Largo Rio da Prata:
A importância do largo deve-se ao fato de ser a origem do núcleo urbano do Rio da Prata, iniciado com um pequeno centro de reunião de tropeiros.
Neste largo havia apenas uma venda bem sortida; um bazar de gêneros, quinquilharias, instrumentos de lavoura e dois barracões de depósito de banana, cujo comércio era monopolizado por um dos sitiantes da região que a revendia ao Mercado Municipal.
Praça Engenheira Elza Pinho Osborne:
O Largo do Rio da Prata é um ponto histórico de referência local, cuja praça recebeu em 1958 o nome de Praça Engenheira Elza Pinho Osborne para homenagear a engenheira civil que foi fundamental para o desenvolvimento de Campo Grande. Na década de 1960, a engenheira, então administradora regional, pretendeu transformar a localidade do Rio da Prata na “Petrópolis Carioca”, idealizando um hotel na Serra do Rio da Prata, que nunca saiu do papel. Sua atuação trouxe benefícios em infraestrutura e no campo das artes, a exemplo da construção do Teatro de Arena, posteriormente transformado em Lona Cultural Elza Osborne.
A origem do núcleo urbano do Largo do Rio da Prata iniciou com um pequeno centro de reunião de tropeiros, que se restringia a uma venda bem sortida, um verdadeiro bazar de gêneros, quinquilharias, instrumentos de lavoura e a dois barracões de depósito de banana, então monopolizada por um dos sitiantes da região que a revendia ao Mercado Municipal. Com a instalação da linha de bonde, ocorrida na década de 1920, esse núcleo tomou novo impulso, que se acentuou ainda mais com a criação de uma linha de auto-lotação. Até o final da década de 1960, de acordo com os relatos, a praça era lugar das grandes festas religiosas com seus leilões anunciados no coreto, barraquinhas, banda de música e eleição da rainha e princesa da festa, atraindo diferentes pessoas de Campo Grande.
Igreja Nossa Senhora das Dores:
Inaugurada em 1933, sob a responsabilidade da Igreja Nossa Senhora do Desterro, a Igreja Nossa Senhora das Dores é uma construção em estilo moderno decorada internamente com pinturas a óleo que mostram passagens da Bíblia feitas em 1960, por João Tercílio de Holanda. Entre os padres, cabe destacar a missão do Padre Lúcio Zorzi, que foi pároco da igreja entre 1978-2016, a qual foi marcante na comunidade por ter incentivado a relação da mesma com o meio ambiente, contribuindo para soluções da sociedade como creches comunitárias.
Coreto:
O coreto é uma construção quadrangular com embasamento executado em concreto, revestido em argamassa e uma cobertura em telha francesa. Era usado para bandas em festas da Igreja Nossa Senhora das Dores e também nos leilões, onde se vendiam uma variedade de objetos doados pela comunidade católica como pernil pronto e bolo. Dona Alexandrina Ribeiro, conhecida como Dona Dina, é a filha mais velha de José dos Santos Figueira, leiloeiro oficial da festa de Nossa Senhora das Dores. O leiloeiro valorizava o produto para instigar as pessoas a darem lances maiores. Dona Ziza lembra as apresentações musicais realizadas no coreto. Em 25 de outubro de 1996, o coreto e a bica d ‘água foram tombados pela prefeitura por constituírem marcos da paisagem local.
Bica d’água:
Uma peça francesa, composta por uma bacia em ferro fundido com azulejos, foi instalada na praça na década de 1930. A bica era originalmente utilizada para os tropeiros darem água para os animais que traziam as mercadorias dos morros para serem vendidas em feiras e mercados. Também foi importante para a distribuição de água para a população. O terreno utilizado para a construção do coreto e da bica d’água foi doado pelo lavrador José dos Santos Figueira, proprietário de terras agrícolas na estrada da Batalha, no Rio da Prata. De acordo com a pesquisa de Alice Alves Franco, o chafariz ficava no meio da praça e nos anos de 1960 foi transportado para junto do coreto. Em 25 de outubro de 1996, o coreto e a bica d ‘água foram tombados pela prefeitura por constituírem marcos da paisagem local.
Bonde e Lotação:
A praça também foi ponto final da linha de bonde do Rio da Prata, em funcionamento a partir de 1920, que era uma das linhas de Campo Grande. Inaugurado em 1894, o bonde em Campo Grande era puxado por burros e transportava capim para os burros de outras linhas, até a inauguração do serviço de passageiros em 1908, que funcionou até 1967. O pai de Dona Deolinda, Francisco Gonçalves Teixeira, de origem portuguesa, trabalhou na linha do bonde, assim como o pai de Dona Neuza, o Senhor Manoel Claudino de Souza, e o pai de Dona Ziza, o Sr. Luis Ferreira de Abreu. Muitas famílias locais trabalharam nos bondes. A partir das décadas de 1940 e 1950, o Rio da Prata começou a receber as “lotadas” ou lotações, veículos de transporte coletivo anteriores aos ônibus.
Antigas vendas / Pólo Gastronômico do Rio da Prata:
Antigamente o largo possuía vendas e depósitos que atendiam aos agricultores e demais moradores locais. Muitos agricultores só desciam do morro uma vez por mês para negociar as colheitas, fazer compras e encontrar amigos para participar das festas da Igreja de Nossa Senhora das Dores e dos leilões. Os produtos colhidos na serra eram levados em burros ou carroças até o Largo do Rio da Prata, onde eram embarcados nos caminhões que os transportavam até à Ceasa, em Irajá, e, também, para as feiras-livres, calçadão de Campo Grande e mercadão de Madureira, onde eram comercializados. Algumas vendas funcionavam como bancos, guardando dinheiro dos agricultores, cujas trocas comerciais eram registradas em cadernos.
