segunda-feira, setembro 27, 2021

A Fazenda do Mendanha, as primeiras mudas de café e o ilustre botânico - Campo Grande - Rio

Excelente pesquisa feita pelo amigo Hugo Delphim publicada na Página O belo e histórico Rio de Janeiro. Que eu compartilho aqui no meu blog para a leitura de todos!


Imagem de satélite localizando onde ficava a sede da Fazenda do Mendanha, entre o círculo vermelho, e a casa do botânico Francisco Freire Alemão, que era no alto do morro indicado pela seta branca.

Gostaria de compartilhar com os seguidores essa pesquisa que me custou muito tempo e que considero uma das melhores publicadas aqui. O texto ficou longo, peço desculpas, mas não tinha como ser diferente. O tamanho é proporcional ao valor histórico da região. Me esforcei pra não deixar nada de fora e apresentar fontes primárias. Boa leitura a todos ...

A ORIGEM:

Sendo parte da sesmaria concedida por Gonçalo de Aguiar em 1603 ao Padre Martim Fernandes, o Vigário da Sé do Rio de Janeiro, estando situada nas fraldas de "Gori-Sinonga" ou "Jorissinon", que é a Serra do Gericinó, a região passou a se chamar Mendanha por ter pertencido ao Capitão Luis Vieira de Mendanha Souto Maior no final do século XVII.


Recorte de mapa da virada do século XIX para o XX. Note a localização "M. De Curangaba" onde se localizava a casa do botânico Francisco Freire Alemão e  logo nos pés do morro a Fazenda do Mendanha. Fonte: Biblioteca Nacional.

Seu pai, também Luis Vieira de Mendanha Souto Maior, era genro de D. Catarina Bittencourt e do capitão Belchior da Fonseca Dória, que foi o fundador da capela de S. Antonio, localizada na Bica, em Guaratiba. Era casado com a filha D. Luiza da Fonseca Dória. A citada sogra era neta de Manuel Veloso de Espinha, sesmeiro de Guaratiba e vereador no Rio de Janeiro, e foi uma poderosa senhora de terras em "Cipitiva" (Sepetiba), Guaratiba, "Curumahi" (Grumari), fazendo divisa com as vargens e o Camorim. Também foi dona de terras no Curral Grande, onde havia um porto, onde se embarcava as caixas de Luis Vieira de Mendanha Souto Maior, o pai, que recebeu esta terra como dote de casamento. Ele também herdou terras de seu pai João Vieira de Carvalho na mesma Guaratiba e foi procurador de sua sogra em diversas transações de terras no final do século XVII. Esse poderoso personagem também foi juiz ordinário na ausência do governador Duarte Teixeira Chaves em 1683 e ocupou importantes cargos políticos da época, assim como diversos parentes das famílias Fonseca Dória e Veloso Espinha, por parte de sua esposa.


Recorte de mapa do início do século XX onde aparece a Fazenda do Mendanha. Fonte: Biblioteca Nacional.

O CAPITÃO MÓR MENDANHA:

O Capitão Mór da Guaratiba e Marambaia, Luis Vieira de Mendanha Souto Maior, filho, também chamado "o moço", foi dono de terras no mesmo Curral Grande, Juari, Inhoaíba e Sepetibinha. Também foi dono de um Engenho de invocação de N. S. da Conceição, em Guaratiba e outro de invocação a N. S. do Rosário, comprado de Francisco Dias Medonho em 1694, localizado na Penha. Também arrendou terras do Visconde de Asseca na Restinga e Barra da Lagoa da Tijuca. Naquela região outros membros da família também foram donos de terras, como Rodrigo de Mendanha (Cabuçu), Francisca de Mendanha, Helena de Mendanha, Guiomar de Mendanha (em Guaratiba) e seu irmão Antonio de Mendanha (em Guandu-Mirim). O capitão Luis Vieira de Mendanha também possuía uma chácara na Bica, que se localizava aos pés do Morro do Desterro e moradas de casas de sobrado na rua da Quitanda. Mas foi no Campo Grande que o Capitão Luis Vieira de Mendanha Souto Maior estabeleceu sua mais importante propriedade, o Engenho do Mendanha.

