sexta-feira, abril 20, 2018

A Casa de Freire Alemão


"A chácara de Freire Alemão compreendia uma graciosa colina, que nos mapas do antigo Distrito Federal, figura com o nome de Curangaba, provável corruptela de Porangaba, expressão da língua tupi, que significa formosura ou beleza.

E, realmente: - "a proporção que se vai subindo, sente-se um grande bem estar, a visão alarga-se nas vastas perspectivas de um panorama inédito da região" - tal como escrevia, em 1938, num de seus valiosos trabalhos, o historiador carioca Magalhães Correia.

Em 1935, achava-se o sítio inteiramente abandonado, e até a casa de morada se ocultava entre o mato, que, pouco a pouco, retomara a pujança primitiva. Três anos mais tarde, por ocasião da visita de Magalhães Correia, a velha residência do botânico servia ao arrendatário lavrador, e fora por ele satisfatoriamente reformada.

O saudoso historiador do "Sertão" deixou-nos em algumas linhas, as suas impressões do local e da velha casa:

"Na parte da frente, duas belas palmeiras reais, como sentinelas da habitação; ao redor abacateiros, mangueiras, mamoeiros, figueiras e, ao fundo, um velho pé de eucaliptos. Das plantas cultivadas por Freire Alemão, nada encontrei."

"O sítio foi durante muitos anos abandonado; antes, porém, a casa servia de escola pública, como prova a placa de ferro fundido, com a coroa imperial e os seguintes dizeres: Escola para meninos - que se achava partida e entre o entulho da recente reforma das paredes e pinturas."

"A casa do sítio achava-se sob um grande plano, sustentado por muralhas de pedra, que aí é abundante, no alto de um belo morro isolado; o acesso, depois de um caminho tortuoso, é feito por uma escada de poucos degraus, de pedra e cimento."

Era uma construção de aspecto sóbrio, bem ao estilo da época, com a cobertura em quatro águas, telhas de canal, e o chão revestido de ladrilhos vermelhos, de cerâmica antiga.

Os desenhos de Magalhães Correia que reproduzo neste artigo, dão uma ideia aproximada da fachada do antigo prédio e dos detalhes de sua divisão.

Dando para o hall, a direita de quem entrava, fizera o botânico o seu pequeno gabinete de trabalho. Nesta vivenda, erguida em formoso e sossegado recanto, Freire Alemão tencionava findar os últimos dias de sua vida. Esquecia-se, porém, de que os grandes homens não se pertencem.

A Casa de Freire Alemão hoje:

Em abril de 1986, estive numa pesquisa de campo com um grupo de professores e alunos do curso de História da FEUC, numa visita a antiga casa do botânico campo-grandense Francisco Freire Alemão de Cisneiros.

Segundo minhas anotações, nessa época a casa estava quase totalmente em ruínas, mas ainda havia um antigo oratório de madeira que resistia a ação do tempo.

"Porangaba", como era conhecida a chácara no tempo de Freire Alemão, estava situada entre o Largo do Mendanha e a Estrada Guandu do Sena.

Mesmo passados todos esses anos, acredito que as ruínas ainda estejam no local. Pois o terreno e a pequena elevação continuam lá no mesmo lugar cercado de plantações e muitas árvores frutíferas. E o nome Porangaba sendo ainda lembrado por antigos moradores locais.
Participaram dessa pesquisa, além de Adinalzir Pereira Lamego, José Antonio Lopes da Silva, Luís Carlos Coelho, Elisa Rosa Lamego e Lucimar Diniz Freire.


Um pouco da história do Professor e Botânico Freire Alemão:

Nascido na Fazenda do Mendanha, no Rio de Janeiro, em 24 de junho de 1797. Formou-se médico pela Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro e doutorou-se em Medicina pela Universidade de Paris, defendendo a tese sobre o uso do iodo contra a "papeira". Voltando ao Brasil, foi professor de botânica médica e zoologia em instituições de ensino superior como a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a Escola Central Militar. Presidente duas vezes da Academia Imperial de Medicina e fundou em 1850 a breve Sociedade Velosiana de Ciências Naturais para estudos da botânica.

Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e autor de dezenas de publicações e desenhos sobre plantas brasileiras, descrevendo muitas plantas novas. Contribuiu para a notável obra de raridade de Von Martius - Minervas Brasiliensis, escrevendo em latim. Integrou a comissão científica que fez a exploração do Ceará (Comissão das Borboletas).

A Comissão Científica de Exploração, como foi chamada, foi um dos marcos para a afirmação de uma ciência nacional, compreendida como ciência feita por brasileiros, a fim de conhecer os temas brasileiros. Idealizada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro para explorar as riquezas naturais do Ceará e logo chamada por seus críticos de Comissão das Borboletas, compunha-se de Freire Alemão, Guilherme Capanema, Manuel Ferreira Lagos, Giacomo Raja Gabaglia, o poeta Antônio Gonçalves Dias e o pintor José dos Reis Carvalho.

Como botânico, priorizou os estudos das madeiras nobres que poderiam ser usadas na construção naval, classificando espécies e criando gêneros novos de espécimes botânicos da flora brasileira. Buscou reconhecimento junto aos estudiosos da história natural no Brasil e aos botânicos europeus como Carl Friedrich von Martius, Michele Tenore, Achilles Richard, Friedrich Ernst Ludwig von Fischer, entre outros. Para reconstruir sua atuação no cenário científico brasileiro, tomamos como fontes os documentos da Coleção Freire Alemão, as biografias e as anotações autobiográficas do botânico, juntamente com obras de história das ciências e especialmente, da botânica.

Recebeu condecorações de "Oficial da Ordem das Rosas" e "Cavalheiro de Cristo". Foi comissionado para ir à Itália buscar Teresa Cristina, noiva do Imperador D. Pedro II. E depois de percorrer quase todo o Brasil em missões científicas, depois de desempenhar as mais elevadas funções públicas, voltou ao seu velho sítio do Mendanha, herança de seus pais: João Freire Alemão e dona Feliciana Angélica do Espírito Santo. Lá passou seus últimos anos de vida, falecendo deste modo no mesmo local de seu nascimento em 11 de novembro de 1874.

Pesquisa de Adinalzir Pereira Lamego - Professor e Historiador.

Referências Bibliográficas:

Transcrição do livro "Freire Alemão, o Botânico", de João Francisco de Souza. Editora Pongetti, Rio de Janeiro, Ano 1948.

"Freire Alemão, um nome que enaltece a História de Campo Grande", artigo de autoria do Professor Sinvaldo do Nascimento Souza, NOPH-12, páginas 5 e 6 (novembro de 1984)

Links na internet:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Freire_Alem%C3%A3o

http://www.genealogiafreire.com.br/genealogia.htm

5 comentários:

Carlos Eduardo de Souza disse...

Parabéns. Excelente texto. Pena que o busto em homenagem a ele não se encontra mais no local. Uma pena. Um abraço.

Adinalzir disse...

Prezado Carlos Eduardo
Infelizmente vivemos sob o jugo do descaso das nossas autoridades.
Agradeço pelo comentário e pela visita.
Abraço!

Francisca Emiliana (BH) disse...

Texto muito bom. Eu adorei!

Adinalzir disse...

Valeu Francisca Emiliana(BH)!
Sempre grato pela visita.

Anônimo disse...

A História deve ser contada; sempre... Parabéns!!