sexta-feira, agosto 05, 2022

O Príncipe Francês que foi espancado na Bahia em 1840


"Francisco Fernando Felipe Luís Maria de Orleans, Príncipe de Joinville, terceiro filho do Rei de França Luís Filipe, casou em 1843 com a Princesa D. Francisca de Bragança, irmã de D. Pedro II, Imperador do Brasil. Como Contra-Almirante em 1840, foi nomeado comandante da divisão da esquadra francesa encarregada de repatriar os restos mortais de Napoleão Bonaparte sepultados em Santa Helena. 

Para cumprir essa missão, deixou a França com as fragatas “Belle-Poule” e “Favorite”, tocando em primeiro lugar no porto de Tenerife, nas Canárias. Fez uma parada no Brasil que havia visitado em 1838, aportando na Bahia, onde o esperava uma aventura bem pouco interessante, segundo conta nas suas “Memórias”. 

Estando a sua esquadrilha fundeada diante da velha cidade do Salvador à espera de vento de feição que a levasse à Ilha de Santa Helena, resolveu o Príncipe francês, para matar o tempo, realizar uma excursão venatória no Rio Paraguaçu, que êle denomina Cachoeira. Fretou pequena lancha a vapor e, em companhia de alguns de seus oficiais, se dirigiu ao Recôncavo, subindo o rio sem encontrar viva alma até grande distância da foz. 

Em certo ponto, deixou a embarcação ancorada e se meteu pelos matos, fazendo, diz êle, grande matança de papagaios, tucanos e outros animais. 

Ao pôr do Sol, meteram-se os caçadores por um caminho que, atravessando vasta clareira, os levou a uma povoação, a qual encontraram absolutamente deserta. Não se via uma pessoa na sua praça e nas suas ruas. As casas de moradia e de comércio se achavam tôdas fechadas. A igreja, aberta e deserta, ainda rescendia ao incenso duma cerimônia religiosa que se deveria ter realizado havia pouco tempo. 

“O povoado assim repentinamente abandonado"— escreve o Príncipe de Joinville — começou a nos intrigar. 

Como se aproximasse a noite, decidiram os franceses regressar a bordo e voltaram tranquilamente para a sua lancha pelo mesmo caminho.

Mas, quando se preparavam para embarcar, foram repentinamente cercados por uma verdadeira multidão, armada de espingardas, chuços, sabres, facões e paus. 

Não puderam o Príncipe e seus oficiais oferecer a menor resistência, pois logo os agarraram, os desarmaram, os separaram uns dos outros, os moeram a pau e os arrastaram para os matos.  A maioria dos atacantes compunha-se de negros e mulatos, que vociferavam e metiam o cacete a torto e a direito, de maneira que os franceses tiveram a impressão nítida de se acharem em poder duma horda de selvagens. 

O Principe tentou fazer-lhes compreender com algumas palavras de mau português, que era o comandante dos navios de guerra franceses na Bahia. Ao mesmo tempo, dizia-lhe que êle e os seus se arrependeriam, se lhe fizessem algum mal e aos seus companheiros. 

O poviléu furioso não lhe deu ouvidos. Arrastou-o a um montículo, onde o encostaram para o fuzilar, aprestando-se meia dúzia de pretos para isso com suas espingardas. 

Joinville foi salvo pelo Tenente Touchard , que conseguiu desembaraçar-se dos que o seguravam e cobriu com o seu o corpo do Príncipe. O tal homem da faixa conseguiu impor ordem àqueles endemoniados e ouvir as explicações dos mal-aventurados caçadores de tucanos e papagaios. 

À excitação sucedeu a calma. Os franceses puderam dizer quem eram e o que andavam fazendo. E o tal homem da faixa mandou que os soltassem, dando-lhe explicações que aclararam.

Os habitantes do vilajero baiano haviam confundindo os franceses com cangaceiros matadores, pois em um agitado período de eleições, o povo do vilajero foi ameaçado de morte por um político local por não terem apoiado a Revolta da Sabinada, ocorrida anos antes.

Narrando o acontecido, o Príncipe de Joinville termina um tanto melancolicamente: “Fomos, sem demora, postos em liberdade, com muitas desculpas, que, porém, não atenuaram os efeitos das pancadas recebidas”. O que nos permite afirmar que Sua Alteza, antes de conduzir o corpo de Napoleão para os Inválidos, foi na verdade, embora por equívoco, surrado na Bahia. 

O lamentável incidente motivou, como era natural, uma troca de notas diplomáticas entre as Chancelarias da França e do Brasil. O Govêrno Imperial deu as satisfações que o caso exigia e mandou proceder a rigoroso inquérito na Vila da Cachoeira, cuja população praticara o feito. 

Três anos mais tarde, esquecendo de todo aquela surra, o Almirante-Príncipe de Joinville casava com D. Francisca, Princesa brasileira, a qual seria, na intimidade da corte de França, a bela e simpática Chicá.  

Fonte: "Segredos e Revelações da História do Brasil" - Gustavo Barroso.

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