Vale aqui ressaltar que o Capitão Mendanha e sua esposa Clara de Moraes Coutinho foram presos pelo tribunal do santo ofício, isto é, pela inquisição. Não se sabe por qual motivo ele foi considerado cristão-velho, que é inocente, e sua esposa considerada cristã-nova, isto é, condenada pelo crime de judaísmo, com penas de confisco de bens, abjuração em forma, cárcere e hábito penitencial perpétuo e penitências espirituais! Ela era cristã-nova de família e alguns de seus filhos também foram condenados, como outro Luiz Vieira de Mendanha, mais um a levar o nome na terceira geração. Segue em anexo um raro registro do seu processo no santo ofício em Lisboa.

O CAPITÃO MANOEL FREIRE ALEMÃO DE CISNEIROS:

As terras vizinhas da Fazenda do Guandu-Mirim, que se confundiam com o Engenho do Mendanha, pertenceram ao Capitão Manoel Freire Alemão de Cisneiros, que ali comprou em 1702, terras de Helena de Oliveira, que era viúva de Manoel Rodrigues de Alvarenga, além de terras de Francisco de Macedo Freire em 1712, Antonio de Oliveira em 1714 e de João Oliveira Sampaio em 1717. Foi também sócio de sua prima D. Brites de Lemos na Fazenda do Bangu e foi dono de terras também em outras regiões, como o Engenho de São Matheus (Nilópolis), do Engenho de N. S. da Graça (Vigário Geral), de uma "fábrica de pesca", que é uma armação de baleias, na Marambaia e de um Engenho na Ilha da Madeira. De origem portuguesa, foi um dos homens mais ricos do Rio de Janeiro naquele tempo e lucrava com empréstimos de dinheiro a juros. Também arrendava terras, engenhos e currais de gado, tomadas em represália a Martim Correia de Sá e Benevides. O português recorre por segunda vez ao rei, em 20 de novembro de 1713, para que se lhe restituíssem os bens, como fora ordenado:

"...e porque estar ordens se não têm até o presente executado, por respeito do suplicado que é um homem poderosíssimo, régulo e insolente, pede V. M..." (Cartas Régias, Sesmarias - Biblioteca Nacional)

Veja pela descrição que era um homem muito poderoso! Após a morte do capitão, parte da terra fica com seu filho Francisco Marcelino Freire, mas a família Freire Alemão inicia um lento processo de empobrecimento, se tornando simples lavradores nas próximas gerações, até que no início do século XIX, dela surge um importante personagem da história nacional, do qual falaremos mais adiante nesse estudo. 

Outro documento com mais de três séculos de existência pertencente ao processo de D. Clara de Moraes Coutinho presa pela inquisição. É uma ordem de prisão com confisco de bens. Fonte: Acervo pessoal.

O CAPITÃO FRANCISCO CAETANO DE OLIVEIRA BRAGA:

Em meados do século XVIII as terras do Engenho do Mendanha se encontravam divididas entre vários proprietários, sendo a localidade também chamada Guandu do Mendanha, já localizada na Freguesia de N. S. do Desterro do Campo Grande. A partir dai surge a figura do Capitão Francisco Caetano de Oliveira Braga, que aos poucos compra todas as porções de terra e as unifica novamente. Foram estas terras as seguintes: 250 braças compradas do alferes João Pimenta de Menezes em 1762. 900 braças compradas de Manoel da Costa Guimarães em 1763. 165 braças compradas de Francisco de Araújo de Andrade Souto Maior em 1764. 525 braças compradas de Francisco Marcelino Freire, filho de Manoel Freire Alemão de Cisneiros, em 1776, totalizando 1840 braças, que ainda acrescentou mais terras localizadas na Serra de Gericinó, que partiam até Marapicu, compradas do Alferes Antônio Barreto Pizarro em 1776, sendo estas pertencentes a antiga sesmaria do Capitão Antônio Coelho Cão.


Recorte de mapa de 1767 onde aparece o Engenho do Mendanha, vizinho ao Engenho do Furtado (Antonio Furtado de Mendonça), Engenho das Capoeiras, Engenho do "Jerexinó", Engenho dos Coqueiros e etc.

