terça-feira, janeiro 05, 2021

A Baía de Sepetiba e a Zona de Sacrifício


 
Quando se trata dos limites marítimos da Cidade do Rio de Janeiro, muitos se esquecem que esta cidade possui outra Baía. Muito além da Guanabara, no extremo Oeste da Cidade está a Baía de Sepetiba, a qual recebe este nome devido à importância histórica de um bairro durante o período colonial e o governo monarquista, sobretudo de Dom Pedro II. 

Apesar do nome remeter um espaço restrito ao bairro de Sepetiba, a Baía homônima, nasce em meio a um rico Manguezal, repleto de estuários e com um canal que a interliga com o Mar aberto em Barra de Guaratiba, a localidade é tão bela que é apelidada de “GuaratiBali”, uma alusão à Ilha de Bali na Indonésia, lugar de extremas belezas naturais. Em seu interior e mais adiante, um bairro fundado em 1579 abriga ainda hoje, nas margens desta baía, paisagens bucólicas e dignas de cidades do nordeste, onde a pesca ainda desempenha um papel fundamental na economia. 

Estamos em Pedra de Guaratiba, no bairro está localizado a Reserva Biológica de Guaratiba, com dezenas de Sambaquis pré-históricos e uma grande biodiversidade. Seguindo o rumo oeste em nossa viagem, está a Ilha de Guaraqueçaba que já serviu de marco divisório entre a sesmaria de Guaratiba e a Fazenda de Santa Cruz sob a administração dos Jesuítas. Em frente à esta pequena e histórica ilha encontramos a APA da Brisa, importante unidade de conservação com espécies de árvores como a quixabeira, o jacarandá e o Pau-Brasil. Mais adiante chegamos à Sepetiba, lugar onde no passado importantes figuras que ilustram nossos livros de história estiveram presentes através de embarques e desembarques, num charmoso cais imperial, que ainda resiste ao tempo e ao esquecimento. 

Após Sepetiba chegamos à Base aérea de Santa Cruz (o bairro carioca que possui litoral, mas não possui praia) e um extenso manguezal, onde desaguam através de estuários rios como o Guandu e o Canal de São Francisco. Em meio a este rico ecossistema encontra-se um porto e as instalações de uma empresa do ramo da siderurgia. 

Seguindo rumo a Oeste, e ainda na metade da Baía chegamos ao porto de Itaguaí, que abriga diversos cais de empreendimentos privados, além da Companhia Docas. Todo esse complexo que possui ainda infraestrutura ferroviária e rodoviária interligadas, está localizado exatamente após a divisa entre os municípios de Itaguaí e Rio de Janeiro. 

Ao lado do complexo portuário encontramos a localidade da Ilha da Madeira, pertencente à Itaguaí, mais adiante uma pequena enseada e chegamos à Coroa Grande, balneário que vivenciou anos de ouro durante as décadas de 60 e 70 atraindo veranistas e banhistas de várias partes, inclusive de fora do Estado. 

Logo após Coroa Grande, adentramos um canal e chegamos à Itacuruçá, um bairro de vocação para os amantes da navegação, e assim chegamos em Mangaratiba. 

Até os limites da Baía de Sepetiba, percorremos Muriqui, Praia Grande, Ibicuí, Sahy até chegar à ilha Guaíba, e novamente encontrarmos outro empreendimento privado no ramo da mineração. Todo esse passeio feito sob a proteção da Restinga da Marambaia, que através dos seus 44 km de extensão protege a Baía, e a transforma em mar abrigado, excelente para a pesca, lazer e a instalação de estruturas portuárias.

Sobre estas estruturas chegamos a uma emblemática reflexão: até que ponto uma região dotada de tamanha beleza natural merece ser transformada em nome do progresso econômico? A transformação começa a ser visível através da paisagem, antes natural agora cultural, pois os elementos metálicos ali colocados pelo homem e suas estruturas, destoam na paisagem como percebido através das fotografias. As alterações (leia-se Impactos) começam com o barulho da movimentação das embarcações de grande porte, capazes de incomodar o famoso Boto Cinza (Sotalia guianensis), nativo desta baía. As dragagens são necessárias para a atracação dos navios, mas curiosamente ao passo que a região do porto se tornara acessível para o grande calado dos navios, outras localidades do interior da Baía tornaram-se cada vez mais assoreadas. A atmosfera antes composta pela fresca brisa marinha, agora é composta por outros elementos químicos provenientes de altos fornos. Pescadores por vezes ao lançarem suas redes, além dos peixes acabam “malhando” pedaços do que parece ser minério.

