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Texto de autoria de Ana Lucia Azevedo publicado no jornal O Globo de 22/01/2011 mostra que a turbulenta relação entre os brasileiros e as serras tem sua origem na própria formação do nosso país.
Texto de autoria de Ana Lucia Azevedo publicado no jornal O Globo de 22/01/2011 mostra que a turbulenta relação entre os brasileiros e as serras tem sua origem na própria formação do nosso país.
Em busca de uma utopia possível
Pádua diz que a utopia possível é que vamos conseguir adaptar nossas necessidades ao mundo natural. Na era do aquecimento global, em que extremos tendem a se tornar mais regra do que exceção, esse aprendizado ganha urgência.
- É preciso conhecer a transformação da paisagem. Nos últimos dias houve muitos relatos de pessoas atingidas dizendo não se lembrarem de ter visto, em 70 anos, antes algo como as chuvas e desmoronamentos na Serra. Isso é muito tempo para uma vida humana. Mas não é nada para a natureza - diz Pádua.
Autoridades e meteorologistas discutem se as chuvas que devastaram a Serra entre 11 e 12 de janeiro foram as mais violentas da região. Para Pádua, a discussão é secundária. Pode ser que chuvas assim ocorram a cada 100 anos. Pode ser que não.
- O importante é se convencer de que elas podem voltar a ocorrer. Pode ser que tenham ocorrido outras vezes, mas que não tenham sido catastróficas porque ninguém morava lá. Se a história da ocupação das serras brasileiras, e não apenas a fluminense, ainda é incipiente, e está cheia de lacunas, a história natural é ainda mais desconhecida – afirma o historiador.
Exemplo disso é a visão equivocada sobre as florestas. Muita gente se chocou com o fato de encostas cobertas com florestas terem vindo abaixo na enxurrada.
- Muitos moradores pensaram que as encostas estariam defendidas pela presença de florestas. Realmente as florestas são a melhor proteção das encostas. No contexto atual, as propostas ruralistas de afrouxar o Código Florestal representam um tapa na cara da sociedade. Só que as florestas não existem no abstrato. Cada floresta tem sua história. Muitas das formações florestais da Serra são recentes e secundárias, estando bastante mexidas e fragmentadas. Se mesmo as florestas mais íntegras, dependendo do volume de água e do contexto geológico, podem não segurar um deslizamento, quanto mais as florestas secundárias. Conhecer a história de cada paisagem é fundamental para desenhar boas políticas de prevenção e reconstrução - explica o pesquisador da UFRJ.
O passado não registra nada da magnitude da catástrofe que matou centenas de pessoas em Nova Friburgo, Teresópolis e outros municípios serranos nas chuvas deste janeiro. Mas explica sua origem.
- Uma perspectiva ampla permite identificar que transformações na paisagem contribuíram para aumentar o desastre. E demarcar melhor que lugares devem ser considerados impróprios - observa o historiador.
Ele lembra que as enormes enchentes de 1987/88 na Serra Fluminense, ou no Rio de Janeiro em 1966/67, mataram bem menos gente do que a tragédia deste ano. Não porque estivéssemos mais bem preparados. Um fator decisivo é que a escala das populações e da ocupação dos espaços era muito menor.
- Havia menos gente em lugares que nunca deveriam ter sido ocupados. Os últimos 30 anos assistiram a um aumento populacional explosivo. Com as previsões de que chuvas extremas se tornarão mais freqüentes, mais do que nunca é preciso repensar a ocupação, os limites de nossa sociedade de risco - frisa.
Nossa sociedade é paradoxalmente poderosa e vulnerável.
- O tamanho da população das cidades, a complexidade da infraestrutura e a dependência de fluxos intensos de matéria e energia, isto é, de água, de combustível, fazem com que nossa sociedade seja ao mesmo tempo muito poderosa, porém muito mais frágil - diz.
A história do Brasil nos traz muitos alertas.
- A medida que as cidades cresciam, com maior concentração de gente, como o Rio de Janeiro, onde se desmatava as encostas para agricultura, carvão ou moradia, as enchentes começaram a causar danos consideráveis e a ficar na memória coletiva. É o caso das "águas do monte" de 1811, quando parte do Morro do Castelo desmoronou. Ou da enchente de 1864, lembrada em 1889 por uma crônica de Machado de Assis. A partir do século XX a situação piorou muito - relata o historiador.