Segue trecho de um registro de 1771, onde cita o Capitão Francisco de Oliveira Braga:

"Escritura de doação gratuita de metade das terras de um engenho com várias benfeitorias que faz o Capitão Francisco Caetano de Oliveira, solteiro e morador no seu engenho chamado Mendanha..." (Arquivo Histórico Ultramarino).

Francisco Caetano de Oliveira Braga era filho do poderoso Bento de Oliveira Braga e também foi dono do Engenho de N. S. da Piedade, também chamado Engenho Novo, e do Engenho de São Bernardo, ambos onde hoje é o bairro de Anchieta, além da Fazenda do Magarça, que foi o Engenho de São Francisco de Paula, de Manoel Martins Magarça, além da Ilha do Brocoió, vizinha a Ilha de Paquetá e etc. 

Em 1776, o Capitão Francisco Caetano de Olivera Braga arrenda parte das terras ao Padre Antonio do Couto da Fonseca, outro famoso dono da Fazenda do Mendanha, conforme seguinte registro:

"Escritura de aforamento de terras que faz o Capitão Francisco Caetano de Oliveira Braga ao reverendo padre (...) Couto da Fonseca - Aforamento por 27 anos..." (1º Ofício de Notas, disponível no Arquivo Nacional)

Em 1778 arrenda outra parte das terras, conforme registro:

"Escritura de arrendamento de um engenho que faz o Capitão Francisco Caetano de Oliveira ao Tenente Bernardo José Dantas – chamado Mendanha. Com condição de que o engenho se compõe das terras a ele pertencentes e de que ele arrendatário está de posse (...) No arrendamento estão incluídos 30 escravos, 50 bois, 29 bestas, etc." (4º Of. Notas, no Arq. Nacional)

Em 1783, o contrato com o Tenente Bernardo José Dantas já havia acabado e Francisco Caetano de Oliveira Braga faz sociedade no engenho com João Vaz Pinheiro, conforme registro:

"Escritura de sociedade que fazem em um engenho de açúcar o Capitão Francisco Caetano de Oliveira Braga e João Vaz Pinheiro – sito na freguesia de Campo Grande, na paragem chamada Mendanha..." (1º Ofício de Notas, no Arq. Nacional)

Em 1784, essa metade do engenho é vendida ao mesmo João Vaz Pinheiro:

"Escritura de venda da metade de um engenho e seus pertences que faz o Capitão Francisco Caetano de Oliveira Braga a João Vaz Pinheiro - com 1.800 braças de terras de testada e meia légua de sertão, com 23 escravos, gado, bestas, de fazer açúcar, corrente e moente, sito na paragem denominada do Mendanha, Freguesia de Nossa Senhora do Desterro do Campo Grande..." (2 Of. Notas, no Arq. Nacional)


Mais uma página do processo de D. Clara de Moraes Coutinho (auto de entrega), presa pela inquisição, como diz no texto no "Anno do nascimento do nosso senhor Jesus Cristo de mil setecentos e doze anos aos onze dias do mês de outubro...", isto é, uma relíquia de 1712! Fonte: Acervo pessoal.

O PADRE ANTONIO DO COUTO DA FONSECA:

Em 1788, o Capitão Francisco Caetano de Oliveira Braga vende a outra metade do engenho ao Padre Antonio do Couto da Fonseca, antes mesmo de terminar os 27 anos do contrato de arrendamento. Segue registro da transação:

"Escritura de venda de metade de uma fazenda e um engenho de fazer açúcar que faz o Capitão Francisco Caetano de Oliveira Braga ao Padre Antonio do Couto da Fonseca – corrente e moente, chamado o Mendanha, sito na freguesia de Nossa Senhora do Desterro do Campo Grande, constituído em 1.840 braças de testada e meia légua de sertão..." (2º Of. Notas, no Arq. Nacional)

Em 1789 o Padre Antonio do Couto Fonseca compra a parte de João Vaz Pinheiro, que dentre tantos esquecidos pela historiografia, foi mais um. João Vaz Pinheiro também foi um importante senhor de engenho na Freguesia de São Tiago de Inhaúma, onde possuía os Engenhos de Inhaúma, N. S. do Pilar e Velho, além da famosa Fazenda do Capão, hoje chamada Capão do Bispo, por depois ter pertencido ao Bispo Dom José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco.

