quinta-feira, março 12, 2020

Daniel Parish Kidder



Dentro das comemorações dos 453 anos de Santa Cruz em 2020. Segue uma narrativa de viagem sobre os viajantes estrangeiros que passaram pelas terras santa-cruzenses.

Alguns viajantes, antes de iniciar seus relatos, apresentaram a trajetória do país desde o descobrimento até o momento de sua visita, agregando um caráter histórico à sua narrativa. Esse é o caso de Daniel Parish Kidder, um pastor metodista americano, natural da cidade de Darien (Estado de Nova York), que em 1837 veio para o Brasil a mando da American Bible Society com o encargo de percorrer o país e “distribuir Bíblias a quem quisesse aceitá-las”. O empenhado pastor, que futuramente ocuparia importantes cargos na Igreja Metodista americana, permaneceu pouco mais de três anos entre os brasileiros, retornando para os EUA, no ano de 1840, em decorrência da morte de sua mulher. As observações que recolheu durante essa prolongada visita ficaram conhecidas por meio de dois livros: “Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil” (1845), dividido em duas partes, “Províncias do Sul” e “Províncias do Norte”, e “O Brasil e os Brasileiros” (1857), escrito em parceria com um outro pastor metodista que também passara algum tempo no país, James C. Fletcher. “Apreciadíssima pelos eruditos” A primeira parte de “Reminiscências” foi publicada pela editora do Senado Federal, colocando à disposição dos interessados uma obra que, como bem destaca Ruben Borba de Moraes, é “conhecida e apreciadíssima pelos eruditos”. O relato, primeira publicação americana que trata “exclusivamente do Brasil”, como assevera o próprio autor, realmente justifica tal apreço.


Lançando mão das notas que tomou durante a sua estada no país e recorrendo à leitura das obras de Robert Southey, John Armitage, John Mawe e outros, Kidder compôs um dos panoramas mais interessantes e detalhados do Brasil da primeira metade do século 19. O livro, apesar de contar em algumas edições com o subtítulo “Províncias do Sul”, limita-se a descrever a cidade do Rio de Janeiro e a viagem que Kidder empreendeu a São Paulo. Não se trata, porém, de uma descrição qualquer, feita por um viajante apressado. Ao contrário, o pastor, além de ser um observador arguto, se mostra bastante bem informado sobre a história do país.


Ao falar do Rio de Janeiro, por exemplo, ele tem o cuidado de traçar uma breve história da cidade desde a França Antártica ao período das Regências, para depois então descrevê-la em detalhes. Entre dezenas de outros aspectos, não passaram despercebidos ao metodista o porte majestoso de certas edificações, as agitações da vida política, a riqueza e beleza da região circundante e a variedade do comércio local. Também não lhe passaram despercebidos o péssimo estado da higiene urbana, a precariedade dos serviços públicos, a enorme quantidade de mendigos e doentes que vagavam pelas ruas e um sem-número de outras mazelas que assolavam a capital do país. Dos cariocas, as notas mais salientes que deixou dizem respeito à expansão das atividades intelectuais e à religiosidade. A propósito das práticas devotas, Kidder, como um bom metodista, destaca que eram excessivas e marcadas pela superstição, mas que estavam a tal ponto em declínio que era “reduzido o número de fiéis” que frequentavam as igrejas.


O pastor, além de ser um observador arguto, se mostra bastante bem informado sobre a história do país. Tendo partido do porto do Rio de Janeiro com destino a Santos em janeiro de 1839. Antes de lá chegar, passou por Santa Cruz, sendo um dos primeiros evangélicos a pisar nas antigas terras jesuíticas, fazendo também escala em Angra dos Reis, Parati e São Sebastião.

Na sua passagem pela Zona Oeste Carioca, cita a Fazenda Imperial de Santa Cruz no seu livro “Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil”, p. 135. 


“Onze léguas além de S. Cristóvão, em direção ao poente, fica a Fazenda de Santa Cruz. Essa propriedade agrícola é visitada de tempos em tempos pela família imperial, que lá vai à procura de recreio. Imenso trato de terra onde labutam numerosíssimos escravos, foi em épocas remotas a sede de um colégio de jesuítas, mas, há já muitos anos que é um próprio da Coroa. Até agora, porém, a quase totalidade de sua área mantém-se inculta. Consta que a parte cultivada se acha num estado intermediário, apesar dos gastos com ela feitos. Essa circunstância, por si só é suficiente para indicar o baixo nível da agricultura, em geral, através do Império, em reforço de cujo argumento basta acrescentar que o arado é quase totalmente desconhecido lá.”

Extraído do livro: Viajantes Estrangeiros na Zona Oeste Carioca no Século XIX.  1ª edição. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019. Lamego, Adinalzir Pereira.

Postado neste blog pelo autor.

2 comentários:

Jane Darckê disse...

Poizé... pra que arado, se os escravos faziam as vezes deles e dos animais de carga, esfolando-se vivos, morrendo ainda relativamente jovens, esfalfados e doentes...
(...) "Também não lhe passaram despercebidos o péssimo estado da higiene urbana, a precariedade dos serviços públicos, a enorme quantidade de mendigos e doentes que vagavam pelas ruas e um sem-número de outras mazelas que assolavam a capital do país".
É como chover no molhado, há pelo menos 180 anos... Acredito que em SP ele tenha visto coisas semelhantes, infelizmente... e pouco mudou.

Adinalzir disse...

Infelizmente, Jane Darckê
Muito pouca coisa mudou neste país.
A ignorância e a truculência ainda impera pelos quatro cantos.
Grato pela visita e comentário!