terça-feira, junho 26, 2018

História de Manguariba

Por Adinalzir Pereira Lamego (*)


O local onde hoje está situada a comunidade de Manguariba, foi nos seus primórdios parte das terras dos índios Tamoios. Depois que os índios foram expulsos e exterminados pelos portugueses suas terras passaram a fazer parte do Engenho de Santo Antônio dos Palmares pertencente à Fazenda da Mata da Paciência, cujos proprietários eram o português João Francisco da Silva e Sousa (1770-1815) e sua esposa Mariana Eugênia Carneiro da Costa (1773-1840).

Maria Graham (1785-1842), escritora e pintora inglesa, que esteve no Brasil. Descreve uma visita feita a fazenda e ao engenho no seu Diário, no dia 22 de agosto de 1823.

“Convidados a sentar em torno da “máquina de espremer que é movido por um motor a vapor... uma das primeiras, se não exatamente a primeira instalada no Brasil”. D. Mariana registra detalhes da produção do engenho: “Há aqui 200 escravos e outros tantos bois em pleno emprego. A máquina a vapor, além dos rolos compressores no engenho, move diversas serras, de modo que ela tem a vantagem de ter a sua madeira aparelhada quase sem despesa.

Naquele momento de admiração dos convidados, por ver a máquina esmagando a cana sem tração animal, d. Mariana pediu que um grupo de escravas que abasteciam a moenda cantassem: “e elas começaram com algumas de suas selvagens canções africanas. E ali, ritmados pelo ruído compassado dos cilindros libertando o vapor , cantaram também os hinos à Virgem, “com tom e ritmo regular com algumas vozes doces, a saudação angélica e outras canções.” O convite para o almoço veio em seguida e ao se despedirem: o pedido para voltarem, “coisa que nós, sem nenhuma repugnância, prometemos fazer”.

Era um sábado quando retornaram da fazenda Santa Cruz, e mais uma vez foram recebidos por d. Mariana no Mato da Paciência. Visitaram os jardins, as hortas, os pomares e um “lindo campo para onde se levaram cadeiras para que pudéssemos sentar e gozar a frescura da tarde. Dominando este campo há um morro íngreme com os lotes de café dos negros ocupando o terreno da floresta”.

No “Diário do Rio de Janeiro” de maio de 1840, fomos encontrar um necrólogo publicado logo após a sua morte, elogiando “seu gênio ativo e criador para o bem da indústria e prosperidade do seu País. No ano de 1815 foi ela que mandou vir para o seu engenho do Mato da Paciência, a primeira máquina de vapor que o Brasil teve, e que ainda serve perfeitamente, cuja encomenda fizera por intermédio de seu irmão, o conde de Vila Nova de São José”.

Em seguida o “Diário” descreve os melhoramentos realizados na fazenda que herdara de seu esposo, e adquirido outra denominada: “Santo Antônio dos Palmares, cujo engenho, por sua construção elegante e proporções, fará emulações a qualquer gênio varonil, e será um monumento de honra e de glória para sua fundadora, bem como de justa saudades para quantos a conheceram”.

Na época do Brasil colonial e também na Monarquia, o engenho ainda produzia aguardente, melado e açúcar, cuja produção escoava por via fluvial, seguindo em direção à localidade hoje conhecida como Sagrado Coração até chegar aos bairros dos Jesuítas, Santa Cruz e Sepetiba. Na imagem acima o engenho aparece assinalado na Planta da Imperial Fazenda de Santa Cruz no ano de 1848.  É só aumentar para visualizar.

Deve ter sido uma fábrica bastante produtiva, pelas dimensões das ruínas existentes até hoje no local. O canal, atualmente sem utilização prática, era conduzido ao Rio Guandu-Mirim e dali seguia para o Porto de Sepetiba, de onde, se presume, levava a carga de açúcar e aguardente para o Rio de Janeiro e outros portos.


 Foto de Adinalzir Pereira. Em 08/09/2017.