Nesse "vai-e-vem" de compra e venda de terras, o padre Antonio do Couto da Fonseca vende uma parte ao Capitão José Álvares de Azevedo em 1790, que depois vende ao Sargento-mór Antonio Garcia do Amaral, que também foi um dos herdeiros de seu tio Francisco da Silva Sene, também chamado Sena, da vizinha Fazenda do Guandu-Mirim. Daí surgiu o nome "Guandu do Sena" que perdura até hoje. Também foi dono do Engenho do Calundu em Jacutinga, que é a atual São João de Meriti. Os herdeiros do padre ficaram com a maior parte da Fazenda do Mendanha.


Esse documento é de valor inestimável, com mais de três séculos de existência (1713). Se trata da capa do processo de D. Clara de Moraes Coutinho, esposa do Capitão Luiz Vieira de Mendanha Souto Maior (ver nome marcado), presa pela inquisição. Fonte: Acervo pessoal.

AS PRIMEIRAS MUDAS DE CAFÉ DO SUDESTE:

As primeiras sementes do café do Brasil chegaram ao Pará, contrabandeadas das Guianas Francesas, por Francisco de Melo Palheta. Depois propagaram-se para o Amazonas e Maranhão. Por volta de 1762, João Alberto Castello Branco, transferido do Maranhão para chanceler da relação do Rio de Janeiro, no governo do Conde de Bobadella, manda vir as primeiras mudas de café, sendo plantadas no Hospício de Jerusalém, na antiga rua dos Barbonos, depois chamada rua Evaristo da Veiga. Sobre este fato testemunha Monsenhor Pizarro, em suas Memórias Históricas do Rio de Janeiro:

"Pouco a pouco se foi introduzindo a planta do café pelo Pará e Maranhão, onde tem prosperado notavelmente, depois que o decreto de 4 de maio de 1761 o isentou dos direitos nas conquistas portuguezas. Não excede muito do anno de 1770 o princípio desta cultura nesse paiz, devido ao zelo e dilligencia de João Alberto Castello Branco, chanceller que era na relação deste cidade, mandando vir, do Maranhão ou do Pará, onde nascera ou havia sido magistrado, as plantas primeiras que se dispuzeram na cerca do hospício dos padres Barbadinhos italianos e na quinta de João Hoppmann, além do arraial de Mata-Porcos..."

Do Hospício de Jerusalém sai sementes para a Quinta de John Hoppmann em Mata-Porcos (atual Estácio/Rio Comprido), no Engenho Velho, e para a Fazenda do Capão, do Bispo do Rio de Janeiro, D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco (atual Del Castilho). O Bispo envia sementes para o Padre Antonio do Couto da Fonseca, da Fazenda do Mendanha, e para o padre João Lopez em São Gonçalo. Assim também testifica o cônego Januário da Cunha Barbosa, biógrafo do Bispo D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castelo Branco:

"Também concorreu elle para a propagação da cultura do café, recebendo sementes da horta dos barbadinhos italianos, e fazendo-as distribuir com muita recomendação pelos padres Coito e João Lopez, aquelle no caminho de Rezende, este no districto de São Gonçalo. Estas sementes tiveram progresso que hoje sabemos, pois que da fazenda do padre Coito se derramaram por todas as de serra acima, onde prosperou espantosamente..."