Além dos armazens, havia também na praça a Intendência Agrícola, onde eram vendidos a preço de custo alguns insumos e ferramentas para agricultura, de acordo com a pesquisadora Alice Alves Franco. Com as mudanças, esses espaços foram se modificando e ocupados por novos estabelecimentos; hoje no local existe o Pólo Gastronômico do Rio da Prata, fundado em 2015.
Sítios, hortas e quintais:
A região configurou-se a partir de grandes e pequenas propriedades de terra, onde trabalhavam famílias e conhecidos. Os produtos plantados ou extraídos da natureza eram vendidos em feiras e mercados locais. O sucesso econômico advindo da agricultura, sobretudo do início do século XX até os anos de 1940 quando os bairros de Campo Grande, Realengo, Guaratiba e Santa Cruz estiveram entre os maiores produtores de laranja do país (Campo Grande recebeu a alcunha de “Citrolândia” pelo seu destaque), consolidou a imagem da região como um “celeiro” do então Distrito Federal. Alguns moradores lembram-se do evento “Rainha da Lavoura” que existia em Campo Grande.
A especulação imobiliária e a criação do Parque Estadual da Pedra Branca em 1974, abrangendo o Maciço da Pedra Branca, consistiram em novas situações e tensões para as áreas historicamente utilizadas e manejadas pelas comunidades agrícolas e tradicionais. A dificuldade de mão de obra para trabalhar nas plantações é constantemente relatada pelos agricultores mais velhos, causando a diminuição de produção ou venda dos terrenos. Era muito comum entre os moradores a troca de seus produtos internamente, fortalecendo a rede de agricultores e famílias da região. Ainda há extração de banana e outras frutas, produção de aipim, verduras e hortaliças, assim como de ervas medicinais e plantas alimentícias não convencionais.
Seu Quincas e Seu Máximo lembram que começaram a trabalhar muito jovens na roça, já ajudando a família. O Sítio São Jorge, de propriedade de Lico Nunes, pai do Seu Quincas, era um dos melhores do Morro dos Caboclos. Produzia banana, laranja, abacate, manga, milho, abóbora, guandu e couve. A produção era escoada por seis burros e dois cavalos, e revendida para mercados e feiras locais, conta Seu Quincas. As mulheres também relatam o trabalho pesado do dia a dia, mas concluem que havia de tudo na roça. Criava-se bicho, caçava-se paca, tatu e gambá, e se pescava camarão e lagosta nos rios e cachoeiras. Desciam apenas para comprar alguns itens como arroz, café e sal. A serra era uma cidade, resume Dona Deolinda.
Transporte da produção:
Burros e jegues ainda são usados pelos moradores para escoar a produção do alto dos morros, como antigamente. É comum ver agricultores indo e vindo pelos caminhos da região, com as cangalhas e jacás presos aos animais. Morador do Morro dos Caboclos, Jorge da Cangalha é um dos poucos agricultores locais que ainda faz. A cangalha é uma sela, colocada no lombo dos animais de carga. É feita de vários materiais, conforme descrição de Seu Máximo: madeira para o gancho e para sustentar as laterais; couro para fazer a capa, a manta e para os cintos para prender na parte traseira, no peitoral e na barrigueira; bambus para esticar o couro e linha com cera para costurar o bambu no couro.
Jacá é tipo um cesto feito de cipó ou palha, de maior tamanho, com alças. Também existem as ‘aranhas’, carros cuja lataria foi retirada, sobrando apenas o motor e bancos da frente, para transporte de cargas/ produção agrícola em morros íngremes no Maciço. Em fins do século XIX e no início do XX, a produção dos moradores da vertente de Jacarepaguá e de Vargem Grande também era escoada pelo Rio da Prata, pois seguia de bonde da praça até o centro de Campo Grande, e depois era transportada pela linha férrea (em 1878 é implantada a Estrada de Ferro Dom Pedro II).
Feiras e mercados:
As feiras do Rio da Prata e de Campo Grande, assim como o Centro de Distribuição de Alimento no Ceasa-RJ em Irajá e o Mercadão de Madureira, consistem em importantes locais de escoamento da agricultura familiar do quilombo. Muitas famílias locais trabalharam e ainda trabalham em feiras, vendendo sua produção. Vendia-se também diretamente para alguns restaurantes ou de porta em porta, como faz hoje Seu Máximo.
Caqui:
O caqui é uma fruta muito cultivada na região. De origem asiática, foi trazida para o Brasil no final do século XIX e se expandiu na década de 1920, durante a imigração japonesa. Atualmente o Rio da Prata é um dos maiores produtores de caqui orgânico do estado do Rio de Janeiro e, desde 2021, realiza uma colheita coletiva chamada “Tira Caqui”. O evento Tira Caqui ocorre há oito anos no Maciço da Pedra Branca, no feriado nacional de 21 de abril, cada ano em uma vertente diferente da serra, e tem como finalidade trazer consumidores, técnicos e agricultores para auxiliar os moradores na colheita do caqui, já que existe uma forte demanda de mão-de-obra para o trabalho.
