segunda-feira, abril 07, 2025

A Barra da Tijuca de outras histórias

Barra da Tijuca é um dos bairros de história mais recente no Rio, ao menos daqueles mais notórios. As suas bases foram lançadas ainda nos anos 1920, mas só começou a tomar cara mesmo lá para o final dos anos 1970. 

Na história então comumente narrada sobre a Barra, ela é associada a imagens paradisíacas (praias, lagoas, canais, ilhas, morros, restingas) e a grupos sociais específicos (classe média alta e novos ricos) e a tipos de habitação diretamente relacionados ao poder aquisitivos daqueles grupos (condomínios de alto padrão, mansões, apartamentos luxuosos). 

Consolidou-se então uma imagem da Barra da Tijuca como um lugar de desfrute das classes mais abonadas da sociedade carioca: um espaço de recreio dos mais privilegiados. Das práticas de “corrida de submarino” feitas nas praias pelos jovens namorados dos anos 1940 e 1950, a Barra passou a ser a sede por excelência de práticas como o surf, windsurf, voos de ultraleve, passeios no shopping, livre desfile de carros importados, restaurantes finos etc.

Nesse retrato sobre o bairro e sua história, havia uma ideia subjacente: a de que o território começou a se desenvolver exatamente quando esses usos se consolidaram no território ali pelos anos 1980. Era como se antes a Barra não tivesse história.

Grave erro. Porque a história da Barra é muito anterior. E feita por mãos, braços, suor e sangue de gente de outras categorias sociais. Antes de tudo é preciso lembrar que antes dos portugueses ocuparem o território, os povos originários já a habitavam, nela produzindo vida e saberes. E do período colonial até o fim da monarquia escravocrata a área seria desenvolvida e cuidada pelo trabalho de pescadores e camponeses, e por trabalhadores escravizados, ou seja, tratava-se nos dois casos do povo preto que ali ia tecendo o dia-a-dia da sobrevivência, sob condições muito duras e injustas, mas sempre resistindo e persistindo.

Houve ainda uma boa parcela de escravizados alforriados e quilombolas que também atuaram na região desde sempre, ocupando pequenas parcelas nos morros da região e que seguiram vivendo na região por anos a fio, e com seus descendentes atravessando o século XX, mantendo seus roçados e pequenas criações, tão importantes para a subsistência de tantas famílias que ali habitavam.

A história dessa gente ainda está para ser devidamente contada. E a história dela foi e é parte integrante da história da Barra da Tijuca. A Barra é muita mais do que shoppings, condomínios e lazeres da classe média bronzeada. Ela também é a Barra do povo preto, pobre e camponês.

Por: Leonardo Soares dos Santos.

Professor de História/UFF, pesquisador do IHBAJA e do IAP.

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2 comentários:

  1. Fico imaginando como a Barra da Tijuca poderia ter tomado outros rumos se as ideias como as do arquiteto Lúcio Costa, de expansão imobiliária na região, não tivessem sido aceitas por razões ambientais. Hoje teríamos um belo parque ecológico no litoral carioca unindo os maciços da Tijuca ao da Pedra Branca, preservando também a história. Talvez hoje em dia, quem sabe por meio de antigos moradores ainda vivos, algumas informações não poderão ser obtidas por meio de entrevistas com esses idosos?!

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  2. Caro Rodrigo. Infelizmente muita coisa sobre a história da Barra foi sendo apagada pela ignorância dos nossos próprios governantes. Talvez como última alternativa seja mesmo um história baseada nos relatos orais das pessoas mais antigas. Com toda certeza.

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