quinta-feira, fevereiro 06, 2020

Tigres na cidade



Faz muito tempo, mas houve uma época em que os tigres infestavam as ruas da cidade do Rio de Janeiro, principalmente à noite. Embora não fossem de verdade, a sua simples aparição numa esquina já fazia com que os mais prevenidos atravessassem a rua, com o pavor do que um simples esbarrão neste temido personagem da vida carioca de antigamente poderia acarretar. Mas que tigres eram esses?



Tigres nada mais eram do que os escravos que carregavam os dejetos das casas para jogarem no mar ou em rios e lagos. As fezes e águas servidas, para usar um termo típico dos sanitaristas, eram carregadas em baldes na cabeça pelos escravos e a sua definição provoca controvérsias entre historiadores. Para alguns, tigres eram os escravos, para outros eram os baldes, e para mais alguns eram o conjunto escravo-balde. “O conjunto ‘negro-barril’ foi apelidado de ‘tigre’, pois não menos assustadora do que a de uma fera se afigurava, aos transeuntes das ruas desertas, de precária iluminação, a aproximação de tais personagens, de cujo choque, involuntário ou proposital, podemos muito bem imaginar as consequências”(O saneamento do meio físico (O Rio de Janeiro em seus 400 anos), Stelis Emanuel de Alencar Roxo e Manoel Ferreira).

Havia lugares determinados na praia, em pontes de madeira, para os escravos jogarem os dejetos, mas quase ninguém os respeitava.

Os tigres saíam de casa geralmente à tardinha. “Era a hora dos Tigres, nome que se dava aos escravos que carregavam à cabeça, no interior de grandes barricas, os despejos das residências, que vinham atirar nas praias” ( Memórias do Rio, Sérgio D.T. Macedo).


O pior era quando surgia, digamos, uma pequena “fresquinha” nessas horas. “O vento soprava, espalhava o ‘perfume’ e era um desespero” (Memórias do Rio, Sérgio D.T. Macedo).

Adolfo Morales de los Rios Filho também destaca um aspecto repugnante deste triste trabalho, realizado até a metade do século 19, quando surgiram empresas que faziam o serviço em carroças, levando os baldes fechados até barcaças e depois despejando os detritos no meio da Baía. “Muitas vezes o fundo do barril cedia e os repugnantes despejos, emporcalhando as roupas dos pobres escravos, lhes deixavam marcas que o populacho julgava assemelharem-se às pintas das peles dos verdadeiros tigres” (O Rio de Janeiro imperial, Adolfo Morales de los Rios Filho).

Muitos tigres jogavam os despejos na vala construída para drenar as águas da antiga Lagoa de Santo Antônio (atual Largo da Carioca) para o mar, na rua do Aljube (atual rua do Acre). Esta vala atravessava toda a área onde é hoje a rua Uruguaiana, que por isso era chamada de rua da Vala. Ela foi construída a pedido dos religiosos do Convento e da Igreja de Santo Antônio, que reclamavam da água parada da lagoa, foco de mosquitos e cheiro ruim. Com o tempo, no entanto, a vala ia se enchendo de porcarias, até que já na segunda metade do século 18 o Vice-Rei, Conde da Cunha, mandou cobri-la de lajes de pedra. Mas a verdadeira razão que circulava na época para a atitude do Vice-Rei era por “haver caído nela certa noite escura, no decorrer de uma aventura galante, o mais graduado dos seus ajudantes…” (História das ruas do Rio, Brasil Gerson) As quedas naquele depósito de imundícies eram muito comuns, já que a única iluminação confiável na época era a lua cheia.

A situação só começou a mudar com o serviço realizado pela Companhia de Limpeza do francês Mr. Gravasser, a partir da década de 40 do século 19, considerado bastante eficiente. Os barris eram devolvidos vazios e limpos para os clientes, mas mesmo assim essa horrível atividade só seria abolida de vez com a implantação do sistema de esgotos da cidade, a partir de 1864, sendo o Rio de Janeiro a segunda capital do mundo – atrás apenas de Londres – a ter um sistema de esgoto. E os tigres, felizmente, nunca mais foram vistos com suas expressões tristes pelas calçadas da cidade.

Imagens publicadas na Revista Semana Ilustrada, em 1861.

Por André Luis Mansur

Originariamente postado no blog riodecoracaotour

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

8 comentários:

Jonathan Pôrtto disse...

Outra versão segundo historiadores é que um nobre amigo do Vice-Rei caiu nessa vala que margeava a antiga muralha de defesa da cidade, o antiga cidade do RJ, ocasião que foi completamente demolida mal sobrando algum vestígio para posteridade, mas um fato positivo é que pós essa demolição permitiu expandir a cidade havia sido projetada ficando confinada num enorme forte contra ataques de Índios e Potênvias estrangeiras!!!

Adinalzir disse...

Meu caro Jonathan Pôrto
São essas as muitas histórias do Rio.
Fico grato pela visita e comentário.

Jane Darckê disse...

Triste e repugnante... indigno, de fato. Mas alguém tinha de fazer isso, e imagino que na Europa dos tempos idos, não era muito diferente. ou estou errada?

Adinalzir disse...

É isso aí Jane Darkê
Escravos tigres por todos os cantos.
Uma triste realidade.

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