terça-feira, dezembro 04, 2018

A história esquecida do 1º barão negro do Brasil Império, senhor de mil escravos



Um próspero fazendeiro e banqueiro do Brasil nos tempos do Império, dono de imensas fazendas de café, centenas de escravos, empresas, palácios, estradas de ferro, usina hidrelétrica e, para completar a cereja do bolo, de um título de barão concedido pela própria Princesa Isabel. A biografia do empresário mineiro Francisco Paulo de Almeida, o Barão de Guaraciaba, não seria muito diferente de outros nobres da época não fosse um detalhe importante: ele era negro em um país de escravos.

No ano em que a Lei Áurea completa 130 anos, vale a pena conhecer a trajetória do primeiro e mais bem-sucedido barão negro do Império, um personagem praticamente desconhecido na História do Brasil. Empreendedor de mão cheia e com grande visão de negócios em um país ainda essencialmente agrário, ele tem uma trajetória que lembra a de outro barão empreendedor do Império, este bem mais famoso: o Barão de Mauá.

Com um patrimônio acumulado de 700 mil contos de réis, que garantia ao dono status de bilionário na época em que viveu, Almeida nasceu em Lagoa Dourada, na época um arraial próximo a São João del Rei, no interior de Minas Gerais, em 1826.

A origem da sua família é pouco conhecida. Filho de um modesto comerciante local chamado Antônio José de Almeida, na certidão de batismo consta como nome da mãe apenas "Palolina", que teria sido uma escrava. "Infelizmente não sabemos o destino de Palolina e a quem ela pertencia, mas, sim, ela era escrava", afirma o historiador Carlos Alberto Dias Ferreira, autor do livro Barão de Guaraciaba - Um Negro no Brasil Império.

O nome, porém, provoca discussões entre os descendentes do barão, já que, por um erro de grafia no registro, "Palolina", na verdade, seria Galdina Alberta do Espirito Santo, esposa de Antônio e considerada pelo próprio barão sua legítima mãe. "Certamente seu pai ou mãe tinham ascendência negra, mas não existe nenhum registro provando que ele era filho de escravo ou escrava", afirma a trineta do barão e guardiã da história da família, a secretária administrativa Mônica de Souza Destro, que mora em Juiz de Fora (MG).

Ainda na adolescência, Almeida começou a vida como ourives fabricando botões e abotoaduras em sua terra natal, na região aurífera de Minas. Nos intervalos, tocava violino em enterros, onde recebia algumas moedas como pagamento e os tocos das velas que sobravam do funeral, que utilizava para estudar à noite. Por volta dos 15 anos, tornou-se tropeiro entre Minas e a Corte, no Rio de Janeiro.

Nessas idas e vindas, ganhou dinheiro comprando e vendendo gado, conheceu muitos fazendeiros e negociantes nos caminhos das tropas e começou a comprar terras na região de Valença, no interior fluminense, para plantar café.

Imagem mostra uma das fazendas do barão.

Após casar-se com dona Brasília Eugênia de Almeida, com quem teve 16 filhos, tornou-se sócio do seu sogro, que também era fazendeiro e negociante no Rio de Janeiro.

Após a morte do sogro, assumiu todos os negócios e sua fortuna disparou: comprou sete fazendas de café espalhadas pelo Vale do Paraíba fluminense e interior de Minas. Apenas na fazenda Veneza, em Valença, possuía mais de 400 mil pés de café e cerca de 200 escravos. Levando-se em consideração que ele tinha outras áreas produtoras de café, o barão pode ter tido até mil escravos, segundo Ferreira.

"Não se trata de uma contradição ele ter sido negro e dono de escravos, pois tinha consciência do período em que vivia e precisava de mão de obra para tocar suas fazendas. E a mão de obra disponível era a escrava", diz Ferreira.

"Ainda que nos cause repúdio hoje em dia, o contexto de escravidão era uma coisa normal e era mão de obra que existia naquele tempo", completa Mônica, que prepara uma biografia do seu ancestral, ainda sem data para ser publicada.

Em sociedade com outros empreendedores com quem mantinha contato, Guaraciaba tornou-se banqueiro e fundou dois bancos: o Mercantil de Minas Gerais e o Banco de Crédito Real de Minas Gerais. A diversificação empresarial não parou por aí.

Em um período em que as ferrovias começavam a rasgar o território nacional, participou da construção da Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto (depois incorporada pela Rede Mineira de Viação), cujos trilhos passavam por suas propriedades, em Valença.

A ferrovia, que ligava Valença a Barra do Piraí e se tornou importante para escoar o café do Vale do Paraíba, foi inaugurada por D. Pedro 2º em 1883. Teriam começado aí as boas relações entre Guaraciaba e a família real, que culminariam na concessão do título de barão pela princesa Isabel, regente na ausência do pai, em 1887.

O título foi concedido por "merecimento e dignidade", em especial pela dedicação de Guaraciaba à Santa Casa de Valença, onde foi provedor. Mas entrar para a nobreza tinha um custo fixo e tabelado pela Corte: 750 mil réis.

Sempre atento às oportunidades de negócios que chegavam com o progresso, Almeida foi sócio fundador da primeira usina hidrelétrica do país, inaugurada em 1889, em Juiz de Fora (MG). A Companhia Mineira de Eletricidade, que construiu a usina, também foi responsável pela iluminação pública elétrica em Juiz de Fora. O barão, claro, foi um dos participantes e financiadores da modernidade que aumentou o conforto da população.

Dono de um estilo de vida condizente com a nobreza imperial, o Barão de Guaraciaba possuía uma confortável residência na Tijuca, no Rio de Janeiro, e outra em Petrópolis, destino de veraneio preferido dos ricos e da nobreza.


