Se os amigos desta página acharam que o prédio não tem nada a ver com uma igreja, acertaram em cheio. A intenção era esta, mesmo! À época da construção – 1885 –, vigia uma lei que proibia a existência de templos “acatólicos” (sim, a definição para todas as outras crenças era esta) com aspecto externo de construção religiosa em todo o Império do Brasil. No entanto, a Igreja Evangélica Fluminense (IEF) obteve do governo imperial a licença para adquirir o terreno e edificar um prédio "destinado ao respectivo culto, e ao estabelecimento de uma escola", conforme decretos nº 1.225/1864 e 7.907/1880". Pioneira denominação protestante com atividade permanente e cultos em português instalada no país, a igreja foi criada em 11 de junho de 1858 pelo médico e missionário escocês Robert Reid Kalley. Egresso da Ilha da Madeira, onde atuou curando corpos e socorrendo almas, Kalley (1809-1888) atendeu ao que cria ser um chamado divino para vir ao Brasil e aqui chegou, com a mulher, Sarah, em 1855.
O calorão do Rio assustou o casal britânico, que fixou residência em Petrópolis, na amena Serra fluminense. A igreja nasceu em sua casa e, mais tarde, iniciou reuniões em residências da Zona Portuária da capital. Com o crescimento do grupo, foi preciso providenciar espaço maior. O projeto original do prédio, neoclássico, foi encomendado à Inglaterra com linhas retas e zero referência à religiosidade. Em 1886, começaram neste imóvel os cultos do “povo do livro”, como os protestantes eram chamados, na nova sede. Não era fácil ser evangélico em um país que tinha como religião oficial o catolicismo romano. Atividades proselitistas eram proibidas; havia barreiras ao registro de casamentos realizados no rito reformado e, até na morte, os protestantes eram discriminados – seus sepultamentos não eram feitos nos cemitérios.
Com o tempo, Kalley, que se tornou vizinho e interlocutor eventual de D.Pedro II (o monarca gostava de conversar com o pastor em hebraico, imaginem!), conseguiu fazer o imperador ver que perseguições religiosas não convinham a um reino que se queria moderno. Depois, veio a República e as barreiras legais aos crentes caíram, embora preconceitos sociais tenham permanecido por muito tempo. A IEF funcionou aqui até maio de 1914, quando foi inaugurado o templo definitivo – agora, sim, com jeitinho de igreja – aqui perto, na Rua Camerino. Atualmente, ela é ligada à União das Igrejas Congregacionais do Brasil, uma das mais tradicionais confissões evangélicas nacionais.
Quanto a este prédio, ele foi vendido à Sociedade Pedro V, que tratou de lhe dar um aspecto mais adequado à nova finalidade. As reformas ficaram a cargo da prestigiada firma Antonio Jannuzzi & Irmãos, que assina várias intervenções urbanísticas no Rio de cem anos atrás. Ali no alto, onde antes se lia “Casa de oração da Igreja Evangélica Fluminense”, foi gravado o nome da entidade. Mais acima, o belo relevo retrata uma mulher amamentando uma criança, enquanto oferece flores a outro pequeno – alegoria da solidariedade, ênfase da Caixa de Socorros. O prédio também ganhou aquelas três esculturas no topo, representando as virtudes humanas. E pensar que, no tempo em que aqui se reuniam os protestantes, nenhuma figura era permitida na fachada... E nem precisava. Afinal, o culto de um devoto ao seu Deus é coisa que prescinde de representações externas.
Originariamente postado no Passeador Carioca
Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego
2 comentários:
Desconhecia a história desse prédio. Muito interessante essa informação!
Sou membro da Igreja Evangélica Fluminense e muito me alegra saber que a história do pioneirismo no Brasil está sendo mantida para gerações futuras. Parabéns pelo blog.
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