Para cumprir essa missão, deixou a França com as fragatas “Belle-Poule” e “Favorite”, tocando em primeiro lugar no porto de Tenerife, nas Canárias. Fez uma parada no Brasil que havia visitado em 1838, aportando na Bahia, onde o esperava uma aventura bem pouco interessante, segundo conta nas suas “Memórias”.
Estando a sua esquadrilha fundeada diante da velha cidade do Salvador à espera de vento de feição que a levasse à Ilha de Santa Helena, resolveu o Príncipe francês, para matar o tempo, realizar uma excursão venatória no Rio Paraguaçu, que êle denomina Cachoeira. Fretou pequena lancha a vapor e, em companhia de alguns de seus oficiais, se dirigiu ao Recôncavo, subindo o rio sem encontrar viva alma até grande distância da foz.
Em certo ponto, deixou a embarcação ancorada e se meteu pelos matos, fazendo, diz êle, grande matança de papagaios, tucanos e outros animais.
Ao pôr do Sol, meteram-se os caçadores por um caminho que, atravessando vasta clareira, os levou a uma povoação, a qual encontraram absolutamente deserta. Não se via uma pessoa na sua praça e nas suas ruas. As casas de moradia e de comércio se achavam tôdas fechadas. A igreja, aberta e deserta, ainda rescendia ao incenso duma cerimônia religiosa que se deveria ter realizado havia pouco tempo.
“O povoado assim repentinamente abandonado"— escreve o Príncipe de Joinville — começou a nos intrigar.
Como se aproximasse a noite, decidiram os franceses regressar a bordo e voltaram tranquilamente para a sua lancha pelo mesmo caminho.
Mas, quando se preparavam para embarcar, foram repentinamente cercados por uma verdadeira multidão, armada de espingardas, chuços, sabres, facões e paus.
Não puderam o Príncipe e seus oficiais oferecer a menor resistência, pois logo os agarraram, os desarmaram, os separaram uns dos outros, os moeram a pau e os arrastaram para os matos. A maioria dos atacantes compunha-se de negros e mulatos, que vociferavam e metiam o cacete a torto e a direito, de maneira que os franceses tiveram a impressão nítida de se acharem em poder duma horda de selvagens.
O Principe tentou fazer-lhes compreender com algumas palavras de mau português, que era o comandante dos navios de guerra franceses na Bahia. Ao mesmo tempo, dizia-lhe que êle e os seus se arrependeriam, se lhe fizessem algum mal e aos seus companheiros.
O poviléu furioso não lhe deu ouvidos. Arrastou-o a um montículo, onde o encostaram para o fuzilar, aprestando-se meia dúzia de pretos para isso com suas espingardas.
Joinville foi salvo pelo Tenente Touchard , que conseguiu desembaraçar-se dos que o seguravam e cobriu com o seu o corpo do Príncipe. O tal homem da faixa conseguiu impor ordem àqueles endemoniados e ouvir as explicações dos mal-aventurados caçadores de tucanos e papagaios.
À excitação sucedeu a calma. Os franceses puderam dizer quem eram e o que andavam fazendo. E o tal homem da faixa mandou que os soltassem, dando-lhe explicações que aclararam.
Os habitantes do vilajero baiano haviam confundindo os franceses com cangaceiros matadores, pois em um agitado período de eleições, o povo do vilajero foi ameaçado de morte por um político local por não terem apoiado a Revolta da Sabinada, ocorrida anos antes.
Narrando o acontecido, o Príncipe de Joinville termina um tanto melancolicamente: “Fomos, sem demora, postos em liberdade, com muitas desculpas, que, porém, não atenuaram os efeitos das pancadas recebidas”. O que nos permite afirmar que Sua Alteza, antes de conduzir o corpo de Napoleão para os Inválidos, foi na verdade, embora por equívoco, surrado na Bahia.
O lamentável incidente motivou, como era natural, uma troca de notas diplomáticas entre as Chancelarias da França e do Brasil. O Govêrno Imperial deu as satisfações que o caso exigia e mandou proceder a rigoroso inquérito na Vila da Cachoeira, cuja população praticara o feito.
Três anos mais tarde, esquecendo de todo aquela surra, o Almirante-Príncipe de Joinville casava com D. Francisca, Princesa brasileira, a qual seria, na intimidade da corte de França, a bela e simpática Chicá.
Fonte: "Segredos e Revelações da História do Brasil" - Gustavo Barroso.
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