Apesar dos esforços do Marquês do Lavradio em promover a cultura do café, ele permaneceu por muito tempo apenas nos jardins do Rio de Janeiro, figurando como planta de ornamentação, até que certos artigos sobre o café de Cuba, que foram publicados nos jornais da Côrte, fizessem com que alguns lavradores empreendessem no plantio do café, mas sem abandonar a cultura da cana. A primeira colheita foi desanimadora, sendo vendida a míseros 800 réis a arroba. Com a dúvida sobre o café alguns fazendeiros incendiaram seus cafezais. Os que continuaram encorajados conseguiram ótimos preços na segunda e terceira remessa para o exterior

Mas foi o padre Antonio do Couto da Fonseca considerado como o primeiro a plantar o café de forma sistemática, por volta de 1789, na Fazenda do Mendanha. Dali saiu as mudas para Resende, Areias, São João Marcos e toda a região de Serra acima, se alastrando para São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e etc. Por volta de 1792, o bispo D. José Joaquim Justiniano de Mascarenhas Castelo Branco, também plantando em larga escala, colhe incríveis 160 arrobas na Fazenda do Capão.

O Botânico Francisco Freire Alemão, que nasceu e morreu na Fazenda do Mendanha, confirma o testemunho do cônego Januário:

"A primeira plantação se fez na cerca do Hospicio dos Barbonos, situado na actual rua do mesmo nome. Ainda em 1782 o conego Jannuario ali viu dois pés de café, dos primeiros que nasceram nesta cidade. Parece que se foram criando sem suscitar grande atenção, até a chegada do vice-rei, o marquez do Lavradio, que foi em fins de 1769; isto é, sete ou mais alguns annos depois que as sementes tinham vindo. E é natural que fosse o interesse, que o vice-rei mostrou por essa planta, que movesse Hoppman a cultiva-la em sua chacara de Mata-porcos, e o bispo na sua fazenda do Capão (...) Da fazenda do Capão sairam plantas para a do padre João Lopez em S. Gonçalo, da qual se propagou o café pelos lugares circunvizinhos, e para a do Mendanha, em Campo Grande onde, pelo que eu pude alcançar essa cultura começou pouco antes de 1789. Do sitio onde se fez a primeira plantação em Mendanha era proprietário, e pouco tempo depois foi também da fazenda, o padre Antonio do Coito da Fonseca. Foi meu padrinho de baptismo e criou-me em sua casa até o dia de seu fallecimento acontecendo em 11 de janeiro de 1810 (...) Para o anil havia feito (o padre Coito) fabricas autoras e que talvez não tivessem irmãs em todo o Brasil; adoptando porém a cultura do café, desprezou aquella inteiramente. Nesta se esmerava de igual modo, e por meio de machinas espremia o café, lavava, seccava e o preparava até o ponto de beber-se; com a compra, porém, do engenho do Mendanha, substituiu as grandes plantações de café por cannaviaes, deixando apenas o quanto lhe desse para o gasto, e para presentear os amigos. Desses primitivos cafezaes ainda alguns alcancei: e vive ainda hoje uma preta, que contando mais de 90 annos, e conservando ilesas lembranças da sua mocidade, refere que fazia parte dos exércitos que se ocuparam no primeiro plantio de café, que fez o padre Coito. Dessa fazenda sairam mudas para serra acima, onde esta planta tão belamente se tem naturalizado..."

Ninguém melhor para testemunhar que o Botânico Francisco Freire Alemão, não só um grande entendido do assunto, mas também nascido e criado no local. Segue mais um registro do botânico sobre seu padrinho Padre Couto: 

"Lavrador inteligente, excogitava, experimentava e adotava os melhores métodos e aparelhos, que nesses tempos aqui se podiam conhecer; de modo que os produtos da sua lavoura, primeiro o anil, depois o café e ultimamente o açucar, eram entre os melhores que apareciam no mercado".

O BOTÂNICO FRANCISCO FREIRE ALEMÃO:


Francisco Freire Alemão, o grande botânico reconhecido pelo mundo afora. Fonte: Anais da Biblioteca Nacional.

Como citado, na Fazenda do Mendanha nasceu e viveu o grande botânico do século XIX, Francisco Freire Alemão! Sua mãe Feliciana Angélica, também fora afilhada do padre Couto, vivendo em sua casa criança e moça e casando-se no oratório particular da fazenda. Seu pai, João Freire Alemão de Cisneiros, das riquezas da família de outrora, herdou apenas o apego a terra. Zelava, administrava a triagem, seca e encaixotamento do açúcar, em troca, deixava o Padre Couto tirar meação da cana que moía. Do simples casal de lavradores, nasceu dez filhos, a maioria criada no duro labor da lavoura. Dos dez, somente dois romperam o vínculo da servidão. Foi Antonio o primeiro, se tornando médico da Santa Casa, e Francisco Freire Alemão, o botânico, também médico, doutorado em Paris.


