domingo, agosto 18, 2019

Patrimônio Cultural de Santa Cruz: um breve percurso


Patrimônio Material – Restauração da Ponte dos Jesuítas. As duas primeiras fotos registram a presença do arquiteto Sabino Barroso, da 6ª DR SPHAN em visita de inspeção da Ponte dos Jesuítas para uma avaliação preliminar antes da restauração que aparece na terceira foto abaixo.

O NOPH – Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica de Santa Cruz, acabou de comemorar 36 anos da sua fundação no último 3 de agosto.

Em 1983, quando foram iniciadas as primeiras atividades do NOPH, ainda vigorava o conceito de Patrimônio Histórico e Artístico, estabelecido pelo Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

Somente com a promulgação da atual Constituição da República Federativa do Brasil, em 5 de outubro de 1988, é que o conceito de Patrimônio Histórico e Artístico foi substituído por Patrimônio Cultural Brasileiro.

De acordo com o texto de abertura do Portal do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), foi o Artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que ampliou o conceito de patrimônio, além de incorporar o conceito de referência cultural, bem como a definição dos bens passíveis de reconhecimento, sobretudo os de caráter imaterial.

Também de acordo com a Constituição, ainda citando o texto do Portal do IPHAN, vale mencionar a possibilidade de parceria entre o poder público e as comunidades para a promoção e proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro.


Em relação à promoção e proteção do Patrimônio Cultural de Santa Cruz, mesmo antes da promulgação da Constituição de 1988, o Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica já vinha, desde 1983, fazendo campanhas pela restauração da Ponte dos Jesuítas, do prédio do antigo Palacete do Matadouro, dos Marcos Históricos, do Hangar do Zeppelin e do casario antigo, incluindo os conhecidos “palacetes” das famílias Cesário de Mello e Araújos, hoje restaurados e revitalizados.


O que vale dizer que o NOPH, desde a sua fundação, já vinha estabelecendo parcerias com o poder público, como, aliás, se pode confirmar a partir do texto de minha autoria publicado na página 34 do Boletim do IPHAN Nº 28, de 1984, cujo original se encontra na Biblioteca Noronha Santos com sugestões encaminhadas à Diretoria de Tombamento e Conservação da extinta Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) para as devidas providências.

Uma das sugestões que apresentei à diretoria do SPHAN, referia-se à restauração da Ponte dos Jesuítas, monumento construído em 1752 e tombado em 1938, já integrando a primeira lista dos bens materiais que seriam preservados pelo recém-criado IPHAN.

Meses depois, recebemos a visita do arquiteto Sabino Barroso e de outros arquitetos da 6ª Diretoria Regional da SPHAN, no Rio de Janeiro, que vieram a Santa Cruz para fazer uma avaliação preliminar das condições da Ponte dos Jesuítas, para posterior restauração.

Em dezembro de 1985, graças ao persistente empenho do NOPH, que contou com o imprescindível apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro, do prefeito Marcelo Alencar, do diretor da Fundação Parques e Jardins, Sérgio Tabet, e da SPHAN, finalmente a Ponte dos Jesuítas era entregue à comunidade devidamente restaurada.


Ao mesmo tempo que era feita a campanha pela restauração da Ponte dos Jesuítas, também intensificava-se o movimento que foi denominado “Luta Pelo Centro Cultural de Santa Cruz”, deflagrado por iniciativa do Jornal “Comunidade”, desde os anos finais da década de 1970 e que, a partir dos anos 1980, tomou corpo graças ao apoio de ex-professores e alunos da Escola Princesa Isabel, artistas e artesãos do bairro, jornalistas, comerciantes, associações de moradores e outros segmentos comunitários.

Em 13 de dezembro de 1983, com a Lei número 465, sancionada pelo Prefeito Marcello Alencar, a partir de Projeto de autoria do Vereado Oswaldo Luiz Felisberto de Carvalho, ficava o Poder Executivo autorizado a transformar o prédio da antiga Escola Princesa Isabel em Centro Cultural de Santa Cruz.

Em 1984, por iniciativa do NOPH, a partir de uma reunião que mantive com o escritor, médico e memorialista Pedro Nava, presidente do Conselho de Preservação do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro, o antigo Palacete do Matadouro foi tombado pela Prefeitura da Cidade, conforme Decreto número 4538, assinado em 7 de maio de 1984, pelo prefeito Marcello Alencar.

A “Luta pelo Centro Cultural de Santa Cruz” foi prolongada, mas não foi inglória. Finalmente, no dia 30 de junho de 2008, era instalado no prédio do antigo Palacete do Matadouro o Centro Cultural Municipal de Santa Cruz Dr. Antônio Nicolau Jorge, com mais de 2.300 metros quadrados de área construída, que passou a abrigar o Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica, além da Biblioteca Popular Municipal Joaquim Nabuco, salas de exposições, galpões de artes cênicas e sala de multiuso.

Ainda neste breve percurso sobre a atuação do NOPH em relação ao Patrimônio Cultural de Santa Cruz, convém citar a preocupação da entidade no que diz respeito, não apenas em relação ao patrimônio construído, convindo citar, por exemplo, o Hangar do Zeppelin, a Fonte Wallace, o Marco da Fazenda Imperial, o Marco Onze e o prédio do antigo Palácio Real e Imperial de Santa Cruz, como também, já acompanhando a redefinição promovida pela Constituição Federal, o patrimônio imaterial, com destaque para as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, como também documentos e manifestações artísticas e culturais.