Antiga mansão do Barão de Guaraciaba, chamada de Palácio Amarelo, hoje é sede da Câmara Municipal de Petrópolis, no Rio de Janeiro.

Na cidade serrana construiu uma mansão que posteriormente foi chamada de Palácio Amarelo e que hoje abriga a Câmara Municipal. Também fazia diversas viagens para a Europa, principalmente para Paris, para onde mandou seus filhos para estudar.

"Guaraciaba distinguiu-se por ter sido financeiramente o mais bem-sucedido negro do Brasil pré-republicano. Ele se tornou o primeiro barão negro do Império, notabilizando-se pela beneficência em favor das Santas Casas", afirma a historiadora e escritora Mary Del Priore.

Segundo ela, Almeida fazia parte de um pequeno grupo de mestiços de origem africana que conseguiram ascender financeira e socialmente.

O racismo, porém, permanecia arraigado na sociedade brasileira, independentemente da posição financeira, diz Priore. Alguns desses empreendedores, a exemplo do Barão de Guaraciaba, conquistaram ou compraram seus títulos de nobreza junto ao Império, sendo por isso chamados na época de "barões de chocolate", em alusão ao tom da pele.

"O sangue negro corria nas melhores famílias. Não faltavam casamentos de 'barões de chocolate' com brancas", completa a historiadora.

Após a proclamação da República, Guaraciaba começou a se desfazer dos seus bens, mas viveu uma vida bastante confortável até morrer, na casa de uma das filhas, no Rio de Janeiro, em 1901, aos 75 anos.

Seus herdeiros, inclusive alguns ex-escravos agraciados pelo dono e que permaneceram com o patrão após a alforria, receberam dinheiro e propriedades, e se espalharam pelos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.

"Ele foi um grande empreendedor que acabou banqueiro, homem de negócios, fazendeiro e senhor de escravidão. É preciso empenho e coragem dos historiadores para estudar esses símbolos bem-sucedidos de mestiçagem", diz Mary Del Priore, que resgata um pouco da história do Barão de Guaraciaba em seu livro Histórias da Gente Brasileira.

Por Marcus Lopes

Imagens de Mônica de Souza Destro / Arquivo da Família

Origináriamente postado na página BBC News Brasil

Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego

8 comentários:

Evelin Vieira disse...

Mesmo que nos cause repúdio hoje em dia. O texto é bastante revelador.
Parabéns pela postagem!

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Sem dúvida esse é um fato curioso da nossa História e que muitas das vezes chega a ser utilizado pelas mentes mais reacionárias que se opõem às políticas afirmativas de igualdade racial. Todavia, o episódio da vida do barão negro foi uma exceção á regra, o qual, independente da origem materna, foi mais um membro da elite brasileira nos tempos do Império graças ao matrimônio e à sua capacidade de gerir negócios. Obviamente que, por tal motivo, não poderia, por si só, revolucionar o sistema escravagista que só deixou de existir nos últimos dezoito meses que antecederam a Proclamação da República. Porém, contribuiu para inovar em termos de economia já que a maior parte dos poderosos da época era de gente acomodada que muitas das vezes não ousava empreender em ciência e tecnologia

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Em tempo! Conheci, ainda quando criança, a primeira hidrelétrica do país, época em que morei com meu avô paterno na cidade de Juiz de Fora. Todavia, passou batido de minha memória quem teria construído a usina assim como a sede atual da Câmara de Petrópolis, da qual fui vizinho aos oito anos de idade, chegando a morar por alguns meses no prédio ao lado durante o ano de 1984. Na época, o imóvel era a sede da Prefeitura e a Câmara ficava num outro prédio situado na mesma praça. Recordo que, numa noite, houve um evento cultural na Câmara em que saí de casa todo arrumado para assistir a peça de teatro. Porém, ao entrar no prédio, deparei-me com um cachorro que veio em minha direção. Assustado, saí disparado em direção a um chafariz, em cujas águas me atirei para não levar uma mordida.

Adinalzir disse...

Prezada Evelin Vieira
Fico sempre muito honrado com sua visita e comentário.
Muito obrigada!

Adinalzir disse...

Prezado Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz
Realmente, apesar da questão racial, o texto mostra um ouro lado importante da história. A questão da inteligência negra versus a acomodação branca da elite da época. Fico muito grato pela sua inteligente observação!
Um forte abraço!

Adinalzir disse...

Prezado Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz
Fico muito feliz em ter resgatado no texto. Memórias do seu tempo de infância. Aliás, bastante engraçada por sinal. Rsrsrs.
Um excelente domingo!

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Caro Prof. Adinalzir,

A história do barão é realmente um caso de superação muito interessante como bem escreveu a minha esposa Núbia no blogue dela:

https://cantinhodanubia.wordpress.com/2018/12/08/o-barao-negro-do-imperio/

De fato, ele poderia ter se contentado em se tornar apenas um fazendeiro de café, mas foi além dos limites passando a empreender em bancos, ferrovias e até na geração de energia elétrica.

O episódio da fuga do cachorro foi bem inusitado mesmo. Algo que até nos dias atuais não deixa de vir à tona nas recordações em família.

Abraço e ótima semana!

Adinalzir disse...

Caro Rodrigo Phanardzis

Ainda não conhecia o blogue da sua esposa. Visitei e achei super legal.
A partir de agora vou divulgá-lo na minha lista de blogues parceiros.
A referência ao Barão é importante para divulgar ainda mais uma história ainda pouco conhecida pelas pessoas. Uma excelente noite!