Foto da lateral da casa do botânico Francisco Freire Alemão. Infelizmente está de difícil compreensão. Fonte: Arquivo Geral.

Para eximi-lo do recrutamento militar, a família tentou tornar Francisco sacristão. O seu mestre era o Padre Luís Pereira Duarte. Sobre esse período, nos conta o próprio Francisco Freire Alemão:

"Eu era só, o padre sem me ajudar, dava-me a seleta marcando a lição e deixava-me, indo dizer a sua missa em Coqueiros (...) Quando voltava para casa ao meio-dia, pedia-me a lição, que eu nunca pude saber. Êle enfurecia-se, ralhava, dizendo que eu não servia para aquilo, que fôsse aprender um ofício, etc. Eu me afligia, chorava e maldizia-me..." 

Dentre tantos notáveis que fizeram parte da história da Fazenda do Mendanha, não seria esse o principal? Difícil responder! Apesar de pouco lembrado hoje, Francisco Freire Alemão foi um conceituado botânico reconhecido a nível internacional, principalmente na Europa, se tornando depois médico cirurgião do império.

Francisco Freire Alemão nutria uma admiração pelo botânico Frei José Mariano da Conceição Veloso e como ele testemunha, assim descobriu tal vocação:

"Era eu ainda muito menino quando estêve em Mendanha o Padre Veloso fazendo coleções de ciências naturais. Minha tia Antônia tem lembranças fracas dêle e seus companheiros. Quando eu já tinha alguma inteligência ouvia à gente de casa alguma coisa a êsse respeito, como: que êles apanhavam borboletas e as comprimiam entre dois papéis, onde elas ficavam impressas. Eu que então já andava na escola fiz algumas diligências para imprimir borboletas..."

Quando Diogo Antonio dos Santos andou ensinando pelo Mendanha, dele se aproximou Francisco Freire Alemão e recomeçou os estudos. Tempos depois, Diogo se torna padre e professor do Seminário de São José e consegue, por intercessão junto ao bispo, uma matrícula gratuita no estabelecimento. Francisco Freire Alemão já tinha vinte anos, permanecendo como aluno pobre de 1817 a 1820. No fim, entre a ordenação sacerdotal ou interromper o curso, escolhe a segunda. Como a ordenação era uma aspiração familiar, ele não retorna ao Mendanha. Passa a viver de aulas a domicílio, de latim e primeiras letras. Assim sobrevive com poucos recursos na Corte. Em 1822 inicia os estudos de cirurgia. Se vale de uma pensão de nove mil e seiscentos réis que era concedida anualmente a doze alunos pobres, em troca de obrigações e serviços a tropa. Como os estudos médicos no Rio deixavam a desejar, pensa em ir a França estudar. Mas em 1827 se viu convocado para acompanhar o imperador na viagem ao sul do país. Mas simplesmente não se apresentou, como testemunha seu registro:

"Estava então preparando-me para ir a França estudar; fiquei muito contrariado, e segundo meu gênio, fiz-me esquecido, e não me apresentei. Estava pois criminoso; peguei-me com João Bandeira de Gouveia, cujas filhas ensinava, o qual me desembaraçou".

Em outubro de 1828, consegue por interferência do Dr. José Francisco Xavier Sigaud, uma passagem gratuita num navio de guerra francês, chegando em fevereiro de 1829 a Paris. Lá se dedica por três anos, obstinado no estudo, em vários cursos de várias sumidades científicas em diferentes estabelecimentos. Nos momentos de aperto, é ajudado por um velho amigo, com ele jantando todos os dias, pegando dinheiro adiantado para as matrículas e recebendo diversos favores. Descobre sua vocação nas aulas de botânica com o professor Clarion, redescobrindo a infância roceira no Mendanha.