Com a chegada da República, as terras do engenho, tornaram-se foreiras após o ciclo do café. A partir dos anos 1930 aos anos 1960 com a chegada de imigrantes portugueses veio a riqueza dos laranjais. Depois foi a época da criação de gado, onde o destaque foi o surgimento da Fazenda Nova Índia, de propriedade do Dr. Luiz Carlos de Adriano Franco, admirador das belas artes e também colaborador do NOPH, além de vários outros criadores.

A partir da década de 1960 com a decadência dos laranjais e consequentemente também de algumas fazendas de gado. Começaram a ser construídos na região vários conjuntos habitacionais. O Conjunto Manguariba foi um deles. Hoje em parte de seu terreno está sendo implantado o complexo logístico da WT Goodman.

Ainda falta descobrir o real significado da palavra Manguariba. Já consultei inúmeras vezes o Google e vários dicionários etimológicos. Inclusive da Língua Tupi, mas nenhum deles apresenta uma definição correta. Suponho, por analogia com outros sufixos de origem Tupi, que Manguariba poderia significar “lugar onde habitam (ou habitavam) determinadas espécies de rãs comestíveis.

Segundo pesquisas que fiz sobre a região há cerca de vinte anos. Toda a área onde hoje se encontram os conjuntos de Jardim Palmares, Manguariba, Sagrado Coração, Jesuítas e arredores, era “habitat” de várias espécies de rãs nos seus terrenos alagadiços. Daí ser possível afirmar que Manguariba seria “terra onde habitam ou habitavam rãs”.


Jornal do NOPH Ano de 1988.

Veja esse excelente documentário idealizado e roteirizado por Isra Toledo Tov, com direção de Márcio Melo, da Melo Drone, realizado na área do Engenho da Mata da Paciência e do Engenho de Santo Antônio dos Palmares. Em novembro de 2017. Clique no link ao lado para assistir. https://www.youtube.com/watch?v=KCV0NerJSbM

E aqui algumas fotos de aves belíssimas que pousam e fazem seus ninhos nas terras da antiga Fazenda Nova Índia. Veja abaixo na página de Ery Decottiginies.
https://www.flickr.com/people/144462078@N06/

Abaixo alguns dados recolhidos por estudantes do CIEP Jornalista Octávio Malta na Associação de Moradores de Manguariba. Durante  uma pesquisa feita no ano de 1993.

No Conjunto foram construídas 6000 casas, com capacidade para alojar cerca de 24000 pessoas.

Em 29 de agosto de 1983 começaram a chegar os primeiros moradores. Eram cerca de 90 famílias de funcionários da Telerj que vieram para o local. Foram os próprios caminhões da Companhia que fizeram o transporte dessas pessoas.

Ainda moravam no local alguns antigos empregados da fazenda Nova Índia. Próximo a rua 19 morava a Dona Nair. Próximo a Escola Municipal Gandhi morava o Sr. Manoel. Próximo ao Mercado Azulzinho morava o Sr. Caduci. Próximo a rua 39 morava o Sr. Roberto.

Nessa época o “valão” era estreito, tanto que as crianças passavam de um lado para o outro sem nenhum perigo. No começo do conjunto o Escola Municipal funcionava num barracão, as ruas não eram asfaltadas.

Os policiais andavam a cavalo e o comandante do Posto Policial Comunitário era o Sargento Bandeira, que era o terror dos vagabundos de Manguariba, com ele não havia diálogo e quando acionava o camburão prefixo 070, quem tivesse sem documento e dando bobeira, ia logo direto para a caçapa. Nessa época o traficante de drogas que aterrorizava a região era o Sérgio Zoiudo e seu bando.

Não havia linha de ônibus. A primeira linha que começou a circular era a 845 Campo Grande-Manguariba. Porém esse tipo de transporte não entrava no conjunto. Havia também um Colégio particular denominado Fada Sininho. O Posto de Saúde começou a funcionar com apenas um consultório, depois passando a ter dez consultórios. No início tinha somente um médico clínico, depois passou a ter várias especialidades.