O evento também destaca a importância da agricultura da cidade, e que essa agricultura é saudável, tradicional e agro ecológica. De acordo com Dona Deolinda, as primeiras mudas de caqui foram trazidas do Mendanha pelo seu avô Francisco Gonçalves Teixeira. Há versões diferentes do início da produção no maciço, porém é indiscutível a importância da fruta para a região.
Casas de taipa e estuque:
As casas de taipa eram bastante comuns na região do Rio da Prata, assim como em muitas áreas rurais, mas ao longo do tempo foram substituídas por estruturas de alvenaria. Taipa de mão, também chamada de pau-a-pique, é um sistema de construção que usa o barro molhado e materiais encontrados com facilidade na própria natureza, como água, fibras vegetais (a exemplo do capim ou da palha) e madeiras. Um entrelaçamento de madeira ou bambu ou pau roliço ou taquara é construído e fixado, na vertical, sendo amarrados por cipós ou outro material. Os vãos criados pelo entrelaçamento são preenchidos com barro. Seu Máximo, Cinara, Marquinhos, Seu Quincas e a família de Dona Neuza relatam saber construir casas de estuque. O telhado podia ser de sapê ou telhas. Muitos deles nasceram em casas assim. A antiga venda no alto do Morro dos Caboclos era de taipa e estuque e foi comprada do seu sogro Sebastião Batista do Rosário, conhecido como Tião Polaco, por Seu Eli, que a reformou e ampliou.
Primos e primas:
A comunidade quilombola do Rio da Prata é fortemente marcada pelas relações familiares que formaram historicamente esse grupo. As relações comerciais e sociais com as comunidades da vertente sul do Maciço da Pedra Branca, principalmente do território de Vargem Grande, contribuíram para a formação de laços de parentesco entre os grupos. O isolamento, a distância do núcleo urbano e os costumes em comum foram os principais motivos, segundo Seu Quincas, para os casamentos entre familiares, entre primos de primeiro e segundo grau. Geralmente após o casamento, edificaram uma pequena casa no mesmo terreno dos pais. A mistura étnica da comunidade é relatada na história de avós e bisavós, onde negros, indígenas e imigrantes casaram-se, formando um grupo social diversificado.
Doces e outras receitas:
A produção de doces caseiros de laranja, mamão e abóbora foram citados como importante memória do local, despertando afetos e lembranças da sua produção e consumo. Canjica também e algumas comidas de festas juninas. Dona Bilina gostava bastante de papa de milho, segundo relatou seu neto Aldair. Aipim com galinha foi lembrado por Leonídia Carvalho como um prato típico da sua família. Algumas famílias ainda preservam fogão a lenha em seus quintais.
Música e festas:
Presente em muitos bailes e festas locais, o pandeiro acompanhava os eventos musicais nas casas das pessoas, onde se tocava calango, forró, samba e outros. Calango é um seguimento musical de origem mestiça, trazido primeiramente pelos negros de Angola com a presença do Semba e dos Batuques. Podem ser acompanhados de pandeiros e violas. Esse ritmo musical, pertencente à cultura popular, onde as pessoas rimam e cantam junto aos seus instrumentos desafiando uns aos outros cantando a própria realidade. Nascido e difundido pelo interior rural do Brasil, é também o nome popular dado a espécies de pequenos lagartos que podem ser vistos tomando sol em áreas rochosas.
Descendente de Dona Bilina, Ari (filho) e Seu Aldair (neto) são importantes nomes locais relacionados ao calango. Aldair ainda possui instrumentos musicais daquela época em casa. Seu Quincas, também de família tradicional da região, guarda com carinho seu pandeiro (foto) e caderno com letras de música, diz que aprendeu ainda criança com um pandeiro de madeira e depois acompanha os tios que tocavam sanfona e acordeão. Relata ainda a existência da Banda dos Malaquias, lá em cima do Morro do Viegas.
Dona Neuza, do Morro Bela Vista, também menciona as festas como importantes momentos de convivência, tendo aprendido a tocar sanfona e pandeiro com seus irmãos. Na lembrança de Dona Deolinda estão os fados que o pai tocava no alto do morro, na vitrola da família. Além da música de origem portuguesa, relata as festas realizadas nas casas das famílias próximas, que se revezavam. Menciona também o Baile do Tião Malaquias, onde havia clarinete. Nas festas juninas, os antigos caminhavam por cima da fogueira, relata Seu Eli. As festas também foram mencionadas por Zezinho da Cachoeira, onde havia muito forró e calango, com os instrumentos cavaquinho, viola e sanfona.
Calango do Jogo do Bicho
Cantado por Aldair Gomes
Menina vamos cantar
o jogo do numerado
Número um deu avestruz
o jogo tá começado
O dois que deu a águia
que avoa serenata
O três que deu o burro
que pega o peso e não chora
Do quatro deu borboleta
é bonito e não namora
O cinco que deu cachorro
que late fora de hora
O seis que deu a cabra
Dá o leite para quem chora
O sete deu o carneiro
bicho de Nossa Senhora
O oito deu o camelo
que pega o peso e vai embora
Nove que deu a cobra
que dá o bote e desenrola
O dez que deu o coelho
dentro do capim d´angola
O onze que deu cavalo
que só anda em disparada
No doze deu elefante
na tromba tem uma argola
No treze que deu o galo
que canta fora de hora
No catorze deu o gato
que no telhado vive trepado
No quinze deu jacaré
na lama vive atolado
Dezesseis que deu leão
no mato é respeitado
Dezessete deu macaco
bicho do rabo enrolado
No dezoito deu o porco
que morre esfaqueado
Dezenove deu pavão
bicho da pena dourada
O vinte deu o peru
bicho da goela encarnada
Vinte e um que deu o touro
toca pandeiro deitado
Vinte e dois deu tigre
bicho do couro pintado
Vinte e três que deu urso
que toca pandeiro deitado
Vinte e quatro deu veado
bicho do chifre enrolado
E vinte e cinco deu a vaca
tá o jogo arrematado.