A questão das encostas já era alvo de críticas em 1821, quando José Bonifácio argumentou que a agricultura deveria ser feita nos vales, beneficiando-se da proteção dos morros florestados. O cultivo em encostas, motivado em grande parte pela facilidade de desmatar em favor da gravidade, era encarado por ele como uma combinação de ignorância, preguiça e má gestão. Em 1862, ao ver Petrópolis alagada pela chuva, o imperador D. Pedro II reclamou com o engenheiro do distrito que "pouco se fez do ano passado para cá" para enfrentar o problema.
E pouco continuou a se fazer, passados quase um século e meio desde a crítica do imperador. O plano original de Petrópolis, dos idos de 1840, não previa o desmatamento de encosta. Mas Pádua acredita que a região de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo permaneceu por muitos anos relativamente a salvo de catástrofes em virtude de sua baixa ocupação por muitos anos.
- Até meados do século XX a população dessas cidades estava na casa dos 30, 60 mil habitantes. Tudo isso mudou nas últimas décadas do século XX, quando a população começou a crescer muito depressa - diz Pádua.
Uma relação perigosa com o verde
O motivo seria o fenômeno socioeconômico que os historiadores chamam de Novo Rural, baseado em turismo, casas de campo, agricultura orgânica, criação de ovelhas, cavalos e produção de produtos finos. As pessoas subiram a Serra em busca do verde.
- Apesar dos muitos pontos de risco, a região se tornou cada vez mais atraente para os que queriam viver "mais perto da natureza", ter maior contato com o verde. E pessoas pobres foram atraídas por essas novas oportunidades de emprego. Assim, casas ricas e pobres foram erguidas em lugares totalmente vulneráveis a desastres - salienta.
Para o historiador, só uma intensa presença do poder público no controle da ocupação, associada a formas inovadoras de manejo local, poderão indicar um caminho seguro para a Região Serrana.
- A natureza não pede licença ao homem. Precisamos encontrar uma forma de nos adequar a ela - conclui.
22 comentários:
Oi, Prof! Seu blog é muito legal. Adorei os textos!
Olá, Professor!
Belíssimo texto de Ana Lucia Azevedo, direto e objetivo no quesito ocupação, homem e meio ambiente.
Por isso, é essencial conhecermos a história das florestas, das ocupações das serras brasileiras e do uso inadequado do solo para em seguida serem criadas políticas públicas eficientes e afirmativas. As transformações na paisagem (ocasionadas pela ação humana) contribuiu para que ocorresse tragédia como essa. As encostas são lugares que numa deveriam ter sido ocupadas, ressalta José Augusto Pádua. Mas, com a cumplicidade e a omissão do poder público (município, estado e governo federal) isso foi possível.
Aqui, cabe, uma reflexão até quando iremos ter que ver cenas catastróficas como aquelas? É urgente a criação de uma "lei de responsabilidade sócio-ambiental" como bem observa Leonardo Boff:
"O acúmulo de desastres sócio-ambientais ocorridos nos últimos tempos, com desabamentos de encostas, enchentes avassaladoras e centenas de vítimas fatais junto com a destruição de inteiras paisagens, nos obrigam a pensar na instauração de uma lei nacional de responsabilidade sócio-ambiental, com pesadas penas para os que não a respeitarem."
Cordiais saudações,
Prof. Lima Júnior
Seu post me fez lembrar de uma linha de pesquisa que está muito forte aqui na UFPA "História e Natureza". Trata da influência que o meio ambiente exerce em um determinado processo histórico. Parabéns pelo post.
Olá, Marina Lane
Agradeço pela visita e comentário. Volte sempre. Abraços!
Prezado Prof. José Lima Dias Júnior
Concordo plenamente com você. É importante a criação de uma lei de responsabilidade ambiental, mas com dura fiscalização. Para que no futuro essas tragédias não mais se repitam.
Cordiais saudações e muito obrigado pela visita!
