domingo, fevereiro 16, 2020

O ramal de Mangaratiba



O maior absurdo da política de transportes no Brasil sempre foi a negligência quanto à rede ferroviária em relação ao transporte rodoviário. Não é à toa que nos Estados Unidos e na Europa os trens cruzam as cidades com eficiência e conforto. As vantagens são muitas: é mais rápido, mais seguro, não polui, pode levar mais passageiros ou mais cargas, ale de ser mais barato.

No Brasil, o Barão e depois Visconde de Mauá, no século XIX, foi pioneiro no desenvolvimento do transporte ferroviário, com a construção da Estrada de Ferro de Raiz da Serra, no Rio, mas não teve o apoio que esperava e acabou falindo.

Muitas décadas depois, no século XX, o presidente Washington Luiz cunhou a famigerada frase “Governar é construir estradas”. Se tivesse concluído a frase com a locução “de ferro”, talvez as ferrovias não tivessem sido deixadas de lado como foram. Isso sem contar o que o governo militar fez com os bondes, um transporte ecológico por natureza, que teve de ceder o lugar, por imposição da “matriz energética”, aos ônibus.

Partindo de Santa Cruz, o ramal de Mangaratiba proporcionava aos seus passageiros uma das viagens mais bonitas, não só do Rio de Janeiro, mas de todo o Brasil, atravessando a belíssima Costa Verde, um roteiro turístico por excelência.

O abandono do ramal, inclusive da ponte rodoferroviária sobre o canal de São Francisco, em Santa Cruz, prejudicou o turismo nas localidades praieiras da Costa Verde, como Coroa Grande, Itacuruçá, Muriqui, Sahi, Ibicuí e tantas outras, até chegar a Mangaratiba.

O ramal foi inicialmente chamado ramal de Angra, embora nunca tivesse atingido aquele município. Foi inaugurado em 1878, prolongado até Itaguaí em 1911 e até Mangaratiba, em 1914.

A proposta inicial era chegar até Angra dos Reis, que tinha uma ligação com Barra Mansa pela Estrada Oeste de Minas. Infelizmente a eletrificação dos trens, em 1937, foi só até Santa Cruz e, com isso, os passageiros que desejassem seguir até Mangaratiba precisavam fazer baldeação em Deodoro para depois seguir de trem até Santa Cruz e depois pegar outro, a vapor, mais tarde substituído pelo de diesel, com destino a Mangaratiba.

Com a construção de uma linha de trens de carga entre Japeri e Brisamar, em 1973, logo após Itaguaí, a prioridade passou a ser o transporte de minério até o porto de Guaíba.

Muita gente lembra com saudade do “macaquinho”, uma composição de madeira que saía de Santa Cruz para Mangaratiba em três ou quatro horários, rente aos muitos cachos de bananas pelo caminho e com muitas passagens de nível. Aliás, tinha esse nome exatamente, porque antes era usado para transportar bananas. Os macaquinhos e, geral eram formados por três veículos de madeira e a viagem de Santa Cruz a Mangaratiba levava cerca de três horas, entre o mar e as montanhas da Costa Verde.


Na década de 1980, já circulavam no Rio os trens japoneses e a linha entre a Central e Santa Cruz passou a ser chamada de Ramal de Santa Cruz, que não precisava baldear em Deodoro. Em 1982, passou a circular um ramal entre Santa Cruz e Itaguaí, desativado em 1984, para a substituição da ponte sobre o Canal de São Francisco, e reativado em 1986. Eram composições de quatro carros a diesel. Costumavam passar a cada hora e faziam paradas nas estações de João XXIII, São Fernando e Distrito Industrial.

Em 1989, o ramal de Itaguaí foi extinto e, se o percurso não tinha a esplêndida vista do ramal de Mangaratiba, era fundamental para os moradores dos municípios da Costa Verde, que não dispunham mais do transporte ferroviário da Central, e precisavam viajar de ônibus, muito mais devagar do que o trem.

O ramal de Mangaratiba recebeu como homenagem em 1949 um animado xote “Mangaratiba”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, dupla responsável por clássicos da música brasileira como “Asa Branca”, e que deve ter feito muitas viagens pelo romântico percurso do ramal, pois dizia: “Oi, lá vem o trem rodando estrada arriba/ Pronde é que ele vai?/ Mangaratiba! Mangaratiba!/ Adeus, Pati, Araruama e Guaratiba/ Vou pra Ibacanhaema, vou até Mangaratiba/ Adeus, Alegre, Paquetá, adeus Guaíba/ Neste fim de semana vai ser em Mangaratiba!/Mangaratiba!/ Lá tem banana, tem palmito e tem caqui./ E quando faz luar, tem violão e parati”.



André Luis Mansur é jornalista e escritor,  nascido na cidade do Rio de Janeiro e tendo atuado em veículos importantes da imprensa carioca, como os jornais O Globo, Jornal do Brasil e Tribuna da Imprensa. Apenas no jornal O Globo publicou mais de cem críticas literárias para o caderno Prosa & Verso. No bairro de Campo Grande, onde mora, coordenou de 2005 a 2012 o Cineclube Moacyr Bastos, exibindo mais de 300 filmes gratuitamente. Seu primeiro livro foi lançado em 2004, o Manual do Serrote, de humor. Quatro anos depois lançou seu livro de maior sucesso, O Velho Oeste Carioca, que conta a história da zona oeste do Rio de Janeiro, entre Deodoro e Sepetiba, e que gerou mais dois volumes, lançados em 2012 e 2016. Está lançando o livro de contos Copa de 50, sua décima-terceira obra, sendo que oito livros têm como tema a História do Rio de Janeiro.

Origináriamente postado no blog riodecoracaotour

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

3 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Muito bom o texto! Fato é que o saudoso trem foi o motivo de Mangaratiba não ter deixado de existir.

Não custa lembrar que, durante o período imperial, a então Vila de Nossa Senhora da Guia de Mangaratiba foi mantida pela atividade portuária em que, além do escoamento do café, a economia do Município foi mantida pelo repugnante tráfico de escravos. Só que, com o desvio da rota do café através da chegada das ferrovias ao Vale do Paraíba e a abolição (1888), houve um declínio até levar o Município à extinção em maio de 1892, situação esta que durou pouco mais de sete meses.

Felizmente, naqueles anos sombrios, houve um homem de visão. Um vereador de nome José Caetano de Oliveira decidiu lutar para que a ferrovia chegasse até o Município e tomou essa iniciativa ainda em 1894.

Deste modo, Mangaratiba soube dar a volta por cima sendo que, com a vinda do trem, em 1914 (duas décadas depois), a economia tornou a pulsar através da produção de banana e depois do pescado. Segundo a historiadora Mirian Bondim, chegamos a ser o maior produtor de banana do país, o que impactou positivamente a região:

“Grandes carregamentos desse produto chegavam às estações e paradas de trem, levados por tropas de burros, carroças e barcas. Os trens que circulavam por essa região, apelidados por “Macaquinhos”, por andarem abarrotados de bananas.”

Adinalzir disse...

Prezado Rodrigo Phanardzis
Seu comentário ajuda ainda mais a enriquecer essa postagem.
Fico muito grato!

Unknown disse...

Muito boa materia