No ano de 1984, a Igreja Católica realizou a sua 1ª missa na sede da Associação de Moradores, pois a capela de Bom Jesus ainda estava em obras. Em 01 de dezembro de 1985 foi realizado o 1º batizado na comunidade. Na Escola Leila Mell, no ano de 1986, foi realizada a 1ª cerimônia de primeira comunhão. No ano de 1988 foi realizado a primeira cerimônia de casamento. Enquanto que no ano de 1992 foi inaugurado o prédio da capela em Manguariba.

Nessa época a comunidade de Manguariba teve várias visitas famosas, entre elas: Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Beto sem braço e muitos outros. Muitos moradores ainda lembram de quando a Fazenda Nova Índia chegou a ser utilizada como cenário de uma novela da Globo.

Alguns moradores falavam das antigas colunas do Engenho e da curiosidade de saber o que teria sido. Outros se recordam da enorme criação de gado nelore e de uma planta abundante no local chamada manguá. Muito usada como correia para açoitar animais e para debulhar cereais como: feijao, soja, trigo, aveia, etc. Outros lembram casa do caseiro da fazenda, onde moravam o Sr. Geraldo, sua esposa Dona Regina e seus filhos Moisés, Sandra e Luciana. Falavam também de um filhote grande de leão que havia no local. Citam também muitas lembranças de quando a Fazenda começou a criar búfalos e cavalos.

Segundo o Sr. Leu Lima: "Antes de se tornar um conjunto habitacional, uma parte das terras de Manguariba pertenciam ao Sr. Paulo Albino. Capinei muito essas terras. Nos anos 1950/1960, o sitio foi dividido em grandes lotes que era cultivado pelo método de "Terço". De cada 3 caixas de frutas e legumes recolhidos, uma era do proprietário das terras. O cultivo era de aipim, batata, giló, quiabo, etc."

Podemos dizer que ainda falta muita coisa para concluir essa história de Manguariba. Essa foi apenas uma pequena contribuição para divulgar o conhecimento da história local da Mata da Paciência e de todas as suas comunidades. História essa que queiramos ou não, sempre vai ficar guardada na memória. Sendo construída no dia a dia de nossas vidas. Afinal sabemos que não existem heróis. Todos fazemos parte dessa história.

Fontes de consulta utilizadas:

Jornal do NOPH 21, Agosto de 1985, pág. 09. Biblioteca do NOPH Ecomuseu, Rio de Janeiro. Consulta feita em 22/06/2018.
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Dicionário de Palavras Brasileiras de Origem Indígena. Clóvis Chiaradia, Editora Limiar, São Paulo. Agosto de 2008.
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Vocabulário Tupi-Guarani Português. Silveira Bueno, Brasilivros Editora e Distribuidora Ltda. São Paulo, 5ª edição. 1987.
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Associação de Moradores do Conjunto Manguariba, Rio de Janeiro. Consulta feita no ano de 1993.
Trabalho de pesquisa feito por alunos do CIEP Brizolão 336 Jornalista Octávio Malta: Meire Lúcia, Nadja, Neiva, Raquel, Walace, Selma e Sônia. Conjunto Campinho, Rio de Janeiro. Ano de 1993.
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Blog: www.rioeduca.net/blogViews.php?id=1087 Acesso em 25/06/2018.

Postado por Adinalzir Pereira Lamego - Professor e Historiador (*)

15 comentários:

RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ disse...

Boa noite.

Inicialmente, parabéns pelo excelente trabalho de pesquisa histórica pois são informações que contribuem para as identidades local e regional.

Pensando em como será o amanhã, vejo a região de Santa Cruz e Campo Grande cada vez maiores em termos de loteamentos e condomínios, deixando para trás seu bucólico passado rural. Porém, como esse progresso me parece inevitável, creio que muito importa incutir valores de sustentabilidade ambiental. Seja quanto aos empreendimentos e também no que diz respeito aos serviços públicos que precisam ser prestados ao morador na área de saneamento, a arborização das ruas, a criação de áreas verdes, cultivo de alimentos em áreas urbanas e o desenvolvimento de um turismo histórico-ecologico-cultural.

Ótima quinta feira

Aldair disse...

Gostei e fico no aguardo por novidades dessa comunidade . Fico feliz por pessoas que amém contar histórias dos bairros

Adinalzir disse...