Festas e práticas católicas:
É forte a presença da religião católica na região, sobretudo em relação aos mais velhos, que ainda lembram-se das festas católicas realizadas nas igrejas locais. Há relatos da festa de Nossa Senhora das Dores (comemorada em 15/09); da festa de São Jorge, também chamada de Cavalhadas, que hoje em dia para alguns se encontram muito descaracterizadas; e da Folia de Reis (comemorada em 06/01). Eram nas festas de Nossa Senhora das Dores que aconteciam os leilões, no coreto do Largo do Rio da Prata, que também abrigava as bandas que se apresentavam nas festividades. As festas da Igreja de São José Operário, realizadas no feriado de 1° de maio, também foram citadas.
A ladainha (realizada na missa, na primeira sexta-feira do mês) no Morro Bela Vista foram lembradas por Dona Neuza. No mesmo morro, em uma grande rocha, localizada na parte mais alta, há o Cruzeiro da Missão Popular. O batizado foi destacado por Dona Dina que ainda guarda sua roupa de batismo, pois nutre profunda admiração por seus padrinhos que a salvaram da inanição quando criança. Os velórios eram momentos de sociabilidades nos morros e de união, sobretudo antes da chegada dos bondes, quando os caixões eram levados por carroça até o cemitério mais próximo. A avó de Dona Ziza chamava-se Elísia e era irmã de Dona Bilina. Dona Elísia possuía um oratório muito famoso na localidade, com vários santos, que era usado quando benzia as pessoas.
Blocos de Carnaval:
‘Tonga na (ou dá?) Mironga’ era um bloco de carnaval, segundo relato do Seu Quincas. Dona Dina e Leonídia Carvalho se lembram do bloco do Jerônimo, conhecido barbeiro da região, que se apresentava perto da Igreja de Nossa Senhora das Dores. O bloco ‘Seu lagar to mama’ também existia na região. Foram poucas as referências à folia carnavalesca, que precisam ser melhor investigadas, porém considera-se importante indicar as citações e lembranças da comunidade no assunto.
Capela Santo Antônio (Morro da Bela Vista):
O terreno usado para a construção da capela foi doado pela lavradora Antônia Maria de Souza, moradora do morro, rezadeira e avó de Dona Neuza. A capela não tem mais de 50 anos, foi construída com ajuda da população local e ainda é usada para celebração de missas, batismos e casamentos.
Igreja Nossa Senhora Aparecida (Morro dos Caboclos):
No local onde foi construída a igreja havia, segundo relata Seu Eli, um campo de futebol bastante usado pelos moradores. O terreno foi dado ao Padre Lúcio e a edificação tem aproximadamente trinta anos. Além de ser muito usada pelos moradores, destaca-se a bela vista que se tem do terreno, podendo avistar o Rio da Prata e os morros circunvizinhos. É um ótimo mirante.
Religiosidades:
Além das igrejas católicas, havia também na região alguns centros espíritas e de matriz africana (que parecem ser de umbanda). Seu Toninho, ou Antônio Tomás Filho, pai de Seu Aldair, era ogan do Centro Caboclo Rompe Mato. Tio Neco, prossegue Aldair, frequentava o Centro Caboclo Sete Flechas. Dona Sinhá também tinha um centro de reza, conforme lembra Dona Deolinda. Dona Julia atende até hoje às quartas-feiras. Seu Pedro da Caixa d ‘água (nome provém do fato de morar próximo às antigas tubulações de água da Fábrica Bangu, existente no morro) também é citado como importante local de cultos.
Segundo Dona Ziza, sua prima Dona Sinhá possui um centro de reza. Atualmente, próximo à horta comunitária, na subida para o bar do Zezinho da Cachoeira, há um pequeno sítio, às margens do rio, chamado de Cachoeira Sagrada, especificamente destinado à oferendas de religiões de matriz africana, gerido a partir de um olhar de sustentabilidade ambiental e religiosa. Espaço que protege as oferendas e as retira de modo correto, conforme os preceitos sagrados. Inaugurado em 2014, pela Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), como resultado do projeto Espaço Sagrado, que tem por finalidade difundir e proporcionar as boas práticas ambientais e evitar danos à natureza através de soluções sustentáveis e respeitosas que contribuem para a preservação ambiental.
Formas de benzer: rezadeiras:
Era muito comum a presença de rezadeiras nas famílias da região. Com exceção do Seu Pedro da Caixa d ́Água, de Manoel Cachimbo (pai de Seu Máximo) e do Seu Toninho ou Toizinho (Antônio Tomás Filho, filho de Dona Bilina e pai do Seu Aldair), a maior parte das pessoas que exerciam esse saber era mulher. Dona Bilina, segundo relatos, rezava apenas em casa, de onde pouco saía. Dona Julia é uma das últimas rezadeiras ainda em atividade na região, recebendo as pessoas às quartas-feiras. Dona Iara (já falecida) usava graveto em brasa; Dona Maria Augusta (já falecida), mãe de Dona Deolinda, rezava com copo de água, igual a Dona Elísia (já falecida), mãe de Dona Senhora (também falecida) e avó de Dona Ziza.