Em 1831 defende sua tese sobre a papeira (Dissertation sur le goitre), permanecendo em Paris o tempo necessário para receber o diploma de doutor pela Escola de Medicina. No tempo que por lá esteve, nenhum passeio, viagem ou diversão, devido aos poucos recursos financeiros. Volta o mais breve, em fevereiro de 1832, desembarcando na Corte do Rio de Janeiro. O Brasil já havia passado por alterações políticas no período de sua ausência, sendo criada a Sociedade de Medicina, e duas escolas de medicina segundo o modelo francês. A Sociedade de Medicina abre as portas ao jovem médico, tendo como tema de sua tese de doutorado, uma dissertação manuscrita sobre o iôdo na cura do bócio. As portas da Escola de Medicina se abrem após o concurso para a cadeira de Botânica Médica e Princípios Elementáres de Zoologia. Não houve concorrentes a altura e, em 10 de junho de 1833, era nomeado para a vaga, com ordenado anual de um conto e duzentos mil réis. 

Em 1840, foi mais uma vez favorecido pelo acaso, quando o jovem imperador adoeceu subitamente, não estando presente o médico de plantão, recorreu-se ao mestre, ocupado em suas aulas da Escola de Medicina. Novos horizontes se abriam para o humilde camponês, que foi nomeado médico da câmera imperial. Quando estava de serviço, seja no Paço, na Quinta de São Cristóvão, na Fazenda de Santa Cruz ou no Palacete de Petrópolis, aproveitava, frequentando a biblioteca imperial, fazendo observações metereológicas e herborizando pelas redondezas. Em 1843 fez parte da comitiva que foi a Nápoles, para trazer a futura imperatriz Teresa Cristina. Passa a dar lições de botânica as jovens princesas e as acompanha nas excursões matinais. Acompanha também o imperador, em sua avidez de tudo empreender. Segue curioso depoimento:

"No dia 9 de junho de 1853, pelas 5 horas da tarde S. M. o Imperador quis ir ver um famoso jiquitibá que está nas matas de Andaraí, chácara dos senhores Marques (sua mãe que ainda vive chama-se Luisa?) e com efeito lá foi acompanhado pelo seu camarista Cabral, o seu guarda-roupa Miranda Rêgo, e eu, que estava de semana; o acompanhou também o senhor Marques (o doutor em Medicina) e outro mais velho."

Muito mais que um professor de Botânica, procurou Francisco Freire Alemão ser um Botânico, se embrenhando nas matas por anos, colhendo exemplares, classificando e etc, assistindo derrubadas e marcando árvores, destinando guardiões a elas, matutos de Campo Grande ou mateiros de Bangu. Se correspondia com Martius, Jean Goncet, Fischer, Michele Tenore, Giovanni di Brignolli, entre outros. Só com Martius foram 29 cartas trocadas, por iniciativa do europeu. Por cerca de 30 anos trabalhou arduamente em suas pesquisas, publicando 17 tomos de estudos, sempre pioneiros. As impressões eram custosas, muitas feitas através de favores. Para litografar uma planta, se pagava até 25 mil réis, fazendo com que ele mesmo gravasse seus desenhos. Em 1853 pleiteia sua jubilação da Escola de Medicina, que lhe custa perda financeira, mas proporciona o tempo necessário para se dedicar por inteiro a Botânica. De volta ao Mendanha, no sítio da tia Antônia, constrói uma casa no morro, que passsa a chamar Porangaba, que é lugar bonito e de boa vista. Em Porangaba, com a liberdade da roça, inicia a terceira fase de seus trabalhos, alternando seu tempo entre os matos do Mendanha e a Côrte. A localização de Porangaba, que depois se chamou Morro de Curangaba se encontra no mapa do final do século XIX e na imagem de satélite que estão em anexo. Uma rara imagem da casa onde viveu Freire Alemão também é compartilhada.