Prezado Prof. Leonardo Oliveira
Fico muito contente que tenha gostado do post. Inclusive o Prof. José Augusto Pádua é um dos poucos especialistas nesse assunto no Brasil. Acho muito importante que as universidades se interessem por essa temática ambiental, pois cada vez mais serão necessários especialistas nessa área. Quem sabe não será essa a profissão do futuro para os novos estudantes?
Grato pela visita e um grande abraço!
Oi professor querido. Acho que o homem que tinha que pedir licença a natureza, né? Mas não pede. O homem acha que tem o direito de dominar o mundo, de fazer o que bem entende. No fundo é o único que fica sem entender. Um grande beijo. Excelente seu post
O homem como sempre acha que pode tudo,invadir,destruir a natureza sem medir as futuras conseqüências,aí entra a lei da causa e efeito!!!
ótima postagem!!!
abçs!!
Ao Blog da Fofa
Querida amiga Carolina
Sabemos que o ser humano ainda tem muito que aprender. Infelizmente, ainda existe muita falta de compreensão dos eventos que vem da natureza. Daí surge, a poluição, a pesca predatória, a extinção dos animais, o desmatamento, etc. Incluindo também a arrogância do próprio homem.
Fico muito grato com sua visita e comentário. Beijos! :)
Ao Mundo Virtual
Por isso é importante incluir o estudo do meio ambiente como disciplina nas escolas. É preciso vez mais pensar no futuro e na educação das crianças, pois observo que muitas vezes, elas tem mais consciência ambiental que os adultos.
Cordiais saudações e agradeço pela visita!
Prof.
Retribuindo a visita. Parabéns pelo seu blog, passarei mais vezes por aqui.
Grande abraço e sucesso
Prezado Célio
Fico muito grato com sua visita e comentário. Também estarei muitas vezes lá no seu blog.
Um grande abraço! :)
Olá professor Adinalzir,
Esse post faz lembrar-me que as vezes respeito pela natureza,seus limites, nossos limites como humanos teriam com certeza evitado tanta dor!
Abraços,
Leandro
Olá! Como vai Professor?!
Obrigada por sempre estar me visitando em meu blog. Sempre que possível estarei aqui no seu, retribuindo e bebendo em novas informações.
Adorei o texto de hoje. Não imaginava que essa situação era tão antiga.
Abs,
Pamella
É sempre a mesma coisa, o homem faz o errado e culpa a natureza. E como se diz por aí, o homem destrói o próprio homem mesmo sabendo que não devia praticar certos práticas.
O Prof. sempre deixando a marca da História para ser absorvida pelos menos dinâmicos na leitura.
Abraço
Meu caro Prof. Leandro
Perfeitamente, respeitar a natureza é muito bom e ela gosta.
Um grande abraço e muito obrigado pela visita!
Ao reflexoesdehistoria
Oi, Pamella
Entendo como uma obrigação de todo blogueiro visitar e responder a todos os comentários de seus seguidores. Uma tarefa que eu faço sempre com prazer. Agradeço sua visita e fico contente em saber que você gostou da postagem. Abraços!
É isso aí, meu caro Lucidreira!
Estamos aqui para isso. Sempre que possível, deixando a marca da História para todos. Quanto ao homem infelizmente, ainda falta a muitos deles reflexão e consciência.
Um fraternal abraço e grato pela visita!
Passando para deixar meu abraço amazônico e tomar umas doses de boa História do Brasil.
Forte abraço de Belém
Meu caro Franz
Seu abraço amazônico e sua visita é sempre um enorme prazer por aqui.
Cordiais saudações do Rio de Janeiro!
Grosseiramete falando: Quem nasceu pra morar em morro é cabrito.
É fato histórico e científico. Toda elevação cede naturalmente com o tempo. O ser humano é teimoso mesmo. Cisma que pode controlar a natureza e sempre acaba nisso.
passa lá depois, tem novas postagens
Valeu Professor!
Prezado Marcelo Moacir
Você está corretíssimo. Infelizmente a teimosia do nosso povo é incontrolável. Existe muita falta de educação e conhecimento.
Valeu pela visita! Estarei lá no seu blog. Abraços!
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