Assim como elas, havia também Dona Nilcéia (mãe de Dona Neuza); Dona Fézinha; Dona Iara; Dona Candoca; Dona Nonola; Dona Cecília; Dona Maria – todas já falecidas -, que atuavam na região do Rio da Prata morro acima. Ervas e banhos eram usados também para benzer ou seguir com o tratamento. Destaca-se a forte presença feminina no ofício, marcando uma memória matrilinear destes saberes e práticas. O ofício de benzer era repassado pelas famílias através da oralidade e convívio com tais práticas, porém, dentre as pessoas entrevistadas, poucas mantiveram esse saber. Conseguem lembrar de algumas orações e formas de benzer, mas no dia a dia, aparentemente não praticam.
Erveiros e erveiras:
Tão comum como as rezadeiras, eram os saberes de homens e mulheres sobre as ervas e plantas medicinais locais, para uso medicinal, espiritual e alimentar. Os nomes populares das ervas podem variar, assim como seus usos na culinária, em práticas religiosas (banhos, benzer, rezas) e na medicina tradicional, com a produção de “garrafadas”, remédios, xaropes, chás, compressas, emplastos e cremes, por exemplo. Seu Manoel Cachimbo (pai de Seu Máximo) produzia xarope para bronquite. Seu Quincas herdou os conhecimentos de sua mãe Dona Cecília, com quem aprendia sobre as ervas desde novo, tornando-se uma referência atual na produção de remédios e garrafadas.
Garrafadas são concentrados de ervas, água e outros ingredientes, tais como mel, limão, banana, alho, cebola, cravo, canela e gengibre, para citar alguns exemplos, conservados com cachaça, própolis ou álcool de cereal, dentre outros. Seu Zé Erveiro, como o próprio nome indica, é cunhado de Dona Ziza e grande conhecedor das ervas da região. Sua produção e de outros produtores locais é vendida no Mercadão de Madureira, em feiras e mercados populares. Em relato, Dona Artemis diz que fazia xarope para encomenda, no fogão a lenha. O açúcar ou mel eram trazidos pelas pessoas que encomendavam.
Em sua receita, Dona Artemis misturava frutas como banana, figo, laranja da terra ou jabuticaba com alfavacão do campo, flor de mamão macho, casca de embaúba e outros ingredientes. Depois disso feito, coava e estava pronto o xarope. Os conhecimentos repassados entre gerações articulam a agroecologia, memórias e identidades. Esses saberes consistem em importante e valioso patrimônio da comunidade Dona Bilina. Saberes e práticas de saúde coletiva, transmitidos oralmente na comunidade, preservam os modos de fazer das comunidades, promovem interação e troca de experiências entre gerações e viabilizam o conhecimento tradicional popular, oriundos das populações indígenas e afro-descendentes.
Parteiras:
Muitas rezadeiras também eram parteiras. A distância e isolamento dos morros tornavam essas mulheres fundamentais na região, garantindo a saúde de bebês e mães. Dona Nonola, ou Alzerina Maria, avó de Edinho e prima de Candoca, é uma figura de destaque no tema saúde. Além de parteira reconhecida, responsável por auxiliar muitas mulheres no nascimento, a exemplo de Dona Deolinda, Dona Nonola atuava como importante agente de saúde local. Benzia com suas ervas, amparava nascimentos, abrigava e curava doentes. Há relatos também que as mulheres se arrumavam na casa dela antes de se casar na igreja, e também que era um ponto onde as pessoas se limpavam (sobretudo os pés, sujos da descida do morro) para participar da missa e outros eventos. A casa sede do sítio funcionava como ponto de erradicação da febre amarela antes de ser adquirida pela família. Dona Ana e Dona Nina do Morro dos Caboclos, Dona Brasalina, Dona Fézinha e Dona Iracema foram outras parteiras citadas. Dona Maria, bisavó de Dona Deolinda, fez alguns de seus partos e de outras mulheres.
Primeira escola do Rio da Prata:
No caminho do Jequitibá é possível ver as ruínas do que seria a primeira escola do Rio da Prata, hoje localizada em propriedade particular. De acordo com a comunidade, a escola de pedra já existia por volta de 1900, criada pelo morador João Paes Ferreira, também conhecido como João das Furnas, onde também lecionava. Segundo a pesquisa de Alice Alves Franco, essa escola foi citada na relação das escolas rurais no jornal O Paíz, em reportagens de 1908 e 1910, no Morro dos Caboclos, restrita à meninos. Na mesma lista há outra escola elementar masculina, do sexto distrito sanitário escolar, sob responsabilidade do professor Fernando Nunes Pereira, localizada na Serra do Rio da Prata (sem localização detalhada). A escola de João Paes Ferreira, segundo depoimentos, teria sido extinta em 1928. Na imagem estão Ana Maria e Lúcia Maria nas escadas das ruínas da escola. Ambas são bisnetas de João Paes Ferreira. Pesquisas arqueológicas e históricas podem contribuir para trazer mais informações sobre esse importante patrimônio.