Vivemos num país de desigualdades históricas, onde o interesse de uma minoria sobrepõe-se ao bem-estar da maioria. Tal realidade ainda é contemporânea, os empregos e as melhorias são bem-vindos, mas a natureza paga o preço, como de costume, seus ecossistemas são acometidos por impactos, cuja própria mídia tão ativa em determinados quesitos, silencia-se diante deste quadro. 

A Zona de Sacrifício está presente, com as águas da Baía tornando-se o passivo ambiental, enquanto as empresas transformam seus ativos em cifras, e junto a este triste processo a cultura, a biodiversidade, a memória e os anseios de muitas comunidades litorâneas da Baía de Sepetiba são lentamente apagados.

Triste, no entanto, já que toda a região ainda é detentora de muitas belezas, e de certa forma, funcionam como uma chama acesa , que nos remete a esperança de melhores tempos para sua fauna, flora, ecossistemas, comunidades e todos que identificam na Baía de Sepetiba um potencial além do econômico, potencial este pouco explorado pelos brasileiros e que nos faz tanta falta, o potencial cultural.

Por Paulo Jorge Neves.

Compartilhado de Pedra de Guaratiba E Seus Encantos.

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

10 comentários:

Unknown disse...

Realmente é muito triste ver a degradação da nossa bela baía de Sepetibae infelizmente não ter nenhuma autoridade pra nós ajudar.

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

A alta piscosidade da nossa baía fez com que, no passado, o então presidente Getúlio Vargas criasse uma escola de pesca na Ilha da Marambaia. Hoje, com a aquicultura crescendo em todo o mundo, o melhor caminho para a região se desenvolver seria através de fazendas marinhas que impactam menos o meio ambiente que determinados empreendimentos. Por outro lado, deve ser considerado que o despejo in natura do esgoto nos rios e córregos, que acabam desaguando no oceano, contribui decisivamente para a perda dos nossos balneários que vão se extinguindo a exemplo do que se tornou Coroa Grande e pode ser o destino também das praias de Mangaratiba visto que faltam projetos de saneamento. Aliás, até o planejamento do belo Município da Costa Verde, o qual foi feito em 2013, precisa ser atualizado conforme prevê a legislação federal ou, do contrário, Mangaratiba deixará de receber verbas de Brasília com essa finalidade em 2023. Enfim, fato é que por razões mais de ordens políticas que todo esse passivo ambiental não tem sido compensado de modo que as receitas obtidas da MBR e outras empresas são mal aplicadas tanto na área ambiental quanto social. E olhem que a arrecadação não é pouca, mas a corrupção supera...

Thiago disse...

...linda a CostaVerde, as praias do litoral de Mangaratiba são deliciosas, águas quentes, calmas, pena q a maioria esteja fechada ao grande público, tornando-se praias particulares dos grandes condomínios, a propina rola solto, pena!

Asile disse...

E não há o que se fazer????

Construindo História Hoje disse...

Boa noite, amigo e professor Adinalzir!
Mais uma vez o senhor enobrece o espaço virtual sua sabedoria histórica, obrigado pelo espaço que disponibiliza aos amantes do passado.
Salve Clio, musa da história.

Adinalzir disse...

Caro Unknow. Fico muito grato pela visita. Volte sempre.

Adinalzir disse...

Fico muito grato Rodrigo Phanardzis. Pela excelente contribuição neste blog. Um forte abraço e volte sempre!

Adinalzir disse...

Fico muito grato pela visita Thiago e volte sempre!

Adinalzir disse...

Verdade Asile. Infelizmente não há o que se fazer.

Adinalzir disse...

Prezado Leandro Cláudir. Fico muito grato pela visita e pela confiança de sempre. Um forte abraço!