Sinvaldo Nascimento Souza.

4 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Muito bom texto! Certamente deveria ser um evento muito bonito em termos culturais numa época extremamente religiosa, apesar das suas contradições. Possivelmente essa reconstrução não alcançaria todo o século XVIII já que o Marquês de Pombal, durante o reinado de D. José, confiscou os bens dos jesuítas no Império português. Poderíamos falar da época do D. João V, antes da perseguição a essa ordem religiosa. Em todo caso, fico imaginando como muitos escravos talvez festejassem o Natal com sincretismo. Nas fazendas dos jesuítas suponho que existisse um controle maior quanto a isso, mas duvido que a obediência dos cativos pudesse ser total. Feliz Natal, meu amigo, e parabéns pelo artigo que em muito contribui para o enriquecimento cultural e resgate da História.

Luiz Fernando P.S. disse...

Saudações, obrigado pelo belo belo post e a riqueza do conteúdo. Eu gostaria de saber quais fontes bibliográficas você consultou para fazê-lo, pois fiquei interessado em algumas informações, especificamente àquelas relativas à montagem do presépio naquele contexto. Desde já agradeço. Feliz Natal! 🎄😉

Adinalzir disse...

Prezado Luiz Fernando P.S
Aqui está as referências que você me pediu:
Revista do Archivo do Distrito Federal 1894. Se você quiser pode também entrar no site da biblioteca do Senado Federal. Lá você conseguirá baixar gratuitamente o arquivo.
Qualquer dúvida é só me mandar mensagem. Um grande abraço!

Adinalzir disse...

Prezado Rodrigo Phanardzis
Eu também te agradeço. Por estar sempre contribuindo com suas observações nas minhas postagens. Que aliás são extremamente valiosas para mim e para a cultura em geral.
Um grande abraço e uma excelente quinta-feira