Formas de expressão - vocabulário local:
Algumas expressões locais foram observadas no período de pesquisa. Seu Aldair chama vela de “pavio” e pólvora de “fundanga”. Dona Artemis explicou que muitas produções antigamente eram “vendidas no pé”, isto é, a produção era vendida antes de amadurecer, não importando a quantidade de frutos que o pé dava. “Chá do mato” foi a expressão usada por Dona Julia para identificar remédio. De acordo com Dona Ziza, “loca” significa caverna. Em 1991 foi realizada uma pesquisa de doutorado no Morro dos Caboclos por Lilian Viera Ferrari sobre a linguística local, intitulada “Variação Linguística e Redes Sociais no Morro dos Caboclos, RJ”, com objetivo de compreender o linguajar da comunidade do Morro dos Caboclos. Conclui pela existência de dois grupos de linguagem, diferenciada pelo local de moradia – pessoas mais isoladas, vivendo no alto do morro, e pessoas com mais contato com a baixada/centro urbano. De acordo com a pesquisa de Lilian Viera Ferrari, publicada em reportagem no Jornal O Globo Zona Oeste, de 16 de abril de 1995, havia um dialeto local, muito demarcado. “Ban” significava banho, “luji” era luz, “depoji” significava depois, “tirante disso” era a expressão para “fora isso”, para citar alguns exemplos.
Jogo da Malha:
Você conhece o Jogo da Malha?? Ele foi muito jogado no Rio da Prata durante anos, existindo até campeonatos! É uma das referências culturais do Quilombo Dona Bilina. Veja o depoimento do Seu Eli e conheça este jogo:
Crenças e lendas:
Se você assobiasse meia noite o saci podia aparecer, relata Seu Aldair. Nos relatos dos moradores é possível identificar um medo em relação às traquinagens do saci – como embolar a crina do cavalo – e os relatos sobre ele são sempre de cuidados. Alguns duvidam da existência do saci, apesar de sempre terem uma história de algum familiar que passou uma situação com o saci. Áurea Alves, nascida no Rio da Prata, relata que seu bisavô e mais três amigos foram para um baile e de forma debochada disse que ia voltar antes de meia noite, para passar na cachoeira e ver se o saci montava nas costas dele.
Os amigos passaram a cachoeira e depois viram um garotinho em cima da pedra, já imaginando quem seria. Logo que seu bisavô passou, o sacinho pulou nas costas dele, como relatou o amigo que estava no fim da fila. O cavalo saiu correndo morro acima, direto para casa. Seu bisavô ficou enfeitiçado. Chamaram rezadeira, benzedeira, padre, mas nada adiantou e ele só acordou depois de três dias. Essa história marcou a família dela. O bisavô nunca mais zombou e Áurea, quando está nos caminhos do morro, no horário de meia noite, ajoelha, abaixa a cabeça e reza, esperando virar a hora para seguir viagem tranquilamente. Se o saci é alvo de dúvidas, o boitatá não é. Quase todos com quem conversamos relataram já terem avistado bolas de fogo cruzando os morros. Não sabem ao certo se é o boitatá, mas não duvidam que viram algo diferente. Lobisomem, histórias da Iara e outras narrativas fazem parte das crenças locais, que conectam os moradores e suas formas de ver o mundo.
Saraus (poesia):
Verificou-se a forte presença da poesia na comunidade do Rio da Prata, desde os calangos aos saraus familiares. Hoje em dia o Coletivo Cultural Rio da Prata realiza apresentações na região. O Sarau da Dona Elza, realizado anualmente em novembro, também foi lembrado como importante momento de confraternização poética.
Restaurantes: novos usos do passado:
Acompanhando as mudanças locais e da sociedade, alguns dos antigos sítios foram repensados nos seus usos. Os três estabelecimentos aqui citados foram indicados pela comunidade como de famílias tradicionais, que buscaram alternativas para se manter no local. O restaurante Taurus localiza-se no caminho para a Caixa d’água, em propriedade da família e a refeição pode ser servida próximo ao riacho que corta o terreno. A comida é caseira e feita na hora pela família e colaboradores. No mesmo caminho, um pouco acima do sítio da Cachoeira Sagrada há o Bar e Cachoeira do Zezinho. Nascido no morro, Zezinho possui ascendência portuguesa por parte do pai (Pedro Fernandes Pereira) e indígena por parte da mãe (Maria Sales Pereira).
Seu avô era um grande produtor de batata inglesa, cuja produção era escoada por cinquenta burros e vendida na feira de Campo Grande, conforme nos relata o próprio. A prosperidade da família era representada pela posse de um carro, que servia àquela comunidade ajudando no transporte de doentes no morro. Zezinho segue produzindo, colhendo e vendendo em feiras, porém, em menor escala, porque se dedica também ao bar que funciona aos fins de semana, empregando familiares e moradores locais. O bar possui uma piscina artificial e acesso a uma pequena represa, chamada de lago verde.
Na fala de Zezinho destaca-se sua preocupação com o meio ambiente da região, bastante degradado em sua opinião. Nascentes e leitos dos rios estão sujos, as terras estão sendo compradas por pessoas de fora que não possuem qualquer laço identitário com o local. Busca na medida de suas condições agir na preservação da natureza. O Restaurante Farol da Prata é um complexo de lazer, que reúne uma variedade de atrativos. Estabelecido na propriedade da família de Dona Nonola, o estabelecimento serve café da manhã e almoço com alguns pratos locais. O suco de capim limão é um dos atrativos locais. O espaço possui lago para pesca, mirante, trilha, bichos, parquinho infantil e feira orgânica, realizada aos domingos, junto com a Agroprata. Conversar com Edinho, chefe de cozinha e administrador do restaurante, é um passeio pela história de sua família e do local, para onde voltou após o falecimento do pai e hoje permanece atuando a favor da história e cultura locais.