Valeu Aldair
Agradeço pela mensagem e comentário.
Volte sempre aqui no blog.
Uma ótima semana!

Adinalzir disse...

Prezado Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz
Agradeço seus comentários sempre muito úteis. Visite sempre este blog.
Minhas cordiais saudações!

Fátima Lobato disse...

Parabéns Adinalzir pelo trabalho de pesquisa sobre Manguariba, pois sou moradora há 21 anos e pouco se tem de informações sobre o conjunto.
Porém uma dúvida foi tirada quanto ao nome e se encontra no final do texto, de que mangá seria uma planta em abundância na região.

Unknown disse...

Parabéns!

Haroldo Mota disse...

Em 1974 eu estava servindo ao Exército e viemos do Primeiro Batalhão de Guardas para fazer uma marcha e começamos por aqui, na Av. Brasil onde é entramos em direção a Fazenda Nova India, e qual foi a minha surpresa...eu já tinha estado nesse lugar com um tio, irmão da minha madrasta. Lembro de um casarão é um pé de genipapo próximo. E o mais engraçado, sem saber de nada ainda, acabei vi do morar em Me guariba em 1991. Foi quando me dei conta novamente do lugar.

Unknown disse...

Saudades, morei no ano de 1.985.

leonardo disse...

Sou morador e fui aluno do professor Adinalzir,e fico muito contente em ler e aprender mais sobre nossa comunidade.
Obrigado por enriquecer nossos conhecimentos.

Dias disse...

Muito bom.

EDSON S.R disse...

Excelente trabalho de pesquisa e divulgação fico feliz pelo trabalho e morar no conjunto e saber de sua historia e origem. Parabéns.

Marianna Almeida disse...

Cresci em Manguariba e formanda em História pela UFRRJ e hoje moro próximo do Ecomuseu em Sta Cruz. Como amo esse conjunto! Como é importante o trabalho do historiador que estuda e pesquisa sobre História Local! Amei!

Bruno disse...

Muito Bom saber mais das historia de manguariba. Moreie en manguariba ate os 9 anos de idade quando 1992 mudei com os meus pais para estados unidos. tenho muitas boas lembrancas de manguariba foi a melhor epoca da minha infancia.

CLAUDIO RANGEL disse...

BOA NOITE, ESSE MARCO AINDA EXISTE NO LOCAL DESSA FOTO E EXISTE COMO CHEGAR ATE LA HOJE EM DIA? POIS OS MARCOS COLOCADOS NO PERIODO IMPERIAL TEM AS MARCAÇÕES P.I OU P.II. ALGUNS 1826 E OS COLOCADOS NO INICIO DA FAZENDA PELOS JESUITAS TEM A MARCA I.H.S. ESTAMOS COM UM GRUPO DE PESQUISAS NA BUSCA DESSES MARCOS, SE PUDER ME RETORNAR AGRADEÇO RANGEL - ZAP - 21 997560051. OBRIGADO

Luis Carlos Reis disse...

Prezado professor Adinalzir Pereira Lamego. Parabéns por este excelente e riquíssimo trabalho de resgate histórico. Sou professor da UFRRJ de área distante dessa pesquisa, nasci em antiga favela próxima de Manguariba (Vila São Jorge, Cosmos). Tenho lido alguns documentos sobre a fazenda de Santa Cruz no âmbito da história de Bananal de Itaguaí, atual Seropédica e outros associados (como os publicados por Alberto Ribeiro Lamego, Benedicto Freitas, padre Serafim Leite e seu último administrador no império, José de Saldanha da Gama). Analisando o mapa confeccionado pelos jesuítas entre 1727-1729 se nota que o território da fazenda Nova Índia faceava com o rio Guandu Mirim. Tento há algum tempo, como outros que têm se manifestado por aqui resgatar os locais de fixação de referências, marcas e principalmente os marcos. A maioria deles certamente oi "desaparecida" ou substituída pelo imperador DE. Pedro I. Gostaria de saber se você tem conhecimento sobre a existência do marco apresentado em seu trabalho. Agradeço muitíssimo a sua atenção. Qualquer contato pode ser feito comigo (21-996033986). Cuidem-se todos.