Patrimônio Imaterial – valorização dos artistas e artesãos do bairro. 

Convém ressaltar que, de acordo com a própria Constituição Federal, ainda que incentivado as diversas possibilidades de parcerias, cabe aos governos, nas suas respectivas esferas, a responsabilidade pela gestão do patrimônio e da documentação da administração pública.

Preocupa-nos, portanto, o descaso de algumas autoridades governamentais em relação ao Patrimônio Cultural de Santa Cruz, considerando que, de acordo com a própria Constituição Federal, no seu Artigo 24, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre “VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico.”

Com relação ao Município do Rio de Janeiro, especificamente sobre a criação da Área de Proteção do Ambiente Cultural do Bairro de Santa Cruz, XIX Região Administrativa, que foi uma das inúmeras demandas encaminhadas pelo Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica, resultando no Decreto número 12.524, de 9 de dezembro de 1993, é preciso ressaltar que, mesmo diante de legislação formal, e até mesmo a iniciativa do Poder Público Municipal, que determinou a instalação de placas indicativas do patrimônio que deveria ser preservado, alguns dos proprietários, insatisfeitos com a iniciativa, descaracterizaram deliberadamente os prédios, retirando frontões, datas e ornatos das fachadas, bem como não autorizando a colocação das referidas placas.

Fato que precisa ser profundamente lamentado, ainda mais quando corroborado por decisão do próprio Poder Legislativo propondo alterações no Decreto acima citado, com a retirada de determinados imóveis da área de preservação, para atender a interesses pessoais dos proprietários que tiveram amplo direito e liberdade de participar, discutir e discordar durante todo o processo que culminou com a definição da APAC de Santa Cruz, no decorrer do ano de 1993.

No caso da descaracterização deliberada, faltou cumprir o que está previsto no Artigo 7º do Decreto de 9/12/1993, que prevê a obrigatoriedade de recuperação ou da reconstrução da edificação, mantendo as características originais, como competência do Departamento Geral de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura.

Como estamos nos referindo a uma legislação de quase duas décadas atrás, com mudanças de prefeitos, secretários e até da extinção de órgãos da administração pública municipal, fica muito difícil imaginar, infelizmente, que o Patrimônio Cultural de Santa Cruz, mesmo com a importância histórica do bairro, pudesse continuar sendo valorizado como testemunho das várias fases de sua ocupação, desde os tempos dos Padres Jesuítas, passando pelo Brasil Real e Imperial até a instalação do centro urbano a partir do século XIX.

Neste breve percurso em torno do Patrimônio Cultural de Santa Cruz é louvável assinalar que, mesmo diante da constatação de que ainda precisamos intensificar cada vez mais as nossas ações, propostas e projetos visando identificar, preservar e divulgar o nosso patrimônio material e imaterial, as conquistas obtidas até agora superam em termos quantitativos e qualitativos, os sentimentos de tristeza, de descontentamento e de frustração, quando nos deparamos com algum bem patrimonial em eminente risco.

Nos trinta e seis anos de funcionamento do NOPH, conseguimos que a Ponte dos Jesuítas fosse restaurada em pelo menos duas oportunidades. O Centro Cultural de Santa Cruz é uma vivificante realidade. A antiga residência do Senador Júlio Cesário de Melo, prédio que esteve em ruínas, prestes a desabar, hoje encontra-se restaurado, revitalizado e funcionando como importante sede da ONG SerCidadão. O Hangar do Zeppelin, único ainda preservado em todo o mundo, e modelo exemplar para estudo da arqueologia industrial, foi tombado pelo IPHAN, por sugestão do NOPH, como também o Marco Onze. A relocação do Marco da Fazenda Imperial, que passou a ter visibilidade em frente ao antigo Palácio Real e o projeto para instalação do Cruzeiro da Praça Ruão, também foram iniciativas do NOPH que, entre dezenas de outras propostas de Educação Patrimonial, convenceu o governo municipal a valorizar ícones da História Local no mais recente e radical projeto urbanístico de Santa Cruz, com a instalação de totens, placas indicativas e representações ilustrativas em pisos nas principais ruas do centro do bairro.

Por derradeiro, já que ocupa posição de extrema importância na História do NOPH, que tem como slogan “Um Povo só Preserva Aquilo que Ama! Um Povo só Ama aquilo que conhece!”, frase que passamos a usar desde agosto de 1983, convém lembrar que, ao nos reunirmos para as nossas pesquisas, nossas reuniões, nossas ações, nossos projetos, nossas investigações, estamos sempre imaginando a possibilidade de algum tipo de transformação da realidade do bairro de Santa Cruz, a partir da sua História, da sua Cultura, do seu Ambiente, o que vale dizer que estamos propondo mudanças pela Educação Patrimonial como trajetória.

Sinvaldo do Nascimento Souza, professor de História e museólogo.

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego.

Um comentário:

Manuela Duarte Lins disse...

Santa Cruz, bairro onde a história do Rio começou!