sexta-feira, maio 09, 2025

40 anos dos CIEPs: um modelo revolucionário

Quando Leonel Brizola, contrariando toda a lógica política da época, venceu as eleições para o governo do estado do Rio de Janeiro em 1982 — enfrentando o conluio das Organizações Globo e a tentativa de fraude eleitoral articulada pela ­Proconsult, com apoio do regime militar de João Batista Figueiredo — iniciou ao lado de Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer, a implantação do mais avançado e revolucionário projeto educacional da história do Brasil: os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs).

A concepção dos CIEPs representou uma das mais arrojadas e visionárias iniciativas educacionais já realizadas no país, fruto do olhar estadista de Brizola e da genialidade intelectual de Darcy Ribeiro. Tratava-se de uma escola pública de excelência, popular e comunitária, que compreendia a educação como um processo integrado — unindo profissionais qualificados, infraestrutura adequada e práticas pedagógicas inovadoras. Em resposta concreta à necessidade de democratizar o acesso ao conhecimento no Brasil pós-ditadura, os CIEPs foram criados como escolas de tempo integral voltadas as classes populares, com o objetivo de formar cidadãos plenos. Eram centros vivos de cultura, convivência e lazer, abertos à comunidade e enraizados nas realidades locais, onde os saberes populares eram respeitados e incorporados ao cotidiano escolar. Ao unir educação e cultura como pilares indissociáveis da cidadania, os CIEPs apontavam para um futuro promissor, sem romper com as raízes do povo brasileiro.

O projeto trouxe inovações profundas à educação pública. Com funcionamento das 8h às 17h, os CIEPs ofereciam muito mais do que ensino formal: garantiam alimentação adequada, higiene, atendimento de saúde, atividades esportivas, culturais e artísticas, reconhecendo que todas essas experiências fazem parte do processo educativo. Voltados prioritariamente às periferias urbanas, evidenciavam a escola como um espaço público plural — gratuito, laico, inclusivo e sustentado pelo Estado — onde a comunidade tinha voz e vez. A estrutura pedagógica rompia com o modelo tradicional: equipes multiprofissionais, currículo integrado e atividades interdisciplinares valorizavam a diversidade e os saberes locais. A presença dos animadores culturais, a participação ativa da comunidade e o combate aos currículos excludentes revelavam a intenção clara de formar sujeitos críticos, conscientes e emancipados.

A genialidade dos CIEPs residia justamente na simplicidade poderosa de sua proposta: nenhuma criança pode aprender com fome, sem saúde, sem acesso à cultura, ao esporte, ao lazer e ao afeto. Brizola e Darcy entenderam, como poucos, que cidadania se constrói desde a infância, com dignidade e oportunidades reais. Os países desenvolvidos já haviam provado essa lógica — e os CIEPs a materializaram em solo brasileiro. A proposta integrava escola, cuidado e cultura em um mesmo espaço, mostrando que o saber floresce quando a vida da criança é respeitada em sua totalidade. Alimentação, saúde, arte e conhecimento andavam juntos — e isso, no Brasil, chamava-se CIEPs.

No entanto, o projeto foi duramente atacado pelas elites retrógradas e por setores de uma esquerda desinformada — a chamada “esquerda que a direita gosta” — que combateram os CIEPs com argumentos mesquinhos e reducionistas, como a ideia de que “escola não é pensão”, ou que o projeto era caro demais. Acusavam Brizola de populista educacional, sem compreender — ou sem querer aceitar — a dimensão transformadora da proposta.

Desmontaram o projeto mais inovador e humanizador que o Brasil já conheceu. Em seu lugar, restaram as velhas escolas burocráticas e desonestas, que reproduzem um modelo fracassado, útil apenas à manutenção das desigualdades e das elites que se opõem ao desenvolvimento, ao povo e à emancipação social.

Quarenta anos depois, os CIEPs continuam atuais, necessários e profundamente inovadores. Em seu terceiro mandato como presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva chegou a reconhecer publicamente o erro — seu e de setores de seu partido — ao não apoiarem os CIEPs no passado. No entanto, ainda não implantou a concepção plena desse modelo em sua gestão.

Cabe a reflexão: até quando o Brasil negligenciará sua educação, ou seja, seu próprio futuro?

E cabe também o registro histórico da grandeza e da visão revolucionária de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro que ousaram construir não apenas escolas, mas um projeto de nação.

Texto de Henrique MattiHiesen

Formado em Direito e Pós-Graduado em Sociologia

Fonte: https://oestadoce.com.br/

8 comentários:

  1. Nossa , perfeita sua colocação . Trabalhei no primeiro e no segundo Projeto Especial de Educação e posso garantir que em matéria de educação nunca na história do Rio de Janeiro algum projeto de aproximou deste.Realmente foi fantástico. Tenho certeza que a realidade do nosso estado e do nosso país seria totalmente diferente se tivessem dado continuidade. Uma pena !

    ResponderExcluir
  2. Eu sssisti à Construcao dos CIEPS . Bom trio, Brizola , Darcy Ribeiro. E. Oscar Niemeyer .. Até o sambodromo tinha dupla funçao , carnaval com os desfiles no aversión e no período escolar de CIEP. Uma das msrsviñhss que gostava de explicar para os tutistas gringos .. a seguir houve eleiiçors para presidente e o Brizola perdéis. O povo não sabe votar . Cada poco tem o gobernó que merece. João Vieira

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Prezado João. Realmente houve muitos avanços na cultura e na educação nesse período.

      Excluir
  3. Um excelente texto que nos fala do maior legado de Leonel Brizola. Até hoje o Brasil carece de um projeto educacional eficiente que dê à criança verdadeiras oportunidades futuras de se colocar no mercado de trabalho, obter aprovação nos concursos públicos e no acesso às universidades.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Meu caro Rodrigo. Realmente esse foi um período muito eficiente para a educação do nosso país. Hoje infelizmente parece que regredimos. Um abraço!

      Excluir
  4. Além da educação, ter as crianças em tempo integral "protegidas" nas escolas, as tiravam da rua, onde facilmente estavam a mercé dos "maiores". Havia mentes iluminadas na época!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Meu caro Anônimo. Exatamente. Hoje estamos mais perdidos nesse aspecto.

      Excluir