Agroprata: Associação dos Agricultores Orgânicos da Pedra Branca:
Criada em 2002 e atuante até os dias de hoje, a associação tem por objetivo o fortalecimento do agricultor local, valorizando sua produção e auxiliando-o na adoção de boas práticas agrícolas. Em 18/11/2002, a Associação é oficialmente registrada, então com 17 membros, que somando a agricultura familiar através da adoção de práticas orgânicas, do beneficiamento da banana e do caqui e da conservação do ecossistema local, passaram a trabalhar de forma mais consciente. Hoje, todos os agricultores da Agroprata são certificados como orgânicos e a associação é uma das maiores produtoras de caqui do estado do Rio de Janeiro.
No âmbito da Agroprata são produzidas e comercializadas frutas (especialmente banana e caqui), além de aipim, hortaliças e plantas medicinais. Os alimentos produzidos são comercializados em feiras do Circuito Carioca de Feiras Orgânicas na cidade. A pesquisa e coleta de material sobre a história da região iniciada por Rita Caseiro foi a base argumentativa para a solicitação à Fundação Cultural Palmares do reconhecimento de agricultores tradicionais do Rio da Prata como comunidade remanescente quilombola.
Patrimônio natural:
A história do quilombo relaciona-se com a ocupação e manejo da floresta, onde foram estabelecidas suas casas e roças. Nesse sentido, os rios são fonte de água potável e uso para as plantações. Alguns rios e cachoeiras ofereciam camarões e lagostas para a pesca. Os nomes dos cursos d’água se referem às apropriações culturais dos espaços pelos moradores. Rio do Saci, cachoeira do Saci, cachoeira da Represa, cachoeira do Engenho (no local havia uma importante roça que possivelmente usava a força da água para mover o engenho), rio da Virgem Maria, rio do Lameirão, rio das Lavadeiras (onde mulheres se reuniam para lavar roupas), rio da Batalha (que quando enchia era uma batalha atravessar, os sons da água descendo em velocidade também aguçavam a imaginação), rio dos Caboclos, rio Rosário, riacho Virgem Maria, rio da Venda Velha, rio da cachoeira, rio do quininho.
Poços, tanques e lagos também fazem parte desse sistema hídrico tão importante para a vida na região. A famosa fábrica de tecidos Bangu, cujo nome era Companhia Progresso Industrial do Brasil e hoje no local funciona o shopping Bangu, foi aberta em 1889. O bairro de características rurais foi se modificando e tornou-se um bairro proletário, voltado para atender à fábrica. As águas usadas na fábrica vinham do maciço da Pedra Branca, onde ainda é possível visitar as ruínas do aqueduto. Havia um sistema de captação de água composto por duas represas, um reservatório de pedras, calhas e tubulações de ferro fundidas. É possível ver também as ruínas do casebre onde ficavam os antigos funcionários da fábrica que faziam a manutenção do grande tanque.
Além dos rios, as árvores são importantes referenciais locais. As árvores frutíferas, a exemplo do caqui, manga, banana e outras, possibilitaram a extração e comercialização. Na região, destaca-se também o grande Jequitibá, avistado de longe, como referência geográfica da região, por onde passam caminhos e onde há roças ao seu redor. As formações rochosas de destaque na vertente norte do maciço da Pedra Branca são: a pedra do Índio, a pedra do cruzeiro, a pedra do carvalho, dentre outras. Importante destacar também o pico da Pedra Branca como ponto de unidade entre todos os habitantes do maciço, cujos caminhos e formas de vida os aproximam.
As formações rochosas são referências da geodiversidade local e das atribuições de sentido e significados, que demarcam espaços e lugares sociais. A pedra do Cruzeiro recebeu este nome em função do grande cruzeiro nela fixado pela Missão Popular da Paróquia São João Evangelista. Outro exemplo muito citado pelos moradores foi a pedra ou Toca do Índio, que está localizada no caminho que leva até o Jequitibá e possui pequenas escavações (ou buracos), as quais os moradores acreditam que eram utilizadas pelos indígenas para guardar utensílios.
Alguns moradores afirmam também que há outra caverna com transcrições indígenas. Consiste em um possível sítio arqueológico que poderia ser estudado a partir desse olhar, mas, de toda forma, segue sendo um local de referência popular da presença indígena na região. Os morros também podem ser considerados uma herança cultural identitária, que demarca a região, cujos nomes se relacionam historicamente com o habitar, manejar, cultivar e caminhar dos moradores. Morro dos Caboclos, morro da Bela Vista, morro da Antena, morro do Carvalho, dentre outros.
Fotos de:
Acervo Agroprata
Ana Maria dos Santos Pinto
Acervo Chopp da Villa (Bar do Ernesto)
André Luis Mansur
Áurea Alves do Nascimento
Bruna Pinto Monteiro
Flávio Morais
Julia Wagner Pereira
Luz Stella Rodriguez Cárceres
Acervo Luiz Alberto Damásio
Acervo Igreja Nossa Senhora das Dores
Acervo Quilombo Dona Bilina
Realização Apoio Produção
Ecomuseu Quilombo Dona Bilina:
Vertente norte do Maciço da Branca, região do Rio da Prata, bairro de Campo Grande, cidade do Rio de Janeiro. E-mail: ecomuseubilina@gmail.com
O Ecomuseu Quilombo Dona Bilina é um museu comunitário de território, voltado para a valorização da história, memória, saberes e identidades locais, nas suas relações com a agroecologia e o meio ambiente.