MEADOS DO SÉCULO XIX:

Em meados do século XIX, parte da Fazenda do Mendanha pertenceu a associação Pharol Agrícola, que alí estabeleceu uma escola fazenda experimental. Sobre esta época, segue uma notícia:

"A associação - Pharol Agrícola - que tem lutado com todas as dificuldades, que encontra entre nós tudo quanto é útil e vantajoso, começa a realizar algumas de suas promessas. Os instrumentos aperfeiçoados de agricultura encomendados na Europa pelo conselho administrativo e pelo gerente da sociedade, tendo desembarcado livre de direitos, graças a solicitude e esclarecida proteção de S. Ex. o Sr. marquez de Paraná, chegarão á fazenda do Mendanha no dia 27 do mez passado" (Correio Mercantil, e Instructivo, Político, Universal, em 1856).

O diretor da associação era Luiz Taizon, mas a falta de capitais necessários fizeram com que o negócio não fosse a frente. O período posterior a essa época não será abordado nessa pesquisa.


Raro registro fotográfico do início do século XX. Esta era a casa do grande botânico Francisco Freire Alemão  na Fazenda do Mendanha, onde nasceu e morreu! Imagem pertencente ao acervo pessoal de Hugo Delphim, colorida pelo mesmo.

A casa sede da Fazenda do Mendanha não existe mais. Os mapas da segunda metade do século XVIII apontam que ficava na margem esquerda do antigo rio Guandu do Sena, atual Bananal. Já os mapas do final do século XIX e início do XX apontam para a margem direita, aos pés do antigo Morro do Curangaba, primitivo Porangaba (ver mapas antigos em anexo), isto é, nos arredores da Estrada do Guandu, Caminho da Serra, Rua Eduardo Leite, Praça José Roman, Caminho das Piabas e etc. A casa do botânico Freire Alemão também não existe mais e segundo registros antigos ficava no alto do mesmo morro. Nela funcionou depois uma escola primária para meninos. A casa que provavelmente foi a sede da Fazenda do Mendanha, pertenceu no final do século XIX a professora Joaquina Augusta de Paula Silva, onde funcionou uma escola mista. As fontes antigas localizam a professora na antes chamada Piabas de Campo Grande, no Mendanha, isto é, nos arredores já citados. Em anexo segue raras imagens de ambas as construções.


Esta é a edificação que provavelmente foi a sede da Fazenda do Mendanha, onde no final do século XIX funcionou uma escola mista. Imagem colorida por Hugo Delphim, pertencente ao acervo do Arquivo Geral.



Esse edifício é o primeiro posto de saúde do Mendanha. Fonte: Arquivo Geral.

Apesar de ser um lugar carregado de história, hoje só nos resta apreciar as fotografias que aguçam a nossa imaginação! 

Obs.: Se você leu até aqui, muito obrigado. Participe deixando seu comentário."

*Texto e pesquisa de Hugo Delphim, publicados na Página O belo e histórico Rio de Janeiro.

*As fontes de pesquisa se encontram dentro do próprio texto.

2 comentários:

Tata disse...

Achei este numa busca no google por Armação da Marambais. Ocorre que encontrei há poucos dias o testamento de Richard Ley (Rio,1715), em que menciona ter, com seu sócio, o também inglês Pedro de La Roy, arrematado um ocntrato de pesca de baleia e começado a armação de Malabaia (sic). No mesmo documento ele menciona dever a Manoel Freire. Richard, q virou Ricardo Ley, era meu 8o. avõ e, segundo declara, morreu cheio de dívidas. É possível q a armaçao da Marambaia tenha sido passada para Manoel Freire em pagamento de dívidas. Tentarei achar o inventário dele, mas como foi no Rio e não moro lá, ainda não sei como farei. Segue link para o livro paroquial onde constou o testamento (que foi lido e trascrito por um amigo, oois eu não consegui ler muita coisa sozinha.). https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-GVDP-V?from=lynx1UIV8&treeref=K4BR-QWX Trancrevo aqui o trecho em que Richard Ley menciona Manoel Freire "sobre elas há alguns pleitos como também no que toca a malambaia (_) Manoel Freire, todas estas contas peço se ajustem como casal do dito Pedro de La Roy, e Manoel Freire" .

Unknown disse...

Interessante todo o conteúdo, encontrei querendo saber mais sobre o meu sobrenome(Mendanha) e antepassados. Muito bom o conteúdo, parabéns pelas pesquisas.