O Quilombo Dona Bilina possui muitos patrimônios que ainda são vivenciados pela comunidade em seu território. São práticas culturais manifestadas em comportamentos, valores e visões de mundo que conectam as experiências e vivências dos moradores nas suas diferentes temporalidades, e produzem um sentimento de continuidade. Criado em novembro de 2022, o trabalho do Ecomuseu é valorizar esses referenciais identitários, buscando nutrir o sentimento de pertencimento da comunidade frente aos desafios e demandas contemporâneas, reafirmando o enraizamento histórico dos quilombolas.
O Ecomuseu Quilombo Dona Bilina é um “museu-andado”. É um museu comunitário de território, criado em novembro de 2022, que se propõe a preservar, pesquisar, valorizar e divulgar as histórias da comunidade agrícola que vive no local. Historicamente, ela é residente da vertente norte do Maciço da Pedra Branca na região conhecida como Rio da Prata, no bairro de Campo Grande, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.
Neste museu, o protagonismo é da comunidade que decide sobre seus patrimônios e como preservá-los. São referências culturais locais: os saberes e modos de vida tradicionais dos moradores do quilombo, suas tecnologias sociais, memórias, tradições religiosas festivas, agrícolas e culinárias, a medicina tradicional, os lugares simbólicos, a natureza, as lendas e crenças, os ofícios e a paisagem cultural do Rio da Prata e do Maciço da Pedra Branca. Tudo isso vem sendo transmitido entre gerações e representa a identidade cultural do local.
O termo “ecomuseu” surge a partir dos debates sobre a função dos museus na sociedade nas décadas de 1960 e 1970. As fortes críticas ao distanciamento dos museus da vida e das histórias das pessoas comuns, diversas e plurais, provocaram uma mudança no campo da museologia. Com isso, surgiu a Nova Museologia e a Museologia Social que apresentaram novas formas de ação, compreendendo o museu como ferramenta de uso comunitário e participativo, baseado em decisões coletivas, auto representação e autonomia, e também com um olhar para demandas sociais.
Nesta linha de pensamento, a proposta é a substituição do museu-edifício, das coleções museológicas oriundas dos ricos e da presença de público-espectador por um território diversificado, por patrimônios múltiplos e pela participação efetiva da comunidade. Como resultados surgiram novas propostas museológicas que buscaram valorizar as comunidades, o desenvolvimento local, o meio ambiente e os diferentes saberes e visões de mundo. Assim nasceram os museus comunitários, os museus de território e os ecomuseus.
O Quilombo Dona Bilina possui muitos patrimônios que ainda são vivenciados pela comunidade em seu território. São práticas culturais manifestadas em comportamentos, valores e visões de mundo que conectam as experiências e vivências dos moradores nas suas diferentes temporalidades, e produzem um sentimento de continuidade. O trabalho do Ecomuseu é valorizar esses referenciais identitários, buscando nutrir o sentimento de pertencimento da comunidade frente aos desafios e demandas contemporâneas, reafirmando o enraizamento histórico dos quilombolas.
Objetivos do Ecomuseu Quilombo Dona Bilina:
Pesquisar, preservar e difundir as histórias e memórias locais, considerando as experiências e vivências dos grupos constituintes do quilombo. São grupos que manifestam valores identitários e um sentimento de continuidade expressos em práticas culturais vivas nos cotidianos partilhados.
Valorizar os/as agricultores/as locais e suas heranças culturais, considerando a resistência e importância desse campesinato negro popular na manutenção das tradições locais e no desenvolvimento da agricultura urbana.
Atuar na geração de renda e no trabalho através de ações museológicas de valorização das realidades, saberes e produtos locais;
Atuar na conservação socioambiental da região, entendendo a importância dos recursos naturais e do patrimônio ambiental para a constituição identitária;
Valorizar e promover o protagonismo das mulheres como importantes lideranças comunitárias, responsáveis pelo sustento de famílias e guardiãs das memórias locais;
Promover atividades para infância e juventude visando a continuidade e atualização das práticas culturais locais.
Atuar no combate ao racismo, preconceitos e intolerâncias e formas de invisibilidade da cultura afro-brasileira marcantes na constituição de comunidades quilombolas como a Dona Bilina.
O Quilombo Cafundá Astrogilda e o Quilombo do Camorim foram homenageados com o Prêmio Ubuntu de Cultura Negra, uma prêmiação que enaltece, reconhece e valoriza muitas vozes que, ao longo da história, foram caladas, silenciadas e invisibilizadas, e destaca todas essas potências que hoje ecoam alto e merecem todo reconhecimento e respeito.
“Ubuntu” - termo de origem zulu, que significa “sou quem sou, porque somos todos nós”. Ele reflete o espírito de unidade e coletividade que norteia a caminhada e o trabalho desenvolvido por toda essa irmandade aquilombada em todos os cantos do Brasil!
Os Quilombos do maciço da Pedra Branca são territórios de lutas e difusão de cultura. Sendo o prêmio Ubuntu um reconhecimento da riqueza da cultura negra. O Quilombo Cafunda Astrogilda é representado pelos griôs @sandro_quilombola é @paulinhosaci
Referências Bibliográficas:
ANTUNES, Roosevelt. Mistérios na Serra dos Caboclos - 1° edição. Rio de Janeiro: edição do autor, 2023.
FROES, José Nazareth de Souza, Odaléa Ranauro Enseñat Gelabert. Rumo ao Campo Grande: por trilhas e caminhos. Rio de Janeiro, 2004.
Textos e imagens copiadas do Acervo Histórico:
https://ecomuseuquilombodonabilina.com.br/
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